Dados do Trabalho
Título
CORREÇAO DE LAGOFTALMO COM IMPLANTE DE PESO DE OURO E REALIZAÇAO DE CANTOPEXIA: RELATO DE 02 CASOS
Resumo
A paralisia facial é uma disfunção severa que afeta a qualidade de vida dos pacientes. O acometimento do nervo facial pode levar ao quadro de lagoftalmia, condição definida pela incapacidade de fechar completamente à pálpebra. A ausência da proteção ocular pela pálpebra aumenta o risco de lesões, úlcera de córnea, infecções oculares, podendo levar a cegueira. Uma das alternativas de tratamento é o implante de peso de ouro em região palpebral. Neste artigo apresentamos 02 casos que foram submetidos ao uso desta técnica e tiveram desfechos favoráveis. A técnica apresenta índices de complicação variáveis e um alto grau de satisfação pelos pacientes
Introdução
A paralisia facial representa uma disfunção severa que afeta a qualidade de vida dos pacientes. A fraqueza da musculatura da face determina a perda da simetria, o colapso da válvula nasal externa e a incompetência oral.1 Além disso o acometimento do nervo facial pode afetar a região periorbital através da paresia do Músculo Orbicular do olho, o que leva os pacientes a desenvolverem perda do reflexo de piscar, retração palpebral superior e inferior, lagoftalmo e sintomas de olho seco com exposição da córnea.1,2
Lagoftalmo é definido como a incapacidade de fechar completamente à pálpebra e na maioria das vezes é resultado de um dano ao nervo facial. 2 As causas podem ser: congênitas (síndrome de Moebius), adquirida (Síndrome de Bell, lesões vasculares), tumores, iatrogênica, secundária a trauma, infecções e doenças degenerativas.2
A inadequada proteção ocular aumenta o risco de ulcerações na córnea, queratite de exposição, infecções bacterianas, além de perfuração ocular e cegueira.1,2,3
O tratamento inicial inclui lubrificação ocular, oclusão da fenda palpebral, uso de câmara úmida e medidas para aumentar o grau de umidade no ambiente. As correções cirúrgicas tradicionais envolvem tarsorrafias mediais e laterais e rotações de retalhos. Infelizmente, muitas dessas técnicas não produzem os resultados desejados, obstruindo a visão periférica, não promovendo proteção corneana adequada e gerando grandes distorções da anatomia da fenda palpebral.4
O uso de implantes de peso de ouro na região palpebral como uma alternativa aos procedimentos tradicionais foi primeiramente sugerido por Smellie5 em 1966 e por Barclay6 em 1969. Jobe7 aprimorou a técnica e relatou seus resultados em 1974. May8 em 1987 relatou sucesso de 91% com implante de 94 pesos de ouro, tornando a técnica consolidada.9
Neste procedimento, um peso de ouro é inserido na pálpebra superior para permitir o fechamento pela força de gravidade.2 A presença dos pesos contribui para a proteção ocular e para a mímica o que proporciona uma melhor aparência estética.2 O procedimento é seguro, reversível e facilmente reprodutível. 2,3
Objetivo
Apresentar o relato de caso de 02 pacientes submetidos a correção de lagoftalmo com implante de peso de ouro abaixo do músculo orbicular associado a realização de cantopexia lateral.
Método
Apresentamos relato de caso de 02 pacientes:
Paciente 1: Paciente do sexo masculino, 69 anos, hipertenso, com história de tratamento de tumor glômico carotídeo em região cervical esquerda no ano de 2005, quando realizou radiocirurgia com 20 GY, dose única. Iniciou em 2015 sintomas de paralisia facial com desvio de rima, anacusia, perda do reflexo de piscar, dificuldade de deglutir e de realizar fechamento palpebral (Figura I). Procurou atendimento especializado apenas em 2022 quando foi referenciado à equipe de Cirurgia Plástica do Hospital do Câncer - Araújo Jorge para correção de lagoftalmo. Em consulta paciente relatava olho seco e sensação de corpo estranho, mesmo em uso de colírio lubrificante diariamente. Paciente foi submetido a correção de lagoftalmo em 2024 com implante de peso de ouro de 1,5g abaixo do Músculo Orbicular pré-tarsal de pálpebra esquerda associado a cantopexia lateral (Figura II). Evoluiu com resolução do quadro de lagoftalmo, com fechamento da pálpebra de maneira voluntária, sem apresentar ptose palpebral, relata satisfação com a cirurgia (Figura III).
