Dados do Trabalho
Título
TRATAMENTO COMBINADO DE ESPASMOS FACIAIS GRAVES COM ASSOCIAÇAO DE MIECTOMIA E TOXINA BOTULINICA TIPO A
Resumo
O espasmo hemifacial e o blefaroespasmo são as distonias mais comuns e debilitantes do movimento craniofacial originadas do sistema nervoso periférico. Embora a toxina botulínica tipo A seja o tratamento de escolha, em casos refratários ou agravamento da doença, a miectomia dos músculos periorbitários está indicada. Este trabalho tem como objetivo avaliar o tratamento combinado da miectomia e da toxina para controle dos espasmos faciais. Foram avaliados 11 pacientes durante o período do estudo, dos quais 5 deles já estavam em tratamento prévio com a toxina e foram encaminhados para miectomia. Os demais iniciaram o tratamento com a toxina após a ciurgia. Foi observada a redução da dose da toxina necessária para controle dos espasmos em todos os que foram submetidos a cirurgia por refratariedade ao tratamento. A miectomia está bem indicada nos casos de refratariedade ao tratamento, com redução da dose de toxina necessária para controle dos espasmos faciais.
Introdução
O blefaroespasmo e espasmo hemifacial (EHF) são distúrbios hipercinéticos dos músculos responsáveis pelos movimentos faciais, potencialmente incapacitantes e que pioram significativamente a qualidade de vida1. O EHF é uma contração tônica e/ou clônica involuntária e síncrona dos músculos faciais, causado por disfunção do nervo facial ipsilateral2. Já o blefaroespasmo é uma forma de distonia focal geralmente bilateral e caracterizado por contrações involuntárias do músculo orbicular olhos e outros músculos periorbitais, como o corrugador e o prócero3,4.
Desde a sua aprovação pelo Food and Drug Administration (FDA) em 1989, a toxina botulínica tipo A (BTxA) tornou-se a terapia de primeira linha para as distonias faciais1,5. Entretanto, pode haver falha terapêutica devido à manifestação de apraxia palpebral, agravamento da doença ou desenvolvimento de imunorresistência à toxina botulínica6,7. A cirurgia de miectomia dos músculos periorbitários é uma opção reservada para pacientes refratários ao tratamento com a BTxA e/ou pacientes com comprometimento funcional significativo5.
Objetivo
Este trabalho tem como objetivo avaliar a resposta do tratamento combinado por meio de miectomia e BTxA em pacientes com EHF ou blefaroespasmo.
Método
Foram avaliados os pacientes portadores de EHF e blefarospasmo submetidos a tratamento combinado por meio de miectomia e toxina botulínica tipo A (BTxA) no período de janeiro de 1996 a dezembro de 2023.
Os espasmos faciais dos pacientes foram tratados ambulatório de Cosmiatria do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) com aplicações da toxina botulínica tipo A (Dysport). A aplicação de BTxA foi realizada em ambas hemifaces seguindo protocolo previamente estabelecido pelo Serviço8, sendo acrescentados quatro pontos de 0,5 ou 1 unidade pré-tarsais para controle do espasmo do músculo orbicular dos olhos, sendo dois pontos pré-tarsais superiores e dois inferiores (Figura 1). Os pontos pré-tarsais são realizados bilateralmente nos casos de blefaroespasmo, mas apenas no lado acometido nos casos de EHF. Foram realizados pontos em todos os músculos faciais nos quais se observou espasmo, com dose de 1 a 2 U, demarcando-se ponto simétrico contralateral nos músculos potencialmente causadores de assimetria em terço superior, médio e inferior da face.
O critério para encaminhamento do paciente em tratamento com BTxA para os espasmos faciais para a realização de miectomia foram: necessidade de doses muito elevadas para o tratamento do musculo orbicular dos olhos, duração de efeito do tratamento com a toxina e risco de ptose palpebral.
