60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

EVOLUÇAO DO BLEFAROESPASMO E DO ESPASMO HEMIFACIAL EM PACIENTES EM TRATAMENTO COM TOXINA BOTULINICA TIPO A

Resumo

O blefaroespasmo e espasmo hemifacial são distúrbios hipercinéticos dos músculos responsáveis pelos movimentos faciais, cujo tratamento de primeira escolha é a toxina botulínica. O blefaroespasmo comumente inicia em ambos os olhos, enquanto o espasmo hemifacial pode progredir para hemiface contralateral, mas não se tenha descrição sobre a evolução durante tratamento com a toxina. Este trabalho tem como objetivo descrever a epidemiologia, evolução das doenças. Acompanhamos 95 pacientes tratados com toxina botulínica tipo A no período de no período de maio de 2003 a dezembro de 2023. Em 9 de 15 casos o blefaroespasmo era bilateral. Em 55% dos casos de espasmo hemifacial a doença iniciou em hemiface, com progressão para o lado contrlateral, mesmo em tratamento com a toxina em 26,2%. O tempo de progressão para hemiface contralateral foi menor nos pacientes sob tratamento com a toxina (p = 0,02). A toxina botulínica tipo A não impede a progressão das doenças, inclusive pode estar associada a uma evolução mais acelerada do espasmo hemifacial.

Introdução

O espasmo hemifacial (EHF) e o blefaroespasmo são as distonias mais comuns e debilitantes do movimento craniofacial originadas do sistema nervoso periférico. O EHF é um movimento tonico-clônico hipercinético e desordenado, caracterizado por curtos ou persistentes movimentos contráteis, sincrônicos e intermitentes dos músculos inervados pelo nervo facial1. Já o blefaroespasmo é uma distonia focal de causa ainda pouco esclarecida e caracterizada pela contração da musculatura periorbitária, resultando no fechamento involuntário das pálpebras2,3.
Ambas as distonias são condições crônicas, cuja resolução espontânea é rara, necessitando de tratamento por vários anos, ou frequentemente, pelo resto da vida4. Não encontramos nenhuma casuística detalhando a evolução temporal a longo prazo dos espasmos faciais, especialmente durante o tratamento com a toxina botulínica tipo A (BTxA). A maior parte dos casos de EHF é de acometimento unilateral, iniciando em musculatura periorbitária, progredindo e envolvendo a musculatura perioral, o platisma e os outros músculos da expressão facial5.

Objetivo

Este trabalho tem como objetivo descrever a epidemiologia dos casos de belafaroespasmo e EHF tratados com toxina botulínica, bem como a evolução de ambas aspatologias a longo prazo.

Método

Foi conduzido um estudo observacional retrospectivo longitudinal, envolvendo todos os pacientes com espasmo facial tratados com BTxA no ambulatório de Cosmiatria do Serviço de Cirurgia Plástica do HC-FMUSP no período de maio de 2003 a dezembro de 2023.
Todos os pacientes foram avaliados pelo mesmo investigador (A.G.S.) em todas as consultas realizadas a cada 4 meses, para aplicação de BTxA, e nos retornos após 15 dias da sessão, para avaliação da efetividade do tratamento. Foram coletados os seguintes dados dos pacientes: etiologia do espasmo; tempo de doença antes de iniciar o tratamento; tempo de tratamento; data e número da sessão de tratamento correspondente; lado acometido (esquerdo/ direito/ bilateral); presença de sincinesias; evolução para cura ou bilateralidade. Foram feitos registros fotográficos e vídeos padronizados para registrar a evolução da doença em tratamento com a BTxA.
A aplicação de BTxA foi realizada em ambas hemifaces seguindo protocolo previamente estabelecido a partir de um estudo-piloto do Serviço6, sendo dois pontos pré-tarsais superiores e dois inferiores (Figura 1). Os pontos pré-tarsais são realizados bilateralmente nos casos de blefaroespasmo, mas apenas no lado acometido nos casos de EHF.
O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do HC-FMUSP sob número de parecer 6.204.584. Foi realizada análise descritiva dos dados através do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 29.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). As variáveis categóricas foram descritas mediante porcentagens e as variáveis contínuas por meio de média e desvio padrão da média, se sua distribuição é normal, ou como mediana e intervalo interquartil, caso distribuição anormal. Para avaliação do tempo de progressão da doença para a hemiface ipsilateral e contralateral, em vigência ou não da toxina, foi aplicado o teste t de Student para amostras independentes ou o teste não-paramétrico de Mann-Whitney. Foi considerado estatisticamente significativo um valor de p<0,05.

