60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

O USO DA TOXINA BOTULINICA NO TRATAMENTO DA SINDROME DA PRIMEIRA MORDIDA: RELATO DE CASO.

Resumo

A síndrome da primeira mordida ou (First bite syndrome - FBS) é uma complicação
pós-cirúrgica rara que resulta em dor na região da parótida após a primeira mordida nas
refeições. Esta síndrome pode se desenvolver após ressecções de lesões cervicais, como, por
exemplo, após a exérese de tumor glômico carotídeo. O objetivo deste trabalho é relatar o caso de uma paciente do sexo feminino que após a ressecção de paraganglioma carotídeo desenvolveu a síndrome da primeira mordida e foi tratada com injeção intraparotídea de toxina botulínica tipo A guiada por ultrassom com substancial melhora dos sintomas da síndrome e de sua qualidade de vida.

Introdução

A síndrome da primeira mordida ou (First bite syndrome - FBS) é uma complicação
pós-cirúrgica rara que resulta em dor na região da parótida após a primeira mordida nas
refeições. Esta síndrome pode se desenvolver após ressecções de lesões cervicais, como, por
exemplo, após a exérese de tumor glômico carotídeo. A injeção intraparotídea de toxina
botulínica tipo A (TBA) é um tratamento seguro e capaz de aliviar os sintomas desta
síndrome.

Objetivo

Relatar o caso de uma paciente do sexo feminino que após ressecção de
paraganglioma parotídeo esquerdo desenvolveu a síndrome da primeira mordida, tendo
apresentado relevante melhora de sintomas após a aplicação intraparotídea de toxina
botulínica tipo A guiada por ultrassonografia, bem como revisar a literatura sobre o
tratamento realizado.

Método

Trata-se de estudo observacional e descritivo, cujas informações foram obtidas por
meio de revisão de prontuário, entrevistas com a paciente, registros fotográficos e revisão de
literatura.

Resultado

RELATO DE CASO: Paciente R. S. T., sexo feminino, 44 anos, procedente de Macapá, abriu o quadro em
meados de 2010 com dor em dentes molares à esquerda, associado a edema progressivo de
região de ângulo de mandíbula esquerda, com nodulação palpável. Procurou inicialmente
atendimento odontológico, dando início à investigação clínica.
Evoluiu com presença de cefaléia importante e aumento progressivo de níveis
pressóricos, que se intensificaram na gravidez. Após resolução prematura de gestação,
realizou tomografia de crânio e região cervical que evidenciou lesão sugestiva de tumor
glômico de corpo carotídeo à esquerda, procurando atendimento médico especializado.
Realizou em agosto de 2011 angiografia cerebral que evidenciou lesão
hipervascularizada na topografia de canal carotídeo sugerindo glomus carotídeo, sendo então
submetida a ressecção da lesão por cirurgia de cabeça e pescoço em hospital terciário de
Fortaleza. Biópsia de lesão em região de bifurcação da carótida à esquerda confirmou
paraganglioma.
Manteve seguimento pós-operatório periódico no serviço de cirurgia de cabeça e
pescoço. Relatou presença de dores à salivação e no início da mastigação dos alimentos a
partir de 2022 que se intensificaram ao longo do tempo. Submeteu-se a tratamento clínico
com amitriptilina sem melhora do quadro. Foi então diagnosticada com síndrome da primeira
mordida e encaminhada ao serviço de Cirurgia Plástica de hospital terciário de Fortaleza para
aplicação de toxina botulínica intraparotídea.
Paciente referiu presença de dor no início da mastigação nível 10/10 pela escala
analógica de dor previamente ao tratamento injetável. Paciente recebeu a primeira aplicação
de TBA em novembro de 2023 de 60 unidades (diluídas em 2 ml de SF 0.9%) em 6 sítios da
parótida esquerda (10U/sítio) profundos e superficiais guiada por ultrassonografia no serviço
de radiologia do mesmo hospital.
Referiu melhora substancial da dor, relatando nível 7/10 após a primeira semana da
aplicação e nível 6/10 após 11 dias, mantendo-se com bom controle álgico até fevereiro de
2024. Relatou a partir de março de 2024, retorno gradual da dor, referindo nível 8/10.
Paciente foi submetida a nova aplicação de TBA em abril de 2024 de 60 unidades
(diluídas em 2 ml de SF 0.9%) desta vez em 3 sítios da parótida esquerda (20U/sítio) também
guiada por ultrassonografia. Após 2 semanas da nova aplicação, referiu redução considerável
na duração da dor (cerca de 2 segundos) e na intensidade da mesma, pontuando 6/10. Com 2 meses de seguimento da segunda aplicação, relatou melhora máxima das dores, pontuando 5/10.
Paciente asseverou melhora da intensidade dos sintomas e da qualidade de vida e segue em
acompanhamento ambulatorial no serviço.

