60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

EFEITO DO ACIDO POLI-L-LATICO SOBRE ENXERTOS DE GORDURA: ESTUDO EXPERIMENTAL EM RATOS

Resumo

Introdução: O enxerto de gordura autóloga continua sendo um tema de debate, envolvendo não somente a fisiopatologia de sua absorção, como também as técnicas que favorecem a melhor integração, para resultados mais previsíveis.
Objetivo: Avaliar o impacto do ácido poli-l-lático sobre o enxerto de gordura fragmentado no dorso de ratos Wistar.
Método: Vinte e um ratos Wistar do sexo masculino, com peso entre 283 e 394g foram selecionados para serem divididos em três grupos e observados por 150 dias. Em cada um dos grupos foram retiradas a gordura dos flancos por incisão direta e posterior fragmentação mecânica para enxertia no dorso do próprio animal. No grupo 1, 1ml desta gordura foi enxertada; no grupo 2, apenas 0.5ml foi enxertado; enquanto no grupo 3, 0.5ml de gordura foi adicionada a 0,5ml de ácido poli-l-lático. A gordura enxertada foi analisada em termos de volume final, necrose, fibrose e inflamação.
Resultados: Observou-se que inflamação e necrose foram menos presentes no grupo com adição de PLLA do que nos dois grupos que utilizaram gordura isoladamente, enquanto o volume de gordura final foi maior no grupo PLLA (p<0,05). Não houve diferença em nenhum parâmetro analisado entre os grupos 1 e 2.
Conclusão: A associação de gordura fragmentada e ácido poli-l-lático enxertada em dorso de ratos demonstrou menor inflamação e necrose do que enxertos de gordura isolados, com maior volume final de gordura.

Introdução

Enxerto de gordura autóloga foi realizado pela primeira vez em 1893 e descrito pelo cirurgião alemão Gustav Neuber, que transplantou tecido adiposo do braço para a órbita inferior, visando corrigir cicatrizes inestéticas, aderentes e deprimidas, causadas por osteomielite.
Dentre os benefícios da gordura, pode-se citar a sua grande disponibilidade, acessibilidade, biocompatibilidade; baixo custo, baixo dano do local doador; além da disponibilidade de células-tronco mesenquimais. Atualmente, o lipoenxerto é utilizado no tratamento de deformidades de contorno da face; aumento do volume tecidual; reconstrução e aumento das mamas; aumento dos glúteos; rejuvenescimento da mão e da face; tratamento de contraturas de cicatrizes e de danos por radiação.
Apesar dos benefícios e facilidade na retirada e aplicação, o enxerto de gordura tem como óbice a integração variável, ou seja, por fatores ainda desconhecidos, os pacientes apresentam absorção parcial do tecido enxertado. A integração da gordura é relatada com taxas de absorção variando de 20 a 90%, explicitando a imprevisibilidade da absorção
Em busca de uma solução para minimizar a reabsorção, muitos autores focaram a investigação em modificações nas fases de retirada, processamento e aplicação da gordura, além da preparação do local enxertado
Contudo, pouco foi tentado em relação a mistura de soluções, como é o caso de se associar o ácido poli-l-lático (PLLA), que tem a capacidade de aumentar a produção de colágeno e é uma substância biocompatível e biodegradável já aprovada para uso humano em várias situações.
O PLLA é polímero sintético fornecido como um pó liofilizado em micropartículas de 40 a 60 μm e inclui manitol apirogênico, carboximetilcelulose sódica. Este pó é diluído em água estéril em diferentes comparações a depender de a aplicação ser na face ou corporal. O resultado clínico esperado se dá através da encapsulação das partículas e fibroplasia, que volumiza o tecido aplicado e estimula a produção de colágeno após cerca de 3 a 4 semanas.


Objetivo

O objetivo desse estudo foi avaliar o impacto do PLLA sobre o enxerto de gordura fragmentado no dorso de ratos Wistar.

