Dados do Trabalho
Título
USO DE LIPOENXERTIA PARA RECONSTRUÇAO DE COURO CABELUDO: RELATO DE CASO
Resumo
O enxerto autólogo de gordura há muito tempo é utilizado na cirurgia plástica para corrigir defeitos de contorno e de perda de volume. Durante a última década, há um crescente interesse no potencial regenerativo e nas terapias relacionadas às células-tronco derivadas do tecido adiposo. O objetivo deste estudo é apresentar e descrever um relato de caso de reconstrução de couro cabeludo, em uma paciente do Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí (HU-UFPI), no ano de 2022, vítima de traumatismo crânio-encefálico por agressão física, com perda importante de substância do couro cabeludo, com exposição de calota craniana, utilizando enxerto de gordura no auxílio do processo de cicatrização e granulação tecidual local. A paciente foi submetida inicialmente a curativo sob pressão negativa, com melhora do tecido de granulação. Em seguida, foi submetida a lipoenxertia da área cruenta, seguido de novo curativo a vácuo. Após sessões de terapia por pressão negativa, optou-se por realizar enxerto de pele total no couro cabeludo, com pega de aproximadamente 90%. Após seguimento com curativos a vácuo e curativos simples, a paciente recebeu alta hospitalar no 48º DIH em boas condições clínicas e com o couro cabeludo totalmente reconstruído. O caso descrito exemplifica o uso da lipoenxertia para reconstrução de defeitos complexos do couro cabeludo. O enxerto de gordura é uma opção viável no manejo cirúrgico de reconstrução de escalpo em centros onde houver equipe capacitada e disponibilidade de material para sua execução.
Introdução
O enxerto autólogo de gordura há muito tempo é utilizado na cirurgia plástica para corrigir defeitos de contorno e de perda de volume. No final da década de 1980, a popularidade do enxerto de gordura aumentou consideravelmente com os procedimentos de lipoaspiração. Em 2001, células-tronco mesenquimais foram isoladas no lipoaspirado. Durante a última década, há um crescente interesse no potencial regenerativo e nas terapias relacionadas às células-tronco derivadas do tecido adiposo1.
Estudos recentes evidenciaram que existe um grande número de células-tronco no tecido adiposo, que podem ser úteis para aplicações clínicas2. Essas células totipotentes são capazes de diferenciação em vários tipos celulares que contribuem para a cicatrização de feridas, como queratinócitos, fibroblastos e células endoteliais. Ao contrário das células-tronco derivadas da medula óssea, as células-tronco derivadas do tecido adiposo podem ser colhidas com mínima morbidade, além de o tecido adiposo fornecer um número expressivamente maior de células-tronco1.
Ferimentos amplos do couro cabeludo frequentemente requerem reconstruções complexas, dada a escassez de tecido gerada por esse tipo de lesão. Diversas alternativas já foram descritas, desde enxertia de pele a retalhos livres. Nesse contexto, o lipoenxerto se torna uma opção atrativa, devido à abundância de tecido disponível para a reconstrução e à sua propriedade regenerativa.
O objetivo deste estudo é apresentar e descrever um relato de caso de reconstrução de couro cabeludo, em uma paciente do Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí (HU-UFPI), no ano de 2022, vítima de traumatismo crânio-encefálico por agressão física, com perda importante de substância do couro cabeludo, com exposição de calota craniana, utilizando enxerto de gordura no auxílio do processo de cicatrização e granulação tecidual local.
Objetivo
O objetivo deste estudo é apresentar e descrever um relato de caso de reconstrução de couro cabeludo, em uma paciente do Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí (HU-UFPI), no ano de 2022, vítima de traumatismo crânio-encefálico por agressão física, com perda importante de substância do couro cabeludo, com exposição de calota craniana, utilizando enxerto de gordura no auxílio do processo de cicatrização e granulação tecidual local.
Método
Trata-se de um estudo com relato de caso de uma paciente internada na enfermaria de cirurgia plástica do HU-UFPI, em abril de 2022, vítima de agressão física, apresentando trauma crânio-encefálico com lesão extensa do couro cabeludo, com perda importante de substância e exposição da calota craniana, submetida à reconstrução do couro cabeludo com lipoenxertia e enxerto de pele total. A paciente foi acompanhada por um período de dois meses.