Resultado

No período do estudo, foram avaliados 95 pacientes, 79 deles do sexo feminino, com média de idade de 62,19 ± 10,31 anos (38 a 83 anos) no início do tratamento com a toxina. Destes, 15 eram portadores de blefaroespasmo e os demais possuíam EHF, com acometimento do lado esquerdo da face em 49 pacientes, direito em 29 pacientes e bilateral em 1 paciente no início do tratamento.
A principal etiologia era idiopática (66,4%) e outras causas encontradas foram: síndrome de Guillain Barré, trauma, neurocisticercose, paralisia facial, acidente vascular cerebral isquêmico, tumor intracraniano e degenerativa. Dentre os pacientes tratados, 10 apresentavam paralisia facial (sendo 1 bilateral e os demais unilateral à esquerda) e 15 pacientes eram portadores de sincinesias. Os espasmos também ocorriam a noite e atrapalhavam o sono em 29 pacientes antes de iniciar o tratamento e resolvido em todos os casos após início do tratamento com a BTxA. A história familiar de espasmos faciais estavam presentes em 10 casos.
O tempo entre o surgimento dos espasmos e o início do tratamento com BTxA foi de 8,6 ± 9,7 anos (1 mês a 58 anos), tendo os pacientes realizado uma média de 12,8 ± 8,5 sessões de tratamentos (1 a 34 sessões), totalizando 1212 aplicações em nossa casuística. 11 pacientes foram submetidos a miectomia da musculatura periorbitária, tendo um paciente evoluído para cura e sem necessidade de novas aplicações após duas sessões de tratamento com BTxA.
Dos 15 casos de blefaroespasmo, a ocorrência era bilateral em 9 casos e unilateral nos demais, localizado à esquerda em 4 pacientes. Em dois casos unilaterais, havia a presença de paralisia facial ipsilateral ao lado do espasmo. Em um caso, o espasmo migrou para olho contralateral. Nos demais se mantiveram unilateral, com resolução dos espasmos em dois casos após 2 aplicações.
Os pacientes portadores de EHF tiveram apresentação inicial da doença em toda a hemiface em 36 pacientes (45%), nos demais casos o início dos sintomas foi em um dos olhos. A progressão da doença do olho para a hemiface ou para o lado contralateral (naqueles em que a doença acometia toda a hemiface) ocorreu em 46 pacientes, e evoluiu, mesmo durante o tratamento com a BTxA, em 21 pacientes (26,2%). Nos pacientes que apresentaram evolução em vigência de tratamento com a toxina, em todos os casos, a progressão foi para o lado contralateral da face.
Em relação ao tempo de evolução da doença no EHF, observamos que a progressão do olho para a hemiface ipsilateral é mais rápida, média de 1,14±1,31 anos (3meses a 6 anos), quando comparamos com a evolução para a hemiface contralateral, média de 10,1±6,74 anos (1 a 26 anos) (p< 0,01). O tempo de evolução da doença para a hemiface contralateral nos pacientes previamente ao tratamento com BTxA foi 9,0±5,5 anos (1 a 15 anos), quando comparado aos pacientes em que essa progressão ocorre em vigência de tratamento com a toxina 3,3±2,3 anos (6 meses a 8 anos) (p=0,02).