Método

O projeto foi desenvolvido após aprovação do comitê de ética no uso de animais da UNESP – Botucatu sob o parecer número 1394/2021, baseado nos princípios éticos da experimentação em animais aprovados pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal, levando sempre em conta a dor e o desconforto dos animais envolvidos no estudo.
Foram selecionados 21 ratos Wistar (Rattus norvegicus), do sexo masculino, com dois meses de idade.
Os ratos foram aleatoriamente divididos em três grupos: Grupo gordura 1 (G1): neste grupo, 1ml de gordura fragmentada foi injetada no quadrante superior do dorso do rato. Grupo gordura 2 (G2): neste grupo, 0,5ml de gordura fragmentada foi injetada no quadrante superior do dorso do rato. Grupo PLLA (G3): neste grupo, uma mistura de 0,5ml de gordura fragmentada e 0,5ml de ácido poli-l-lático foi injetada no quadrante superior do dorso do rato.
Foram utilizados três grupos para que se verificasse se o maior volume ocasionado pela presença de PLLA não impactava sobre o enxerto de gordura.
O PLLA (Sculptra, Sinclair Pharmaceuticals, Galderma Laboratories, Fort Worth, TX, USA) foi preparado com hidratação de 10ml de água destilada 4 horas antes das intervenções. Uma única ampola do produto foi necessária.
Anestesia
Os animais receberam Ketamina em doses de 80mg/kg e Xilazina 10mg/kg, por via intraperitoneal, e repetida conforme necessário. Antes do término da cirurgia foi aplicado uma dose de Tramadol 5mg/Kg, via intramuscular. Após o procedimento foi utilizado um bolus parenteral de Dipirona Sódica 500 mg/kg, uma vez ao dia por dois dias, conforme rotina do biotério da FMB-UNESP.
Procedimento Cirúrgico
Após a anestesia, foi realizada a tricotomia no dorso de todos os animais e na região inguinal direita e esquerda. Em todos os animais, foi realizada a extração de gordura da região inguinal, com o procedimento de retirada conforme descrito por Temiz et al 18.
Primeiro, os animais foram fixados em decúbito dorsal, tendo a área cirúrgica pintada com clorexidina alcoólica para antissepsia. Logo após, realizou-se incisão de 3 cm, sob anestesia local com lidocaína 2% em dose de 2mg/kg, com bisturi nº 15, para a ressecção total da gordura inguinal. A artéria epigástrica superficial foi dissecada e cauterizada. A área doadora foi suturada com um fio de nylon 5-0. Depois, com o auxílio de um bisturi com lâmina 23, a gordura foi fragmentada finamente o bastante para conseguir ser aplicada com uma agulha hipodérmica (40x12mm) e seringa de 3 ml com rosca.
No grupo que utilizou PLLA, a mistura foi realizada por meio de um transferidor de seringas de 3ml, como movimentos repetidos em 50 passagens pelo transferidor entre duas seringas de 3ml. A gordura foi aplicada no terço superior e dorsal do rato em esquema de retro injeção.
Observação
Os animais foram acomodados em caixas de tamanho apropriado, possuindo apenas um animal em cada, com temperatura constante (25 ± 2°C), respeitando-se o ciclo de 12 horas, com água e comida ad libitum, até o momento da eutanásia. Visando o enriquecimento ambiental, disponibilizamos pequenas cordas, bolas de plástico e papel amassado, para proporcionar estímulo tátil e reduzir o estresse do animal, sem comprometer a sua movimentação na caixa. Ademais, as camas dos animais eram de maravalha, composta por grânulos grandes, garantindo a absorção da urina dos animais.
Os animais foram observados durante 150 dias. Após esse período, os ratos foram novamente pesados e sofreram eutanásia por meio de overdose de 120mg/kg de tiopental intravenoso.
A gordura foi retirada cirurgicamente, por meio de incisão central no dorso superior dos animais e coleta em bloco, com posterior imersão em formol e encaminhadas para parafina.
Análise Histológica
A rotina histológica para as lâminas selecionadas foi a colocação Hematoxilina e Eosina e Tricrômico de Masson.
Cada lâmina teve áreas randomicamente escolhidas para uma avaliação histológica às cegas, por pesquisador independente, procurando classificar a presença de células adiposas íntegras em lóbulos, com contagem absoluta de áreas de necrose e fibrose, bem como classificação da inflamação (infiltração linfocitária e de macrófagos) de acordo com o acometimento dos lóbulos de gordura em: Ausente (0); Mínima (quando acometido no máximo 1/3 de um lóbulo de gordura); Moderada (quando acometido entre 1/3 e 2/3 de um lóbulo de gordura); e Intensa (quando acometido mais de 2/3 de um lóbulo de gordura).
Análise Estatística
O desfecho principal do estudo foi a gradação ordinal histológica ligada a fibrose, inflamação e necrose da gordura coletada.
Os dados foram tabulados em tabela Excel® e analisados usando o software IBM SPSS 29. A comparação das variáveis entre os grupos foi realizada pelo teste de Kruskal-Wallis, com análise post hoc (entre os pares) de Bonferroni. Considerou-se significativo p-valor <0.05 bicaudal (significância exata).

Resultado

Após o procedimento cirúrgico e anestésico, dois animais foram a óbito, sendo um pertencente ao G1 e outro ao G2.
O peso inicial médio (mínimo – máximo) dos animais do G1 foi 366,5g (301 – 394g), do G2 foi de 362g (283 – 390g), e do G3 foi de 361g (347 – 390g), p= 0,497.
Após 150 dias, o peso médio (mínimo – máximo) dos grupos 1 ao 3, foram, respectivamente, de 542 (498 – 600g), 535 (498 – 596g) e 527g (462 – 560g), p= 0,853.
Também não houve diferença entre os ganhos de peso, p= 0,936.
O volume inicial injetado nos ratos do G1 e G3 foi de 1ml, enquanto no G2 foi de 0.5ml. No momento da eutanásia, o volume médio do tecido retirado foi respectivamente de 0.524, 0.391 e 0.886ml.
As gradações histológicas referentes à fibrose, necrose e inflamação se encontram na tabela 1 e são ilustradas nas figuras 1 a 4.
A gradação histológica de inflamação e de necrose dos lóbulos de gordura enxertados foram menos presentes no G3 do que nos demais grupos que utilizaram com gordura isoladamente (p<0,05).
Não houve diferença entre os grupos quanto ao grau de fibrose entre os lóbulos de gordura enxertados (p = 0.652).
Não houve diferença em nenhum parâmetro analisado entre os G1 e G2 (p≥0.1).
O volume de gordura removido foi maior no G3 que no G1 (p < 0.01) e maior no G3 do que no G2 (p = 0,041), entretanto, sem diferença entre G2 e G1 (p >0.1).

