Dados do Trabalho
Título
O USO DO RETALHO TORACODORSAL LATERAL ESTENDIDO PARA RECONSTRUÇAO DE DEFEITO APOS RESSECÇAO DE SARCOMA SINOVIAL MONOFASICO (NEOPLASIA FUSOCELULAR) EM MEMBRO SUPERIOR
Resumo
Introdução: O Sarcoma Sinovial Monofásico é um tumor maligno raro, responsável por 5 a 10% dos sarcomas de partes moles, geralmente afetando adultos jovens e predominantemente homens. Apesar de se desenvolver próximo às grandes articulações dos membros, menos de 10% são intra-articulares. O tratamento envolve ressecção agressiva, quimioterapia e radioterapia paliativa. Este estudo tem como objetivo buscar maior variedade de técnicas para a reconstrução complexa na região do cotovelo e demonstrar a eficácia do retalho fasciocutâneo toracodorsal lateral estendido nessa reconstrução. Métodos: Paciente de 26 anos, com sarcoma sinovial no cotovelo esquerdo, foi submetida à ressecção completa do tumor, seguida por reconstrução utilizando um retalho fasciocutâneo toracodorsal lateral estendido. A ressecção inicial revelou uma lesão de 9x6x8 cm, com margens livres. A técnica de reconstrução envolveu a criação de um retalho pediculado baseado no retalho toracodorsal lateral, mantendo proporção de 2x1, transposto para a área do cotovelo em um procedimento em dois tempos cirúrgicos. Resultados: A reconstrução proporcionou cobertura adequada e preservação funcional do membro superior, sem retração cicatricial ou recidivas. A paciente apresentou boa evolução pós-operatória e demonstrou satisfação com os resultados, tanto funcionais quanto estéticos. Conclusão: O retalho fasciocutâneo toracodorsal lateral estendido é uma técnica eficaz e segura para a reconstrução do cotovelo, oferecendo boa cobertura e preservação funcional. Este caso contribui para a literatura ao expandir as aplicações deste retalho e reforça a importância de abordagens personalizadas na reconstrução cirúrgica pós-oncológica.
Introdução
O Sarcoma Sinovial Monofásico, destaca-se como uma entidade clínica maligna de notável raridade e complexidade, correspondendo apenas entre 5 a 10% dos sarcomas de partes moles, com origem a partir de células mulitipotenciais mesenquimais, acometendo predominantemente adultos jovens com idade média entre 15-35 anos, havendo um maior número de casos dentre o gênero masculino, em razão de 3:2.(1) Ocupam o quarto lugar entre os sarcomas mais comuns, se desenvolve em sua maioria nas vizinhanças das grandes articulações dos membro. Embora este sarcoma subentenda ser originário em articulações, menos de 10% são intra-articulares.(2)
O tratamento desses tumores inclui procedimentos agressivos com modalidades de preservação. Podendo compreender entre os tratamentos a ressecção com margens amplas, amputação da extremidade, ao nível que permita uma margem de segurança oncológica, quimioterapia e radioterapia paliativa, dependendo da fase avançada deste tumor.(3)
Avaliada em nosso serviço, uma paciente portadora de sarcoma sinovial em membro superior esquerdo, ao exame físico de dimensões 09 x 06 x 08 cm, acometendo topografia de braço e cotovelo à esquerda (Figura 1). A excisão completa da lesão gerou área cruenta extensa, impossibilitando o seu fechamento primário. Cabe ressaltar, a dificuldade implicada no caso devido extensão da área e localização delicada (zona articular).
Dessa forma, é fundamental o conhecimento de técnicas em retalhos para a região de cotovelo, assim como buscar novos métodos de reconstrução para o local. Após avaliação por equipe de cirurgia plástica, foi optado pelo emprego de um retalho fasciocutâneo toracodorsal lateral estendido, mantendo proporção de 2 x 1, baseado no retalho toracodorsal lateral, descrito por Holmström e Lossing em 1986, uma técnica valiosa empregada geralmente na reconstrução de mama, que se apresenta como uma alternativa para a reconstrução de outros locais da região torácica e membro superior.