Discussão

A prevalência do EHF é de 10 em 100.000 (14,5 e 7,4 em 100.000 em mulheres e homens, respectivamente). Estima-se que a incidência do acometimento bilateral é rara, cerca de 0,6 a 3% dos casos de EHF, e, quando presente, começa unilateral e progride para envolver o outro lado da face7,8. O blefaroespasmo é uma condição que tem prevalência variável de acordo com as diferentes populações, em torno de 20 a 133 casos em 1.000.0009.
Uma revisão sistemática da Cochrane Library publicada recentemente concluiu que importantes informações ainda precisam ser melhor estudadas ou ainda não estão disponíveis sobre o tratamento do EHF como: o melhor intervalo entre tratamentos; a técnica de aplicação – unilateral/bilateral; a dose necessária; o tipo da BTxA; a eficácia e a efetividade a longo prazo; a segurança e a imunogenicidade10.
Até o momento ainda é incerto se a eficácia do tratamento reduz ao longo do tempo com o tratamento sucessivo e o quanto é acompanhado por efeitos colaterais diversos. Além disso, observamos que não há um desfecho central definido e avaliado por meio de uma metodologia bem estabelecida nas pesquisas envolvendo o EHF, que reforçaria ainda mais o uso da BTxA como primeira escolha no tratamento do EHF10,11.
As contrações no EHF normalmente iniciam no músculo orbicular do olho e gradualmente se espalham para outros músculos da expressão facial, com uma minoria de casos originando-se do músculo orbicular da boca12. No entanto, a progressão da doença varia individualmente, com alguns pacientes apresentando rápida evolução dos espamos envolvendo uma grande parte da hemiface afetada, enquanto outros apresentam extensão lenta dos sintomas durante um período prolongado13. Lee et al.14 relataram que a rápida progressão levou a piores resultados clínicos, como mais casos com espasmo persistentes no pós-operatório de cirurgias para tratamento do espasmo hemifacial.
O número de estudos apresentando acompanhamento a longo prazo e descrevendo detalhadamente a evolução da patologia e evidência real do tratamento (observacionais de longo seguimento, coortes prospectiva ou retrospectiva e caso-controles) ainda é bastante limitando, o que reforça a necessidade de novos estudos envolvendo pacientes portadores de espasmos faciais tratados com a BTxA15.
Não encontramos trabalhos na literatura descrevendo a evolução do blefaroespasmo e do EHF em pacientes em tratamento com a BTxA. Observamos no nosso estudo que a evolução do EHF para o lado contralateral da face ocorre de maneira significativamente mais lentificada naqueles pacientes que ainda não iniciaram o tratamento com a toxina, quando comparado aos pacientes já em tratamento com a toxina e que não tinham acometimento bilateral no início do tratamento. Além disso, observamos que a doença progride independentemente do tratamento regular com a BTxA, podendo ser acelerada essa evolução nos pacientes em tratamento com a toxina. É consenso na literatura sobre evolução do EHF que a remissão espontânea dos espasmos faciais é bastante rara, mesmo naqueles em tratamento com BTxA16.
Podemos apontar como limitações do nosso trabalho o fato de ser retrospectivo, levando ao risco de viés de informação. Além disso, o seguimento é variável dentre os pacientes,com diferentes tempos de doença, o que pode interferir na análise da progressão da doença.
O tratamento com a toxina botulínica tipo A não impede a progressão do EHF e do blefaroespasmo, podendo inclusive estar associada a uma evolução mais acelerada do EHF para a hemiface contralateral.

Conclusão

O tratamento com a toxina botulínica tipo A não impede a progressão do EHF e do blefaroespasmo, podendo inclusive estar associada a uma evolução mais acelerada do EHF para a hemiface contralateral.

Referências

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Palavras Chave

Toxina Botulínica tipo A; espasmo hemifacial; blefaroespasmo

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (HCFMUSP) - São Paulo - Brasil

Autores

WELLINGTON MENEZES MOTA, ALESSANDRA GRASSI SALLES, ADELINA FATIMA DO NASCIMENTO REMÍGIO, ROLF GEMPERLI, NIVALDO ALONSO