60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

RECONSTRUÇAO DE MEMBRO INFERIOR COM RETALHO MICROCIRURGICO DE FIBULA APOS RESSECÇAO DE OSTEOSSARCOMA: RELATO DE CASO

Resumo

ABSTRATO: O osteossarcoma é a neoplasia mais comum dos ossos de extremidades e seu tratamento sofreu diversas modificações nas últimas décadas. Previamente considerado o tratamento oncológico padrão, a amputação do membro acometido perdeu espaço após a modernização dos quimioterápicos e das técnicas cirúrgicas de preservação. Nesse contexto, o retalho microcirúrgico de
fíbula surge como uma alternativa eficiente para a cirurgia de preservação dos membros.
OBJETIVO: Relato de caso de preservação de membro inferior com realização de retalho microcirúrgico de fíbula após ressecção de osteossarcoma em fêmur e sua relevância na prática médica da cirurgia reparadora oncológica.
MÉTODO: Realizado busca ativa em bancos de dados indexados, procedendo com a revisão de literatura e associação com informações do caso relatado.
DISCUSSÃO: O retalho microcirúrgico de fíbula foi inicialmente descrito na década de 1970. Constitui-se como boa alternativa para reconstrução de defeitos de ossos longos de extremidades como fêmur, tíbia, úmero e rádio. Sua capacidade de hipertrofia de acordo com a carga aplicada e a baixa morbidade na área doadora o torna excelente opção para uso principalmente na população pediátrica.
CONCLUSÃO: Tratando-se de abordagem oncológica de tumores ósseos é importante a multidisciplinaridade. O tratamento radical com amputação possui grande impacto na qualidade de vida de pacientes, principalmente pediátricos, e não possui melhor prognóstico e sobrevida do que cirurgias conservadoras. Lançar mão de alternativas como o retalho de fíbula promove preservação de membro e mantém sua funcionalidade.

Introdução

O osteossarcoma é a neoplasia maligna mais comum dos ossos. Um componente essencial para o tratamento oncológico é a ressecção cirúrgica do tumor, com complexidades que podem se estender desde a preservação de membros (limb salvage surgery) até sua amputação.(1)Tratando-se de lesões ósseas em extremidades, é importante considerar o impacto de sua ressecção na qualidade de vida, devendo-se ainda salientar que além da ressecção, a manutenção da capacidade funcional continua a ser um desafio importante(1). Com o avanço das técnicas cirúrgicas e quimioterapia com boas respostas locais principalmente a partir de 1970, é observada a possibilidade da realização de cirurgias conservadoras com preservação da extremidade a partir da reconstrução com retalhos microcirúrgicos, diminuindo as taxas de amputação de membros.(1) (2).
A utilização de retalho livre de fíbula tornou-se popular como ferramenta na oncologia pediátrica para o tratamento de ressecções de tumores de ossos longos com o intuito de preservação do membro, configurando-se como um método seguro, confiável, com bom resultado funcional e baixa taxa de complicações (4).

Objetivo

Relatar um caso de reconstrução microcirúrgica de fíbula após ressecção de osteossarcoma em paciente pediátrico, operado pelo serviço de cirurgia plástica e microcirurgia do Instituto Nacional do Câncer (INCA), abordando aspectos epidemiologicos, morbidade e tratamento e suas possibilidades de reconstrução.

Método

Foi realizado busca ativa por artigos da temática nos bancos de dados indexados. Após leitura rigorosa, 8 artigos apresentavam a mesma temática em questão. A partir deste ponto, procedeu-se com a revisão de literatura e realizado a associação de informações de acordo com o estudo.