Discussão

Os paragangliomas (PGL) são tumores neuroendócrinos raros com origem no sistema
nervoso autônomo simpático e parassimpático (células enterocromafins extra-adrenais). São
tumores potencialmente secretores de catecolaminas e neuropeptídeos, podendo ser
encontrados da base do crânio até a pelve, porém são mais comuns na região de cabeça e
pescoço. Em nossa paciente, o tumor localizava-se na bifurcação carotídea, localização mais
habitual.
O quadro pode ser assintomático ou manifestar-se como uma tumoração de
crescimento lento, indolor e pulsátil próximo ao ângulo da mandíbula, quadro que se instalou
na paciente em questão. Majoritariamente tem caráter benigno; porém, alguns autores relatam
malignidade em cerca de 5 a 6% dos casos. O tratamento de eleição é a ressecção cirúrgica,
todavia dependendo da gravidade e extensão tumoral pode haver comprometimento
neurovascular.
As cirurgias que necessitam de extensa dissecção do espaço parafaríngeo estão
relacionadas a múltiplas complicações devido à complexa anatomia neurovascular da região.
A síndrome da primeira mordida é uma complicação inesperada, porém relativamente comum
dessas cirurgias e consiste em dor intensa na região da parótida que ocorre nas primeiras
mordidas de cada refeição. A dor costuma diminuir com as mordidas subsequentes, mas pode
reaparecer nas refeições seguintes.
A fisiopatologia foi descrita pela primeira vez por Netterville et al. em 1998, e
acredita-se que seja causada por danos aos ramos simpáticos que inervam a glândula parótida
durante a cirurgia e consequente estimulação cruzada dos receptores pela liberação
parassimpática de acetilcolina, causando uma contração hiperintensa das células mioepiteliais
da glândula, resultando na dor descrita pelos pacientes nas primeiras mordidas de suas
refeições.
Esta teoria da estimulação cruzada parassimpática das células mioepiteliais é a base
para o uso da toxina botulínica no tratamento da síndrome da primeira mordida.
A toxina botulínica é uma neurotoxina que age inibindo a liberação de acetilcolina do
terminal pré-sináptico na junção neuromuscular. Mais especificamente, ela cliva uma
proteína ligada à membrana conhecida como SNAP-25, uma parte integrante do complexo
SNARE, que medeia a fusão da vesícula pré-sináptica com a membrana plasmática. O
bloqueio resultante da liberação de acetilcolina leva a uma diminuição na secreção fisiológica
de saliva da glândula parótida. Foi levantada a hipótese de que a injeção de toxina botulínicatipo A (BTA) para o tratamento da FBS induz o bloqueio médico do nervo parassimpático na
junção neuromuscular mioepitelial e, portanto, diminui a dor durante a salivação da glândula
parótida
No levantamento de literatura, uma revisão sistemática recente selecionou oito
estudos, dos quais 22 pacientes com FBS pós-cirúrgica tratados com injeção intraparotídea de
toxina botulínica A foram incluídos. O resultado primário foi a melhora dos sintomas da FBS.
Os desfechos secundários foram tempo para melhora dos sintomas e complicações.
Nesta revisão de literatura, a dose inicial de injeção de TBA variou de 10 a 75 U. No
caso em tela, a dose inicial foi de 60 U e a subsequente também, mudando apenas a
quantidade de unidades por sítios de aplicação (6 sítios para 3 sítios dolorosos).
O tempo desde o tratamento cirúrgico até a injeção variou de 1 mês a 3 anos. Nosso
caso contraria este dado temporal, uma vez que o tempo desde a exérese tumoral (2011) à
injeção de TBA (2023) foi de 12 anos. Durante este hiato, houve tratamento clínico com
antidepressivo/anticonvulsivante (amitriptilina) prévio, porém ineficaz no controle álgico.
Sete estudos, contendo 17 pacientes, relataram resultados individuais dos pacientes. A
melhora clínica foi relatada em 16 pacientes com duração de 1 a 30 meses após a injeção.
Oito dos 8 (100%) pacientes que receberam pelo menos 40 U de toxina botulínica A tiveram
melhora dos sintomas. Nossa paciente relatou melhora dos sintomas desde a primeira semana,
com ápice em 3 meses após receber 60 U.
Dez dos 22 (45,5%) pacientes receberam uma segunda injeção de toxina botulínica A
devido ao retorno da dor em média 3,8 meses após a primeira injeção. Nossa paciente obteve
retorno dos sintomas após 4 meses, tendo sido submetida a nova aplicação. Assim como na
literatura vigente, não houve complicações de injeção relatadas, como: paralisia facial, boca seca,
infecção, reação no local da injeção e reação alérgica.