Objetivo
Buscar maior variedade de técnicas para a reconstrução complexa em região de articulação de membro superior (cotovelo) e demonstrar a eficácia do retalho fasciocutâneo toracodorsal lateral estendido na reconstrução do cotovelo, uma área com considerável desafio funcional e estético.
Método
R. A. V, mulher de 26 anos, parda, natural do Rio de Janeiro e residente em São Gonçalo. Apresentou lesão nodular em seu membro superior esquerdo, na região do cotovelo esquerdo, aproximadamente 08 meses antes de seu ingresso no ambulatório de Cirurgia Oncológica de um Hospital Universitário do Estado do Rio de Janeiro. A manifestação inicial da patologia se caracterizou por um crescimento progressivo da massa, evoluindo posteriormente para ulceração local, dor significativa e episódios intermitentes de sangramento.
Em ultrassonografia da lesão em 31/07/2023 (realizada antes da internação), laudo de imagem nodular, sólida, de contornos bocelados, com dimensões mensuradas em 51 x 28 x 24mm, evidenciando um padrão de fluxo sanguíneo tanto periférico quanto central ao Doppler. A análise adicional indicou a preservação da integridade da pele, do tecido subcutâneo e dos planos musculares adjacentes. Posteriormente, em 25/08/2023, foi submetida a uma ressonância magnética do cotovelo esquerdo, a qual revelou uma imagem ovalada, bem definida, porém com contornos discretamente irregulares e lobulados. Esta apresentava baixo sinal em T1, alto sinal em densidade protônica com supressão de gordura, e sinal heterogêneo e predominantemente alto em T2, com sinais de restrição à difusão localizados em tecido adiposo subcutâneo na região lateral de transição do braço com o cotovelo. Além disso, esta massa mantinha contato com a musculatura braquiorradial, apresentando dimensões de 4,2 x 4 x 4cm e causando edema e compressão na gordura subcutânea adjacente. O laudo histopatológico resultante descreveu uma neoplasia fusocelular, caracterizada por longos fascículos e estroma edematoso e fibrilar, permeado por vasos sanguíneos tortuosos e irregulares.
Ao exame físico na admissão, a lesão apresentava dimensões de aproximadamente 09 x 06 x 08cm, com uma área central de necrose proeminente e friável, manifestando uma restrição significativa à mobilidade, sem a presença de linfonodos palpáveis (Figura 1). Em 08/03/2024 procedeu-se com a completa ressecção do tumor, apresentando margens livres em congelação. O laudo histopatológico resultante descreveu uma neoplasia fusocelular, caracterizada por longos fascículos e estroma edematoso e fibrilar, permeado por vasos sanguíneos tortuosos e irregulares.
Posteriormente, a paciente foi submetida ao primeiro tempo de reconstrução em extensa área cruenta, acometendo região de braço e cotovelo (Figura 2). Optou-se pela utilização de um retalho toracodorsal lateral estendido, pediculado, com vistas a preservação da funcionalidade do membro.
Realizada incisão cutânea das linhas, previamente demarcadas (Figura 2), mantendo proporção de 2 x 1. O descolamento do retalho foi realizado no plano fasciocutãneo, realizado meticulosamente com auxílio de lâmina de bisturi número 15 e eletrocautério, sendo possível evidenciar a anatomia da musculatura do músculo serrátil e grande dorsal (Figura 3). A viabilidade do retalho pôde ser comprovada pela presença de fluxo sanguíneo em suas extremidades. Após transposição do retalho e revisão rigorosa da hemostasia, finalmente, procede-se à sutura do retalho em área receptora, por planos: subcutâneo, subdérmico e cutâneo. Optou-se pelo retalho pediculado, sendo que para essa proposta o membro abordado manteve-se posicionado em proximidade ao tórax. Ademais, foi alocado dreno do tipo hemovac na ferida (Figura 4).
