Dados do Trabalho
Título
RINOPLASTIA RECONSTRUTORA EM PACIENTE COM GRANULOMATOSE DE WEGENER: UM RELATO DE CASO
Resumo
Introdução: A granulomatose com poliangeíte (GPA) é uma rara doença autoimune que afeta vasos sanguíneos, podendo causar deformidades nasais. A rinoplastia é uma intervenção cirúrgica capaz de auxiliar na reabilitação desses pacientes, sendo crucial a abordagem interdisciplinar Objetivos: O presente artigo mostra a descrição de um caso de reconstrução nasal realizado em nosso serviço. Resultados: Houve melhora do contorno nasal e harmonização dos pontos anatômicos. Conclusão: A rinoplastia com enxerto costal é uma intervenção possível nestes pacientes, capaz de recuperar a autoestima e a forma nasal.
Introduction: Granulomatosis with polyangiitis (GPA), a rare autoimmune disease affecting blood vessels, can lead to nasal deformities. Rhinoplasty is a surgical intervention that can aid in rehabilitating these patients, with an interdisciplinary approach being crucial. Objective: This article presents a case description of nasal reconstruction performed at our institution. Results: Improved nasal contour and anatomical alignment were achieved. Conclusion: Rhinoplasty with costal grafting is a feasible intervention for enhancing self-esteem and nasal form in GPA patients, highlighting its potential in aesthetic and functional recovery.
Introdução
A granulomatose com poliangeíte (GPA) (de Wegener) é uma patologia caracterizada pela inflamação e destruição autoimune de vasos sanguíneos, com comprometimento do lúmen vascular, cujas repercussões são principalmente sobre as vias aéreas superiores e inferiores, em conjunto com glomerulonefrite.
Do ponto de vista epidemiológico, há uma certa divergência nos dados, com algumas fontes apontando de 3 a 10 casos por 100.000 habitantes, todavia isso não impede a constatação de que é uma doença rara, com distribuição etária variada, mas com pico aos 40 anos e incidência igual entre homens e mulheres[1,2 -4].
A GPA é uma vasculite necrosante, caracterizada pela tríade de granulomas necrosantes, vasculite granulomatosa ou necrosante e glomerulonefrite necrosante focal. A GPA pode se manifestar de forma limitada, restrita ao trato respiratório, ou generalizada, acometendo olhos, pele e outros órgãos. Analisando pela perspectiva imunológica, em 95% dos casos, estão presentes os (anticorpos anti proteinase 3) PR3-ANCAS, autoanticorpos que provavelmente causam as lesões estruturais características da doença, sendo a GPA classificada como uma vasculite ANCA positiva e, em diversos casos, o nível deste auto anticorpo reduz efetivamente após terapia imunossupressora, embora não deva ser utilizado para avaliar atividade da doença[2].
O tratamento principal é a imunossupressão, que busca conter a atividade imunológica da doença, geralmente há uma fase de indução com ciclofosfamida e corticosteróides, visando a remissão do quadro e, posteriormente, a fase de manutenção, onde metotrexato, azatioprina, inibidores do TNF e anticorpos anti Linfócitos B CD-20 (rituximab) podem ser empregados, com a intenção de impedir a reativação da doença, o aprofundamento destas terapias foge ao escopo deste trabalho.
Após este apanhado geral sobre a doença, levando a discussão para o âmbito da cirurgia plástica reparadora, esta área entra como fundamental para a abordagem de deformidades causadas pela necrose e destruição tecidual, secundária à atividade da GPA, em especial quando o acometimento é em região facial. A rinosseptoplastia é um procedimento por vezes realizado nos pacientes com GPA, quando o paciente encontra-se na fase de manutenção, visto que abordar a reconstrução antes da fase de indução poderia trazer sérios impactos na cicatrização e comprometimento do resultado final.