F.P.A.S., feminina, 40 anos, parda, natural e procedente de Água Branca-PI, vítima de agressão física por espancamento, admitida na emergência do Hospital de Urgências de Teresina (HUT) no mês de março de 2022, com ferimento extenso na cabeça e dor em antebraço esquerdo.
No atendimento de urgência, foi estabilizada de acordo com protocolo do ATLS. Realizou tomografia de crânio e raio-x do antebraço esquerdo. A tomografia evidenciou descontinuidade e perda importante do couro cabeludo (escalpelamento), sem fraturas nem lesões intracranianas. O Raio-x do antebraço esquerdo evidenciou fratura fechada do rádio. A paciente foi submetida à síntese primária do tecido remanescente do couro cabeludo, curativos especiais, reforço da vacina antitetânica e iniciou terapia com antibiotótico (cefazolina) para ferimento contaminado. O antebraço foi tratado de maneira conservadora (imobilização).
No 6º dia de internação hospitalar (DIH) no HUT, evoluiu com infecção, miíase e áreas de necrose no couro cabeludo. Foi, então, submetida à limpeza e desbridamento cirúrgico amplo do escalpo, com aumento importante da área de descontinuidade do couro cabeludo e exposição da calota craniana. Iniciou curativos especiais à base de hidrogel e PHMB com equipe especializada de estomaterapia. Rodado esquema de antibiótico para piperaciclina/tazobactam. Foi transferida para o HU-UFPI no 11º DIH no HUT, para avaliação e seguimento com equipe de cirurgia plástica.
À admissão no HU-UFPI, a paciente apresentava ferimento na cabeça com exposição da calota craniana em região occipito-temporal direita, em formato de meia-lua, com tecido de granulação em cerca de 40% da lesão, com ferida de bom aspecto, limpa, sem secreção nem sinais de infecciosos (fig. 1). O ferimento foi coberto com curativo simples. O esquema de antibiótico foi mantido com piperaciclina/tazobactam até D14.
No 5º DIH no HU-UFPI, optou-se por realizar curativo sob pressão negativa com dispositivo portátil (PICO), executado pela equipe de estomaterapia à beira do leito, com a finalidade de estimular prolifereção de tecido de granulação. No 9º DIH, retirou-se o curativo a vácuo, com evidência de aumento da cobertura da calota craniana com tecido de granulação para 50%, com a ferida mantendo-se de bom aspecto (fig. 2)
Para acelerar o processo de granulação tecidual, a paciente foi submetida no mesmo dia à lipoenxertia da calota craniana. O procedimento foi realizado em bloco cirúrgico, sob anestesia geral. O abdômen foi escolhido como área doadora pela disponibilidade abundante de tecido adiposo. Realizou-se a infiltração de solução de soro fisiológico com adrenalina (1:500,000) e lipoaspiração de 200mL de conteúdo do subcutâneo abdominal. Deixado o lipoaspirado para decantação por 15min e descartado o sobrenadante, com sobra de 120mL de tecido gorduroso. Realizou-se o preparo da área receptora: drilagem da calota craniana exposta, fixação de gaze rayon em toda borda da ferida com sutura contínua de nylon 3-0 para acomodar o tecido gorduroso sem extravasamento, lipoenxertia de 100mL com cânula de 4mm por baixo da gaze rayon, através de um orifício deixado para essa finalidade, nas áreas de exposição de calota craniana e cobertura da área com novo PICO (fig. 3). O material coletado da drilagem foi enviado para cultura.
Após cinco dias, foi realizada nova troca do curativo a vácuo à beira do leito. Nesse momento, a ferida já apresentava total cobertura da calota craniana, com aumento importante do tecido de granulação e pequenas áreas cobertas com tecido adiposo. Assim, novos PICOs foram instalados mais duas vezes, com intervalo de cinco dias entre si.
Após 10 dias, a área já se apresentava praticamente coberta com tecido de granulação de bom aspecto. A paciente foi, então, submetida a enxertia de pele. O procedimento foi realizado em bloco cirúrgico, sob anestesia geral. Enxerto de pele total foi colhido do hipogástrio. O abdômen foi escolhido como área doadora do enxerto de pele pela disponibilidade abundante de tecido e pela maior facilidade para fechamento primário. A pele foi modelada no formato da ferida e o enxerto coberto com novo curativo a vácuo, assim como a área doadora do hipogástrio (fig. 4).