Paciente recebeu alta hospitalar em 22/03/24, com boa evolução em pós-operatório. 19 dias após o primeiro tempo cirúrgico foi admitida para 2º tempo. Procedeu-se com a liberação do retalho com lâmina de bisturi número 15 e eletrocautério. Após, realizou-se à sutura final em área doadora, por planos: subcutâneo, subdérmico e cutâneo. O resultado final foi satisfatório, tanto do ponto de vista funcional quanto estético (Figura 5).
O tipo de anestesia utilizado em ambos os tempos foi a anestesia geral. Instituiu-se antibioticoterapia com cefalexina via oral até o sétimo dia pós-operatório, e o uso de analgésicos comuns como sintomáticos.
Resultado
O retalho toracodorsal lateral é nutrido por dois ramos da artéria epigástrica superior, que se voltam lateralmente alguns centímetros caudal ao nível do xifóide e seguem da linha axilar anterior até a base do retalho. É importante salientar a presença de vasos perfurantes, proveniente dos intercostais, sexto e sétimo, além da densidade de pele e tecido adiposo satisfatórios. Este detalhe anatômico permitiu a transposição de pele e gordura para região de membro superior.
Diferentemente do proposto por Holmström and Lossin8, no qual o retalho era transferido para topografia de mama, limites delimitados pela linha axilar anterior, no caso em estudo essa transposição foi realizada para membro superior ipsilateral, mantendo retalho em um primeiro momento sendo nutrido pela área doadora (pediculado), com posterior liberação do mesmo em 2° tempo cirúrgico.
A técnica possibilitou a reconstrução da área de articulação do cotovelo de forma harmoniosa. Até o momento, não foram evidenciadas retração cicatricial ou recidivas na região operada. A paciente permanece em acompanhamento, demonstrando extrema satisfação com os resultados, mantendo acompanhamento com equipe de oncologia devido ao seu diagnóstico.
Discussão
Os sarcomas sinoviais são neoplasias malignas raras, havendo relações importantes com tendões, bainhas tendíneas e estruturas bursais, compreendendo de 5-10% dos sarcomas de partes mole.(4) Como no caso abordado a parcela mais considerável desses tumores se desenvolve próximo às grandes articulações dos membros, porém, 60 a 70% envolvem principalmente joelho e coxa, em posição extra-articular.(5) Sendo de tamanho significativo ao diagnóstico, apresentando-se como massas tumorais palpáveis e sensíveis. (6) Histologicamente, dois tipos fundamentais têm sido identificados pela maioria dos autores, sendo um tipo bifásico e um tipo monofásico, este último de mais difícil diagnóstico.(7)
Dentro desse espectro de grandes ressecções em topografia de membro superior é necessário lançar mão de várias opções de reconstrução. O retalho toracodorsal lateral foi descrito por Holmström and Lossin(8) ,em 1986, como uma técnica a ser adotada para reconstrução mamária. Baseia-se na vascularização do ramo toracodorsal da artéria subescapular. Este retalho fasciocutâneo permite uma ampla mobilidade com um pedículo vascular longo, facilitando a transferência do tecido para o local da mastectomia sem necessidade de microcirurgia. A técnica envolve a preservação cuidadosa do pedículo vascular durante a dissecção, maximizando a viabilidade do tecido transferido.