Objetivo
O objetivo do presente estudo é relatar a experiência do serviço com este caso singular, visando uma discussão acadêmica e contribuindo para a construção de uma literatura sobre o tema, visto que existem poucos trabalhos publicados a respeito das peculiaridades da rinoplastia nestes pacientes.
Método
A paciente autorizou a publicação do caso após ler e assinar o termo de consentimento, no qual foram informadas sobre as propostas cirúrgicas, as possíveis complicações, e a permissão para a publicação de fotografias para fins científicos.
A paciente possuía 31 anos, negava tabagismo apresentava e antecedentes de sinusite crônica, perda visual por pseudotumor orbitário esquerdo e sangramento uterino anormal secundário a miomatose. Uso crônico de broncodilatadores. Apesar do p-ANCA positivo, estava com atividade de doença controlada e liberada pela Reumatologia para abordagem cirúrgica. No exame físico, verificou-se nariz em sela, rádix baixo, ponta sem definição, cartilagens sem força de sustentação e asas alargadas, sem insuficiência de válvula externa. A tomografia mostrava espessamento de pele e afundamento do dorso nasal, septo sinuoso e descontínuo, assimetria de fóveas etmoidais, obliteração mucosa de meatos nasais médio direito e inferior esquerdo, hipertrofia conchal inferior e calcificações sinusais esfenoidais e maxilares. Indicou-se a rinoplastia aberta estruturada, com enxerto de cartilagem costal para aumento de dorso. A paciente foi submetida à rinoplastia no centro cirúrgico, sob anestesia geral no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Pernambuco. Após anestesia geral, assepsia e antissepsia, a paciente recebeu infiltração local com solução anestésica e vasoconstritora de 1:100.000 unidades, contendo lidocaína, adrenalina e soro fisiológico 0,9%. Após liberação dos ligamentos interdomais e crurais mediais, ressecou-se a porção cefálica das cartilagens laterais inferiores. Foram confeccionados dois enxertos, ambos de 0,7 x 2,3 cm, a partir da cartilagem costal. Este foi retirado através de incisão de 3 a 5 cm no tórax, seguida por dissecção por planos até a costela. A incisão foi fechada por planos, sem deixar drenos. A cartilagem de dorso nasal foi posicionada em loja estreita entre revestimento cutâneo e o osso nasal, até a região de transição entre a glabela e rádix e foi fixada em cruzes laterais. Já o Strut columelar foi fixado em cruzes mediais. O pós-operatório cirúrgico evoluiu satisfatoriamente, exceto por irritação escleral, sendo acompanhada no ambulatório.
Resultado
Imagem 1: Incidência Oblíqua D pré e pós-op tardio
Imagem 2: Incidência perfil D pré e pós-op tardio
Imagem 3: Incidência frontal pré e pós-op tardio
Imagem 4: Preparo do enxerto com cartilagem costal, de 0,7 x 2,3 cm
Imagem 5: Posicionamento do enxerto
Discussão
O caso apresenta como peculiaridade, a condição de base da paciente, diversos fatores fazem com que sua abordagem seja mais complexa que uma rinoplastia habitual. Em primeiro lugar, é importante frisar que realizar a cirurgia antes da fase de indução implica em maior risco para a paciente, visto que o uso mais intenso de imunossupressores nesta fase do manejo da GPA pode propiciar maior incidência de complicações, em especial prejudicando a cicatrização e com maior risco de infecção. Desta forma, todos os trabalhos consultados realizaram a cirurgia na fase de manutenção[3-6].
Dado o emprego de imunossupressores e perfil inflamatório e pró coagulante nestes pacientes, há maior risco de complicações[6], mesmo com o emprego das técnicas cirúrgicas adequadas. A mucosa nasal invariavelmente é colonizada por microrganismos patogênicos, como o Staphylococcus aureus. Dessa forma, é razoável o monitoramento mais atencioso da ferida operatória dado que se trata de uma paciente imunossuprimida e uma cirurgia potencialmente contaminada.