Novamente após cinco dias, os curativos a vácuos foram removidos. O enxerto de pele total apresentou pega de aproximadamente 90% e o hipogástrio com ferida limpa e seca. A partir de então, as áreas doadora e receptora receberam seguimento com curativos simples com gaze umidificada em óleo de girassol para devida hidratação. Os cuidados foram mantidos com troca diária dos curativos até a alta hospitalar da paciente, no final de junho de 2022, no 48º DIH no HU-UFPI (fig. 5).
Após a alta hospitalar, a paciente manteve cuidados e curativos diários em unidade de saúde de sua cidade natal e não mais retornou para seguimento ambulatorial no HU-UFPI, devido à baixa condição sócio-econômica para viabilizar seu deslocamento.
Resultado
A cobertura da calota craniana com a lipoenxertia foi praticamente total, fato que viabilizou uma integração do enxerto de pele em 90%. Houve pequena área de sofrimento na região mais distal do enxerto de pele. O resultado de cultura do material drilado da calota craniana evidenciou Enterobacter cloacae, sem necessidade de nova terapia com antibiótico.
Após seguimento com curativos a vácuo e, posteriormente, curativos simples, a paciente recebeu alta hospitalar no 48º DIH em boas condições clínicas e com o couro cabeludo totalmente reconstruído (fig. 5).
Discussão
Os ferimentos de couro são um desafio ao cirurgião plástico, devido à alta complexidade das reconstruções cirúrgicas resultante da escassez de tecido local. Os principais objetivos da reconstrução são proteger o conteúdo intracraniano, manter o contorno da cabeça e, se possível, manter a linha do cabelo3.
Diversas técnicas já foram desenvolvidas para a reconstrução do escalpo, desde fechamento por segunda intenção, enxertia de pele, retalhos locais até retalhos livres por microcirurgia. Terapia de pressão negativa promove a cicatrização de feridas por meio do aumento do fluxo sanguíneo, do desbridamento de tecidos e bactérias desvitalizados e da promoção da formação de tecido de granulação3.
As propriedades de regeneração tecidual das células-tronco provenientes do enxerto de gordura são cada vez mais evidentes. Essas células modulam o microambiente da ferida pela secreção parácrina de moléculas que modificam a resposta inflamatória, ativam nichos locais de células-tronco e promovem a revascularização local1.
Nesse contexto, o uso do enxerto de tecido adiposo apresenta-se cada vez mais como uma opção viável no arsenal terapêutico das feridas complexas.
A paciente operada no Serviço de Cirurgia Plástica do HU-UFPI exemplifica um bom resultado alcançado com os avanços da regeneração tecidual e a aplicabilidade do uso de células-tronco derivadas do tecido adiposo. Houve uma melhora importante do defeito funcional, com resultado estético aceitável, além do aumento da autoestima com importante melhora da autoimagem.
Conclusão
A lipoenxertia para reconstrução de couro cabeludo é uma técnica possível de ser aplicada com a finalidade de proliferar localmente a granulação tecidual, a fim de acelerar a cobertura da calota craniana exposta para receber enxerto de pele, dada sua baixa morbidade e a característica do tecido adiposo de fornecer um número expressivo de células-tronco.
caso descrito exemplifica o uso da lipoenxertia para reconstrução de defeitos complexos do couro cabeludo. O enxerto de gordura é uma opção viável no manejo cirúrgico de reconstrução de escalpo em centros onde houver equipe capacitada e disponibilidade de material para sua execução.
Referências
1. Malik D, Luck J, Smith OJ, Mosahebi A. A Systematic Review of Autologous Fat Grafting in the Treatment of Acute and Chronic Cutaneous Wounds. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2020 May 18;8(5):e2835.
2. Nakao N, Nakayama T, Yahata T, Muguruma Y, Saito S, Miyata Y, Yamamoto K, Naoe T. Adipose tissue-derived mesenchymal stem cells facilitate hematopoiesis in vitro and in vivo: advantages over bone marrow-derived mesenchymal stem cells. Am J Pathol. 2010 Aug;177(2):547-54.
3. Dedhia R, Luu Q. Scalp reconstruction. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2015 Oct;23(5):407-14.
Palavras Chave
lipoenxertia; Feridas complexas; couro cabeludo
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Hospital Universitário da UFPI - Piauí - Brasil
Autores
RAFAEL FERNANDES CO?LHO, MARIANA SOARES RIBEIRO GONÇALVES, RENATO SOUZA LUZ PEDROZA, IVAN DE REZENDE ALMEIDA