Discussão

Neste experimento, com ratos Wistar, a adição de PLLA ao enxerto de gordura levou a ausência de necrose, mínima inflamação e maior volume de gordura, sugerindo que possa promover maior integração do enxerto.
Durante o processo de envelhecimento, um complexo processo de mudanças afeta a pele, o tecido subcutâneo e o esqueleto ósseo, gerando flacidez e redução local de volume na face e no corpo dos pacientes 19. O enxerto de gordura é um método eficaz de preenchimento, porém o real mecanismo de sobrevivência dos adipócitos continua incerto, sendo comuns pesquisas que envolvam desde a forma de extração e manipulação da gordura, até implantação 12.
A gordura transplantada não permanece intacta e sofre uma redução aguda no número de células, seguida por uma absorção tardia dos cistos de óleo e dos adipócitos não viáveis 20. Teorias foram aventadas para explicar a forma como a gordura é integrada e como gera os resultados vistos na prática clínica. Inicialmente, Neuhof e Hirschfeld propuseram a “the host replacement theory”, em que os adipócitos implantados morreriam e seriam substituídos por novo tecido fibroso ou gorduroso, como scafolds do tecido conjuntivo 9.
Em 1956, Peer observou neovascularização após 4 dias, sugerindo que algumas células de gordura se mantém intactas e sobrevivem preservando sua estrutura, enquanto outras evoluem para tecido fibroconjuntivo.
Mais recentemente, outros autores têm apostado que a presença de células-tronco derivadas da gordura são transferidas junto com os adipócitos e sobrevivem, transformando-se em novos adipócitos 21.
Paralelamente a essas tentativas de se explicar como a gordura transplantada gera efeitos clínicos, e muitos projetos têm sido realizados com intuito de favorecer a integração de gordura. Por exemplo, Coleman 22 focou em pequenos volumes, especialmente abaixo de 150ml, enquanto Khouri 23,24 procurou estabelecer enxertos de grande volume, para cirurgias de mama e glúteo; já Tonnard 25 estudou as aplicações de gordura com intuito regenerador, através da nanofat.
No rato, é tecnicamente difícil realizar a lipoaspiração clássica, sendo preferível a coleta direta da gordura e sua fragmentação com lâmina fria, conforme proposto por Temiz 18 e demonstrado por Mendes26.
Diversos fatores de crescimento incluindo proteínas e hormônios esteroides já foram avaliadas tanto em humanos quanto animais, porém são dependentes de processos dispendiosos e muito elaborados 27. Revisão sistemática recente não conseguiu demonstrar benefícios da suplementação de diversos fatores como plasma rico em plaquetas e fração vascular do estroma celular na retenção de gordura 28.
Não encontramos estudos, até o momento, que testaram a associação do PLLA como suplementação ao enxerto de gordura, tanto em animais quanto em humanos.
Espera-se que o PLLA aja através de uma resposta inflamatória localizada, estimulando o colágeno local, porém, nas amostras apresentadas, o que observamos foi menos inflamação local do que nos grupos com gordura isolada. Isto, nos levantou a hipótese de que pode ter havido alguma resposta inflamatória inicial que não impediu a integração de gordura, pelo contrário, desviou a resposta sobre o enxerto de gordura, aumentando sua integração local.
Potencial benefício duplo desta associação está o fato de possibilitar aumento de volume do local lipoenxertado, somado ao efeito estimulante de colágeno do PLLA, podendo gerar um resultado estético superior em humanos.
Entre as limitações do estudo está o fato de a resposta ao ácido poli-l-lático não ser comprovadamente a mesma em ratos e humanos, necessitando de estudos futuros em humanos para comparar as taxas de integração da gordura misturada com PLLA.

Conclusão

A associação de gordura fragmentada e ácido poli-l-lático enxertada em dorso de ratos demonstrou menos inflamação, ausência necrose e maior volume final do que enxertos de gordura isolados.
Os achados sugerem melhor integração da gordura na presença do PLLA após 150 dias.

Referências

Dayal A, Bhatia A, Hsu JT. Fat grafting in aesthetics. Clin Dermatol. 2022;40(1):35-44. doi:10.1016/j.clindermatol.2021.08.010
2. Wang Y, Hou L, Wang M, Xiang F, Zhao X, Qian M. Autologous Fat Grafting for Functional and Aesthetic Improvement in Patients with Head and Neck Cancer: A Systematic Review. Aesthetic Plast Surg. 2023;47(6):2800-2812. doi:10.1007/s00266-023-03331-0

Palavras Chave

Ácido Poli-L-Lático; Gordura; Ratos

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu - São Paulo - Brasil

Autores

BALDUINO FERREIRA DE MENEZES NETO