A respeito da cicatrização, imunossupressores como metotrexato, corticosteróides e azatioprina possuem certo grau de ação citotóxica e inibem, em diversos níveis, a síntese proteica, o que pode retardar a cicatrização nestes pacientes, aumentando o período de recuperação.
Neste sentido, o momento em que se utiliza menor dose de imunossupressores para controle da doença parece ser o melhor momento para abordagem cirúrgica, com o intuito de minimizar as complicações já mencionadas. Dado que o valor do ANCA não é confiável para monitorar a atividade da doença, os valores de provas inflamatórias como VHS e PCR podem ser utilizados em conjunto entre as equipes da cirurgia plástica e reumatologia para determinar o melhor momento da abordagem.
No que diz respeito à técnica cirúrgica propriamente dita, o uso do enxerto de cartilagem costal se fez necessário devido a destruição da cartilagem septal. Foi coletada a cartilagem costal de maneira convencional, sob visão direta, com descolamento suave do pericôndrio e sem evidências de pneumotórax. O bloco de cartilagem foi tratado e dividido em dois enxertos, conforme a figura. Um deles deu lugar à estaca columelar e o outro foi usado para aumento de dorso, compondo um L-strut, aparentemente, este tipo de enxerto apresenta menor risco de complicações[6]. Também foram realizadas suturas transdomais e interdomais, bem como alectomia bilateral. Optou-se pela utilização do enxerto cartilaginoso costal em detrimento do auricular, visto que a cartilagem costal é mais rígida e permite melhor sustentação, reduzindo a queda das estruturas no pós operatório.
Conclusão
O caso apresentado mostra as peculiaridades da reconstrução nasal com enxerto em uma paciente com GPA. É imprescindível que as equipes de cirurgia plástica e reumatologia atuem em conjunto para determinar o melhor momento da intervenção cirúrgica. Dado que o nariz em sela é uma deformação comum nestes pacientes, é imprescindível que se avalie criteriosamente o uso de enxertos cartilaginosos, assim como atenção especial no pós operatório destes pacientes.
Referências
1. KASPER, Dennis L.. Medicina interna de Harrison. 20 1 v. Porto Alegre: AMGH Editora, 2020.
2. Mitchel RN, Kumar V, Abbas Ak, Fausto N. Robbins & Coltran. Patologia básica. 10a edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2018.
3. COORDES, A. et al.. Saddle nose deformity and septal perforation in granulomatosis with polyangiitis. Clinical otolaryngology : official journal of ENT-UK ; official journal of Netherlands Society for Oto-Rhino-Laryngology & Cervico-Facial Surgery. v. 43, n. 1, p. 291-299.
4. WATTS, R. A. et al.. Prevalence and incidence of Wegener's granulomatosis in the UK general practice research database. Arthritis and rheumatism. v. 61, n. 10, p. 1412-1416, out. 2009.
5. VOGT, P. M. et al.. Reconstruction of nasal deformity in Wegener's granulomatosis: contraindication or benefit?. Aesthetic Plastic Surgery. v. 35, n. 2, p. 156-161, abr. 2011.
6. EZZAT, W. H. et al.. Reconstructive techniques for the saddle nose deformity in granulomatosis with polyangiitis: a systematic review. JAMA otolaryngology-- head & neck surgery. v. 143, n. 5, p. 507-512, mai. 2017.
Palavras Chave
Granulomatose com Poliangiite; Rinoplastia; cirurgia plástica
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Centro de Ciências Médicas, Recife-PE - Pernambuco - Brasil, Faculdade Pernambucana de Saúde - FPS - Pernambuco - Brasil, Hospital das Clínicas - UFPE - Pernambuco - Brasil, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE - Pernambuco - Brasil
Autores
PEDRO HENRIQUE DE ARAÚJO SILVA, ANA PAULA DE SOUZA MOITA, JOÃO PEDRO MONTANHA MARTINS, RODRIGO MENDES HEILMANN, VINICYUS EDUARDO MELO AMORIM