Todas as cirurgias foram realizadas pelo mesmo cirurgião plástico (H. F.). Nos pacientes com blefaroespasmo, foram realizados a ressecção do músculo orbicular dos olhos bilateralmente, poupando apenas sua porção pré-tarsal por meio de acesso palpebral superior e subciliar inferior, comumente usados para blefaroplastia. Além disso, foram ressecados os músculos corrugadores, depressor do supercílio e o prócero por meio de acesso coronal combinado. Já nos pacientes com EHF, a cirurgia foi realizada por acesso comumente utilizado na blefaroplastia e apenas do lado acometido pelo espasmo ou bilateralmente, caso houvesse acometimento bilateral.
O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do HC-FMUSP (parecer 6.204.584). Foi realizada análise descritiva dos dados através do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 29.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).
Resultado
No período do estudo, foram avaliados 11 pacientes submetidos a miectomia, 10 deles do sexo feminino, com média de idade de 65,18 ± 9,06 anos (53 a 82 anos) no momento da cirurgia. Três dos pacientes eram portadores de blefaroespasmo bilateral e os demais possuíam EHF (acometimento do lado direito da face em 5 pacientes e outros dois com espasmo em ambos olhos no momento da cirurgia). A etiologia das patologias em todos os casos era idiopática.
Seis pacientes com miectomia prévia foram tratados com BTxA após a cirurgia por refratariedade ao tratamento cirúrgico. O tempo entre a cirurgia e o início do tratamento com BTxA foi de 68 ± 87 meses (6 meses a 18 anos), tendo os pacientes realizado uma média de 10,5 ± 7 tratamentos (2 a 18 sessões). Uma das pacientes evoluiu para cura após duas sessões de tratamento com BTxA, já três evoluíram com necessidade de doses elevadas de toxina (nesse grupo estão dois pacientes portadores de blefaroespasmo) e dois com doses baixas, (sendo um deles portador de blefaroespasmo), segundo o média de dose de tratamento observada nesses pacientes e descrita em publicação prévia1.
Os demais 5 pacientes que estavam previamente em tratamento com BTxA, foram encaminhados para a realização de miectomia por refratariedade ao tratamento. Houve ocorrência de ptose palpebral em dois pacientes, decorrente do tratamento com dose elevada da toxina no músculo orbicular dos olhos na pálpebra superior necessária para controle dos espasmos, previamente a cirurgia. A média sessões de tratamento até a realização da cirurgia foi de 13,6 ± 5,17 (9 a 22 sessões). Após a miectomia, os pacientes foram acompanhados por 20,4 ± 22,8 meses (6 a 60 meses), com realização de 1 a 13 sessões de tratamento com a BTxA. Em todos os pacientes houve necessidade da manutenção de doses baixas de toxina após a cirurgia e nenhum evoluiu para resolução completa durante o período do estudo.
A miectomia foi realizada bilateralmente nos três casos de blefaroespasmo e em dois casos de EHF, por acometimento ocular bilateral no momento da cirurgia. Nos demais casos de EHF, a cirurgia foi realizada apenas no lado acometido, sendo unilateral direita em 4 casos e esquerda em dois casos. Nenhum dos pacientes tratados apresentou complicações possíveis comumente relatados na literatura10 após a cirurgia: linfedema crônico da pálpebra inferior, ptose palpebral, ectrópio, assimetrias, lagoftalmo, olho seco, perda de sensibilidade facial, ceratite, infecção, necrose, hematoma ou cicatrizes inestéticas.
Discussão
A BTxA foi usada pela primeira vez para o tratamento do blefaroespasmo em 1983 por Scott et al11, que relatou sua casuística inédita em 1985. Desde então, continua sendo a terapia de primeira linha para tratar o blefaroespasmo e o EHF, sendo a cirurgia geralmente considerada nos casos em que a quimiodenervação falha12. A verdadeira falha da toxina ocorre em menos de 2% dos pacientes13. Quase todas as respostas inadequadas ou ‘falhas’ da toxina são causadas por apraxia, ptose palpebral, ptose superciliar ou dermatocalase.