Conclusão

O uso de toxina botulínica já é consagrado na estética e em diversas especialidades
médicas para tratar várias condições relacionadas à hiperatividade muscular e nervosa,
incluindo síndrome auriculotemporal (síndrome de Frey), rítides, estrabismo, distonia focal,
espasmos hemifaciais, distúrbios musculares espásticos, dores de cabeça, hipersalivação e
hiperidrose. O tratamento da síndrome da primeira mordida com TBA mostrou-se eficaz e é
uma das modalidades de tratamento custeadas pelo SUS.
Desde o primeiro relato de tratamento bem-sucedido do uso de TBA para FBS por Ali
et al, vários estudos adicionais surgiram. Todavia, novos estudos são necessários uma
vez que não há consenso sobre a dosagem ideal, o momento da repetição das injeções e o
momento da melhora dos sintomas.

Referências

SHAIKH, N. E. et al. Botulinum toxin A for the treatment of first bite syndrome-a systematic
review. Gland Surg. v.11, n. 7, pg. 1251-1263, 2022 Jul, doi: 10.21037/gs-22-112.
DIAS, R. P. C. S.; ANDRADE, C.H.V. Tumor de corpo carotídeo em jovem adolescente com
pré-síncope. Revista Médica de Minas Gerais. v. 27, ed. 1. 2019, doi:
https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20170061.
SHAIKH, N. E. et al. Botulinum toxin A for the treatment of first bite syndrome-a systematic
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CHIU, A. G. et al. First Bite Syndrome: A Complication Of Surgery Involving The
Parapharyngeal Space. Wiley InterScience. pg. 1-4, August 2002, doi: 10.1002/hed.10162.

Palavras Chave

Tumor Glômico; Glândula Parótida; Toxinas Botulínicas tipo A

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

HOSPITAL UNIVERSITÁRIO WALTER CANTÍDIO - Ceará - Brasil

Autores

FABRICIO ANDRADE VIEIRA MOREIRA, SALUSTIANO GOMES DE PINHO PESSOA, MARIA CLARA DANTAS VALLE SOARES, MIRLLA MICHELLE ALVES UCHOA