Paciente 2: Paciente do sexo feminino, 30 anos, sem comorbidades, teve diagnóstico de Schwanoma de conduto auditivo em 2020, tratado com radioterapia com 5 sessões com 05 GY. Foi encaminhada ao serviço de cirurgia plástica do Hospital do Câncer - Araújo Jorge com queixa de paralisia facial total à esquerda, com perda da mímica no local, apresentando desvio de rima e lagoftalmo (Figura IV). Paciente já realizava uso de colírio lubrificante e pomada de proteção ocular em período noturno. Inicialmente foi realizado pela equipe tratamento alternativo com aplicação de toxina botulínica para simetrização de face, com efeito limitado. Paciente então foi submetida a correção de lagoftalmo com implante de ouro de 1,6g abaixo do Músculo Orbicular pré-tarsal de pálpebra direita associado a cantopexia lateral. Evoluiu com resolução do quadro e relata estar satisfeita com a cirurgia, com melhora estética e funcional (Figura V).
Figura I: Lagoftalmia - Paciente em pré-operatório de implante de peso de ouro
Figura II: Intraoperatório de implante de peso de ouro com fixação pré-tarsal
Figura III: Paciente em pós operatório de implante de peso de ouro
Figura IV: Paciente em pré- operatório de implante de peso de ouro
Figura V: Paciente em Pós operatório imediato de Implante de peso de ouro
Resultado
Embora apresentado 02 casos de pacientes com etiologia diferentes para a paralisia facial, em ambos houve resolução completa do quadro de lagoftalmia após a cirurgia do implante de peso de ouro abaixo do Músculo Orbicular associado a realização de cantopexia lateral. Pacientes relataram melhora dos sintomas de olho seco, prurido ocular e hiperemia conjuntival. No segundo caso houve a tentativa de realização de tratamentos alternativos antes da realização da cirurgia com a injeção de toxina botulínica para simetrização facial, porém com baixo índice de satisfação, visto que a mesma possui efeito temporal limitado e não resolve a lagoftalmia.
Ambas as cirurgias foram recentes e até o momento não foi possível identificar complicações decorrentes do implante. Pacientes relataram alto grau de satisfação pós-operatório.
Discussão
O tratamento da paralisia facial deve incluir medidas que promovam o fechamento palpebral adequado a fim de evitar complicações oculares que podem levar à cegueira.9 As técnicas que utilizam implantes do peso de ouro para tratamento do lagoftalmo paralítico vêm apresentando aceitação crescente entre os cirurgiões plásticos e oftalmologistas. A técnica apresenta muitas vantagens por ser de simples execução, os implantes serem bem tolerados a curto e longo prazo e serem relativamente inertes biologicamente.
A indicação cirúrgica ainda não é consenso na literatura.9 Para May8 a única indicação absoluta é a presença de ceratite mesmo na vigência de medidas de lubrificação corneana adequadas (uso de pomadas e colírios oftálmicos). O teste mais sensível para a identificação da lesão corneana é o teste de fluoresceína.9
O tratamento pode apresentar algumas complicações no pós operatório como blefaroptose, implante visível esteticamente inaceitável, infecção, deslocamento ou extrusão.10 O índice de complicações varia nos trabalhos de 0,5 a 61%, à depender da técnica utilizada e do tempo de acompanhamento do paciente.11 Estudo recente publicado por SAHIN et al3 apresentou taxa de complicação geral de 26,9%, com extrusão sendo a principal complicação ocorrendo 12,8% dos pacientes.
A maioria destas complicações são decorrentes da escolha de um peso de ouro inadequado. Portanto uma minunciosa avaliação pré-operatória deve ser realizada à fim de determinar o peso, o tamanho e a posição do implante.2 Além disso a fixação do peso de ouro no tarso e o posicionamento medializado parecem diminuir as complicações.9 Em nosso serviço há disponível alguns moldes com pesos diferentes, os quais durante a consulta são fixados externamente na pálpebra do paciente com uma fita para a definição individualizada do peso adequado.
As diferenças de anatomia existente entre caucasianos e asiáticos o qual resulta em pálpebras com diferenças estéticas também se tornam um desafio. Implantes de ouro fabricados comercialmente embora raros, estão disponíveis em vários pesos e geralmente são usados, porém podem criar uma aparência de “bloco/tijolo” no interior da pálpebra. Pesos feitos sob medida produzem um melhor resultado estético.2
É válido ressaltar que em nosso serviço enfrentamos dificuldade para disponibilização dos implantes via SUS (Sistema Único de Saúde) e a individualização se torna inviável. Os implantes possuem um custo elevado para os pacientes por serem confeccionados em ouro 24 quilates. Na maioria dos casos operados os implantes são conseguidos por doação e confeccionados na gramatura correta por ourives que já possuem os moldes estabelecidos previamente pela equipe.