Resultado

Paciente do sexo masculino, 10 anos, matriculado no INCA devido lesão em membro inferior esquerdo diagnosticada após algia importante em membro. Em investigação, foi evidenciado tumoração intra-óssea em fêmur medial que, posteriormente, foi confirmado o diagnóstico de osteossarcoma. (FIGURA 1)
Em acompanhamento conjunto com os serviços de oncopediatria e cirurgia dos tecidos ósteo conectivos (TOC), foi deliberado realização de tratamento quimioterápico de neoadjuvância e realização de cirurgia de ressecção de lesão tumoral.
Paciente encaminhado ao serviço de cirurgia plástica e microcirurgia para avaliar possibilidade de preservação de membro inferior após ressecção tumoral, considerando idade, bom prognóstico pós operatório e alto impacto na qualidade de vida, uma vez que a cirurgia curativa radical de amputação comprometeria toda extensão de membro. A avaliação pela especialidade deliberou a reconstrução de extremidade com retalho de fíbula microcirúrgica.
Foi submetido a cirurgia oncológica com ressecção da lesão com margens amplas, preservação de artéria femoral e defeito ósseo de aproximadamente 13 cm e preservação de epífises e metáfises ósseas distal e proximal de fêmur. Em seguida, realizado confecção de retalho de fíbula ipsilateral sem ilha de pele com extensão óssea de aproximadamente 15 cm e preservação de porções distal e proximal em 6 cm. Para obtenção de retalho foram identificados e dissecados os músculos tibial posterior e flexor longo do hálux, identificada e ligada a artéria fibular em sua origem, acompanhado de duas veias fibulares. Realizado fechamento por planos com síntese cutânea sem tensão. A fixação do retalho foi realizada em conjunto com cirurgiões do serviço do TOC, com posicionamento intramedular de retalho e fixação e estabilização com dynamic hip screw (DHS) com bom posicionamento evidenciado em imagem per-operatória. (FIGURA 2).
A anastomose vascular receptora foi realizada em ramo descendente da artéria femoral lateral circunflexa, preservado durante a ressecção tumoral.
O seguimento pós operatório foi realizado em unidade de terapia intensiva, durante controle radiológico foi notado desposicionamento de um dos parafusos do DHS e paciente necessitou de nova abordagem quando foi posicionado dynamic condylar screw (DCS) em epífise distal e fixado a DHS previamente instalado. (FIGURA 3). Paciente com condições de alta hospitalar após 1 mês da primeira abordagem, seguindo acompanhamento ambulatorial oncológico com as equipes participantes.
Após 4 meses de pós operatório paciente segue em tratamento quimioterápico adjuvante, com boa mobilização de quadril, mobilização parcial de articulação do joelho, sem prejuízos à estabilidade do membro doador, sem teste de carga em perna esquerda. Paciente relata melhora de 80% do quadro álgico quando comparado os períodos de pré e pós-operatório.
O seguimento da posicão e viabilidade do retalho de fíbula é realizado com radiografia seriada, observando grau de remodelamento ósseo e calcificação. A análise comparativa da radiografia em pós operatório imediato e de 4 meses de evolução evidenciou calcificação e hipertrofia moderada, principalmente em extremidades ósseas.

Discussão

O osteossarcoma é a neoplasia óssea mais incidente em ossos de extremidades. (1) Tal tumor possui comportamento bimodal, com pico entre os 10-14 anos de idade, coincidindo com o esporão puberal e, entre as crianças, constitui a oitava neoplasia mais frequente. Seu segundo pico ocorre após os 65 anos. (3) Desde a modernização dos quimioterápicos para tratamento de osteossarcoma a partir da década de 1970, possibilitando a realização de cirurgias oncológicas conservadoras, é observado mudança no padrão de tratamento cirúrgico e de cuidados multidisciplinares dessa neoplasia. Estima-se que cerca de 90% dos pacientes com osteossarcoma, quando tratados em centros especializados, são submetidos a cirurgias de preservação de membros, quando a ressecção com margens amplas for viável.
Até 30 a 40 anos atrás, o princípio básico para tratamento de neoplasias de extremidades era a amputação do membro. Mais recentemente foi observado que não há dados estatísticos relevante na sobrevida dos pacientes que realizam amputação versus pacientes que realizaram cirurgias conservadoras.(4)
O conceito de preservação de membros quando se trata de osteosarcoma ainda é considerado novo. A possibilidade de se preservar membros nesses casos, além do comparativo quanto à expectativa de vida dos pacientes submetidos ou não à amputação, também se dá pelo avanço tecnológico no uso de próteses associada a técnicas reparadoras com uso de enxertos ósseos ou transplantes autólogos (1,4). Essa alternativa cirúrgica é apropriada para cerca de 90% dos pacientes, apresentando como contra indicações relativas o envolvimento dos principais troncos neurovasculares, grande envolvimento muscular, infecção e desmotivação do paciente para reabilitação e outros procedimentos cirúrgicos.(2)
A reconstrução de ossos longos é uma tarefa complexa. Uma reconstrução ideal deve ser durável, estável, permitir um crescimento adequado do paciente e mobilidade de articulações.(4). Deve-se ressaltar que não existe uma modalidade ideal de reconstrução, e que esta deve ser individualizada e escolhida de acordo com as necessidades de cada paciente (1). Desde que foi descrito, final da década de 1970, o enxerto vascularizado de osso fibular se tornou um conhecido retalho para reconstrução de ossos longos. Sua vantagem biológica encontra-se na capacidade de rápida cicatrização e sua resposta à carga em forma de hipertrofia, embora isso o deixe suscetível a fraturas por estresse.(5) Aloenxertos tem a vantagem serem escolhidos de acordo com tamanho e diâmetro do osso ressecado e, consequentemente, sua compatibilidade permite força mecânica rapidamente.(6)
Em 1990 Cappana et al. descreve a associação do retalho livre de fíbula vascularizado associado ao uso de aloenxerto, combinando a vantagem precoce do aloenxerto, que promove compatibilidade de diâmetro e circunferência e assim capacidade de sustentar carga mais precocemente, com as vantagens do retalho vascularizado com capacidade de hipertrofia, durabilidade e adaptação de crescimento do paciente.(4, 5, 6)
No caso apresentado neste estudo o retalho de fíbula foi fixado isoladamente uma vez que o Instituto Nacional do Câncer não possui banco de aloenxertos para uso e por tratar-se de paciente de 10 anos, a carga sobre o retalho não é tão considerável
quanto tratando-se de paciente adulto.
Reconstrução com fíbula vascularizada isolada é indicada quando cargas mais leves vão ser aplicadas. Exemplos disso são os casos de reconstrução de membros superiores como úmero e rádio, defeitos intercalados em tibia e em pacientes com até 10 anos de idade, ou no caso de fortalecimento de ossos que sofreram lesões líticas ou osteorradionecrose. (4)
Já a reconstrução isolada com aloenxertos, além de necessitar de um longo tempo de imobilização no pós operatório (7) apresenta, após 2 anos, altas taxas de fratura e grande dificuldade de cicatrização uma vez que não possuem vascularização própria (8). Ou seja, em pacientes pediátricos apresenta limitação de uso, considerando a fase de crescimento.
Há de se considerar que a reconstrução de extremidade realizada após ressecção oncológica sofre efeitos do tratamento oncológico adjuvante caso indicado.Em casos em que pacientes são submetidos a quimioterapia adjuvante os mesmos podem apresentar lentidão na maturação do retalho ou casos de osteopenia (5).
De maneira concisa, a abordagem da ressecção de osteossarcoma de extremidades evoluiu nas últimas décadas de acordo com as possibilidades de tratamento e reconstrução. Diversas possibilidades são descritas a depender de prognóstico, viabilidade na instituição, localização do defeito ósseo e idade do paciente.
O método utilizado neste estudo encontra-se de acordo com as possibilidades apresentadas pela literatura, uma vez que foi realizada reconstrução com com fíbula vascularizada isolada em paciente de 10 anos, considerando pouca carga sobre o membro e que se beneficia da vantagem de remodelamento ósseo obtida pela auto-vascularização durante crescimento.