Originalmente desenvolvido para a reconstrução de mama, o retalho toracodorsal lateral provou ser versátil, sendo utilizado também em reconstruções de defeitos no tronco, axila, e até em áreas como o braço superior. Esta técnica é particularmente útil em pacientes que não são candidatas para reconstrução com implantes ou outros tipos de retalhos miocutâneos.(8)
Uma das principais vantagens do retalho toracodorsal lateral é a redução da morbidade no local doador. Ao contrário dos retalhos que incluem componentes musculares, este retalho fasciocutâneo preserva a integridade muscular, reduzindo a dor pós-operatória e preservando a função muscular. Adicionalmente, oferece excelente cobertura e textura para a reconstrução da área receptora. 8
No estudo conduzido por Woerdeman(9), que investigou os desfechos cirúrgicos do uso do retalho toracodorsal lateral em pacientes que passaram por mastectomia, observou-se uma baixa incidência de complicações. Esses resultados levaram Woerdeman a sugerir que a aplicação desse retalho poderia ser estendida para além das reconstruções mamárias, sendo também eficaz para corrigir cicatrizes e outros defeitos.
A grande contribuição desse presente estudo se encontra ao aumentar o entendimento das aplicações do retalho toracodorsal lateral, estendendo a sua utilização para lesões extensas em membro superior.
Conclusão
O retalho fasciocutâneo toracodorsal lateral estendido provou ser uma opção eficaz e segura para a reconstrução do cotovelo, proporcionando cobertura adequada e preservação funcional. Este caso contribui para a literatura ao expandir o entendimento das aplicações deste retalho e reforça a necessidade de abordagens personalizadas na reconstrução cirúrgica pós-oncológica. Recomenda-se a realização de estudos adicionais com séries maiores de casos para uma avaliação mais abrangente dos resultados a longo prazo e da aplicabilidade em outras regiões anatômicas.
Referências
1. Junaid S, Gnanananthan V, Malhotra K, Saifuddin A. Tumours and tumour-like lesions of joints: Differential diagnoses in a paediatric population compared to adults. BJR 2021;94:20201389. https://doi.org/10.1259/bjr.20201389.
2- Mendonça GS, Artiles CB, Freitas NA, Mendonça SB. SARCOMA SINOVIAL MONOFÁSICO. Rev Cient Fac Med Campos 2015;10:35–8. https://doi.org/10.29184/1980-7813.rcfmc.30.vol.10.n2.2015.
3. Segreto R. Sarcomas de tecidos moles Protocolo de tratamento da Escola Paulista de Medicina*. Revista Brasileira de Ortopedia 1994;29.
4. Cadman NL, Soule EH, Kelly PJ. Synovial sarcoma.An Analysis of 134 Tumors. Cancer 1965;18:613–27. https://doi.org/10.1002/1097-0142(196505)18:5<613::AID-CNCR2820180510>3.0.CO;2-V.
5. Stoller, DW et al. Bone and soft-tissue tumors In: Stoller DW, Stoller DW. Magnetic resonance imaging in orthopaedics and sports medicine. 3rd ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2007.
6. Fornage, BD. Massas nas partes moles. In:. Ultrassonografia do sistema musculoesquelético. Rio de Janeiro: Revinter; 1999. 19-39.
7. Mackenzie DH. Synovial sarcoma.A review of 58 cases. Cancer 1966;19:169–80. https://doi.org/10.1002/1097-0142(196602)19:2<169::AID-CNCR2820190205>3.0.CO;2-N.
8. Holmström H, Lossing C. The lateral thoracodorsal flap in breast reconstruction. Plast Reconstr Surg. 1986;77:933-941
9. Woerdeman LA. Title Surgical risk factors of breast reconstruction and their clinical implications. Plast Reconstr Surg. 2004;113:196-203.
Palavras Chave
Sarcoma Sinovial monofásico; Reconstrução de cotovelo; Retalho fasciocutâneo toracodorsal lateral
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Hospital Universitário Antônio Pedro/ Universidade Federal Fluminense - Rio de Janeiro - Brasil
Autores
ABNER HENRIQUE FLEURY, GUILHERME LEONEL ARBEX, GEORGE HARLEY CARTAXO NEVES FILHO, GIOVANNA SANTOS PEREIRA RESENDE, MATEUS CASOTTI COLOMBO, MARCELO SÁ ARAÚJO