Em nossa experiência é de praxe a colocação do implante em "pocket” criado entre o músculo orbicular e o tarso, portanto em espaço pré-tarsal, com fixação do peso de ouro no tarso e realização de cantopexia sempre que necessário. Essas medidas melhoram o resultado estético e parecem diminuir o índice de complicações.
Apesar da cirurgia não fornecer recuperação psicológica, altas taxas de satisfação tem sido apresentadas na literatura.3 Os pacientes apresentam melhora na proteção ocular com diminuição da necessidade de cuidados diários.3
Conclusão
O implante de peso de ouro em região palpebral para correção de lagoftalmo é um método simples, reversível, com baixo índice de complicações quando a indicação, escolha do peso e técnica estão corretas. A maioria dos pacientes apresentam bons resultados estéticos e funcionais, com um alto grau de satisfação. O procedimento é um sucesso para a prevenção de complicações oculares secundárias ao lagoftalmo. Ainda é um desafio o acesso do paciente ao peso de ouro devido aos custos e a falta de disponibilização pelo sistema público de saúde.
Referências
1. SILAN, F. et al. Gold Eyelid Load for Lagophthalmos Correction, Complications and Long-Term Results: A Single Institution Experience. Journal of maxillofacial and oral surgery/Journal of Maxillofacial & Oral Surgery, 7 jun. 2021.
2. TUNA, S. H.; GUMUS, H. O.; HERSEK, N. Custom-made Gold Implant for Management of Lagophthalmos: A Case Report. European Journal of Dentistry, v. 2, p. 294–298, 1 out. 2008.
3. ŞAHİN et al. The role of gold weight implants in the management of paralytic lagophthalmos. Turkish journal of medical sciences, v. 51, n. 5, p. 2584–2591, 21 out. 2021.
4. LESSA, S. et al. Tratamento do lagoftalmo paralítico com a utilização do implante de peso de ouro recoberto pela aponeurose do músculo levantador palpebral. Revista Brasileira de Oftalmologia, v. 68, n. 1, p. 30–36, fev. 2009.
5. SMELLIE, G. D. Restoration of the blinking reflex in facial palsy by a simple lid-load operation. British Journal of Plastic Surgery, v. 19, p. 279–283, 1966.
6. BARCLAY, T. L.; ROBERTS, A. C. Restoration of movement to the upper eyelid in facial palsy. British Journal of Plastic Surgery, v. 22, n. 3, p. 257–261, 1 jul. 1969.
7. JOBE, R. P. A TECHNIQUE FOR LID LOADING IN THE MANAGEMENT OF THE LAGOPHTHALMOS OF FACIAL PALSY. Plastic and Reconstructive Surgery, v. 53, n. 1, p. 29, 1 jan. 1974.
8. MAY, M. Gold Weight and Wire Spring Implants as Alternatives to Tarsorrhaphy. Archives of Otolaryngology - Head and Neck Surgery, v. 113, n. 6, p. 656–660, 1 jun. 1987.
9. TESTA, J. R. G.; AUMOND, M. D.; FIGUEIREDO, C. R. Uso de peso de ouro palpebral para correção do lagoftalmo em pacientes com paralisia facial. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, v. 68, n. 1, p. 65–68, 13 maio 2002.
10. NUNES, T. P. et al. Implante de peso de ouro: complicações precoces e tardias. Arquivos Brasileiros de Oftalmologia, v. 70, n. 4, p. 599–602, ago. 2007
11. TOWER, R. N.; DAILEY, R. A. Gold Weight Implantation: A Better Way? Ophthalmic Plastic & Reconstructive Surgery, v. 20, n. 3, p. 202–206, maio 2004.
Palavras Chave
LAGOFTALMO; PESO DE OURO; PARALISIA DO NERVO FACIAL
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Hospital do Câncer Araújo Jorge - Goiás - Brasil, Hospital Santa Casa de Misericódia de Goiânia - Goiás - Brasil
Autores
LUIS PEDRO CARVALHO VILELA VALVERDE, PABLO RASSI FLORENCIO, KARINNE NAARA MATOS DE BARROS, PEDRO INACIO DE OLIVEIRA LOPES, IVANE CAMPOS MENDONÇA, BRUNO CARVALHO MOREIRA