Conclusão

O manejo dos pacientes com osteossarcoma de extremidades permanece como um desafio para a maioria dos serviços especializados. A mudança de paradigmas nas últimas décadas sobre o tratamento tem mudado de sobremaneira a qualidade de vida dos pacientes operados, pois a cirurgia poupadora de membros não está significativamente associada a piora da sobrevida dos pacientes. A reconstrução do membro com retalho livre de fíbula vem sendo considerado como uma ferramenta de grande valia para o tratamento da patologia em questão, oferecendo uma rápida recuperação, associado a baixa taxa de complicações, além de ser considerado um método seguro e com bons resultados funcionais, possibilitando a preservação do membro e melhoria da qualidade de vida.

Referências

1. Tiwari A. Current concepts in surgical treatment of osteosarcoma. J Clin Orthop Trauma. 2012 Jun;3(1):4-9. Epub 2012 Jun 16.
PMID: 25983449; PMCID: PMC3872798.
2. Chang DW, Weber KL. Use of a vascularized fibula bone flap and intercalary allograft for diaphyseal reconstruction after resection of primary extremity bone sarcomas. Plast Reconstr Surg 2005;116(7):1918—25.
3. Machado, E. R., Portinho, C. P., Vasconcelos, R. A. T. de ., Meohas, W., Sbalchiero, J. C., & Leal, P. R. de A.. (2012). Reconstrução de extremidades com retalho livre de fíbula após ressecções oncológicas. Revista Brasileira De Cirurgia Plástica, 27(3), 461–465.
4. Zaretski, A., Amir, A., Meller, I., Leshem, D., Kollender, Y., Barnea, Y., ... Gur, E. (2004). Free Fibula Long Bone Reconstruction in Orthopedic Oncology: A Surgical Algorithm for Reconstructive Options. Plastic and Reconstructive Surgery, 113(7), 1989–2000.
5. Sherbiny, M., Kamal, N., & Ghoneimy, A. (2018). Use of Vascularized Fibular Free Flap in the Reconstruction of the Femur in Pediatric and Adolescent Bone Sarcomas: Complications and Functional Outcome. Journal of Reconstructive Microsurgery.
6. Ceruso, M., Taddei, F., Bigazzi, P., & Manfrini, M. (2008). Vascularised fibula graft inlaid in a massive bone allograft: Considerations on the bio-mechanical behaviour of the combined graft in segmental bone reconstructions after sarcoma resection. Injury, 39(3), 68–74.
7. Chang DW, Weber KL. Use of a vascularized fibula bone flap and intercalary allograft for diaphyseal reconstruction after resection of primary extremity bone sarcomas. Plast Reconstr Surg 2005;116(7):1918—25.
8. Berrey Jr BH, Lord CF, Gebhardt MC, Mankin Hj. Fractures of allografts. Frequency, treatments, and end-results. J Bone Joint Surg [Am]
1990;72:825—33

Palavras Chave

osteossarcom; reconstrução; fíbula

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

Instituto Nacional do Câncer (Inca) - Rio de Janeiro - Brasil

Autores

LUISA HAIASHIDA RODRIGUES, FREDERICO AVELALAR SILVEIRA LUCAS, MARCELO MOREIRA CARDOSO, ALISSON FERREIRA PUPULIM, DUNIA VERONA, MARLON CAZAROTTI FARIA