O objetivo da intervenção cirúrgica inclui uma ou mais das seguintes indicações: redução da gravidade dos espasmos; casos de apraxia palpebral (incapacidade de abrir os olhos por contração involuntária e permanente do músculo orbicular dos olhos, associada ou não, a uma inibição do músculo levantador das pálpebras superiores); resolução conjunta de outras alterações funcionais e/ou cosméticas (por exemplo, ptose da sobrancelha, dermatocalase, ptose palpebral, distopia cantal, ectrópio, dentre outros); paciente recusa ou não tolera a BTxA; falha da toxina botulínica; ou para reduzir a dosagem utilizada de BTxA14.
As aplicações de BTxA muitas vezes não podem ser realizadas devido a condições comumente associadas ao blefaroespasmo essencial, como ptose da sobrancelha, dermatocalase, blefaroptose, entrópio e blefarofimose7. Essas deformidades palpebrais podem de fato piorar ou tornar-se mais pronunciadas após tratamento com injeções de BTxA, Na nossa casuística, dois pacientes apresentaram ptose palpebral causada pela elevada dose da toxina aplicada na pálpebra superior, justificando o encaminhamento para a cirurgia, evitando complicações do tratamento clínico.
Como as distonias faciais são progressivas, o envolvimento facial no EHF pode piorar após miectomia ou qualquer outra terapia. A maioria dos pacientes, entretanto, obtém melhora, transitória ou permanente, em suas queixas visuais e espasmos causadas por blefaroespasmo, síndrome de Meige ou EHF, e alguns até obtém alívio considerável da parte inferior da face e espasmos no pescoço após a miectomia periorbitária15. Cerca de 90% dos pacientes com blefaroespasmo submetidos à miectomia tiveram melhora em sua disfunção visual na casuística de Patel, B.15.
Uma alternativa para evitar complicações decorrentes da cirurgia é a ressecção limitada dos músculos responsáveis pela oclusão palpebral superior. No entanto, em casos que persistem a refratariedade ao tratamento com a BTxA, a miectomia completa em dois estágios pode ser agendada com cerca de 6 meses de intervalo, para permitir melhores resultados e diminuir complicações16. Além disso, há o benefício de redução da frequência de aplicações de BTxA e do custo associado a longo prazo11.
Nossos casos foram todos tratados por meio de miectomia dos músculos da pálpebra superior e inferior, conforme preconizado por Gillium e Anderson17 com a remoção completa dos músculos orbicular do olho, corrugador, depressor do supercílio e prócero, bem como o músculo orbicular na região temporal. Em nenhum dos casos houve complicações associadas à cirurgia. Melhores resultados cirúrgicos são possíveis quando os procedimentos são realizados em centros terciários com cirurgiões experientes e avaliação prévia por exames de imagem avançados, quando necessários5. Talvez essa seja uma explicação possível para a ausência de complicações em nossos casos, além de evitarmos a ressecção completa do orbicular na sua porção pré-tarsal.
Em dois casos houve ausência de espasmos após a cirurgia, um dos quais recidivou após 18 anos. Estatísticas relativas ao número de pacientes que estão completamente livres da necessidade de manter tratamento com a toxina botulínica após a miectomia são falhas e imprecisas15. Chapman et al.18 descobriram que todos os seus pacientes submetidos à miectomia após 1990 (quando a toxina botulínica se tornou disponível comercialmente) necessitaram de doses mais baixas de toxina botulínica e com intervalo maior entre aplicações no período pós-operatório. De fato, o mesmo foi observado nos nossos casos que já realizavam tratamento prévio com BTxA, sendo um grande aliado para manutenção do controle clínico do espasmo.
Conclusão
Podemos concluir que a miectomia, quando bem indicada nos casos de refratariedade ao tratamento com BTxA, tem resultado favorável, com redução da dose necessária da toxina para controle dos espasmos faciais.
Referências
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Palavras Chave
Miectomia; espasmos faciais; Toxinas Botulínicas tipo A
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) - São Paulo - Brasil
Autores
WELLINGTON MENEZES MOTA, ALESSANDRA GRASSI SALLES, HENRI FRIEDHOFER , CRISTINA PIRES CAMARGO, ROLF GEMPERLI, NIVALDO ALONSO