Dados do Trabalho
Título
RESULTADOS NA SINDROME DE APERT: COMPARAÇAO ENTRE DISTRAÇAO POSTERIOR DE CRANIO VERSUS AVANÇO FRONTO ORBITAL
Resumo
Um estudo retrospectivo foi realizado em pacientes com síndrome de Apert que foram submetidos a FOA ou PVDO durante o período de 2007 e 2019 e que participaram de pelo menos 6 meses de seguimento pós operatório.
Pacientes que foram submetidos a PVDO tiveram menor grau de assimetria frontal conforme a escala de Whitaker do que pacientes submetidos a FOA.
Introdução
A síndrome de Apert é uma condição autossômica dominante com um largo espectro clínico caracterizada por fusão prematura de uma ou mais suturas cranianas e faciais, e sindactilias complexas das mãos e dos pés. Pacientes com Apert apresentam morfologia maxilar anormalmente retraída, graus variados de exorbitismo e apneia obstrutiva do sono. Pressão intracraniana elevada é frequentemente encontrada em pacientes com Apert como consequência da fusão prematura.
O manejo da síndrome de Apert requer tanto uma abordagem multidisciplinar quanto um seguimento a longo prazo com o intuito de garantir o máximo desenvolvimento cognitivo e função e destreza das mãos. Cada procedimento craniofacial no Apert deve ser cuidadosamente planejado para que cada abordagem individual não interfira no sucesso dos próximos passos da escada reconstrutiva.
O avanço fronto orbital (FOA) foi o primeiro procedimento cirúrgico mais utilizado no tratamento dos pacientes com Apert. Originalmente descrita como a técnica da fronte flutuante, a banda orbital deve ser avançada 20mm para garantir espaço para o cérebro e reduzir a probabilidade de pressão intracraniana elevada durante o crescimento ósseo da face. No entanto, muitos cirurgiões em centros com grande volume craniofacial abandonaram a técnica da FOA tanto para casos de cranioestenose sindrômicos quanto para não sindrômicos devido à assimetria frontal apresentada no seguimento a longo prazo.
FOA foi previamente performado neste hospital como tratamento de primeira linha mas tem sido gradualmente substituída pela PVDO, que de acordo com a literatura disponível garante um maior volume craniano, previne a malformação de Arnold-Chiari e preserva tecidos sadios para posterior avanço de terço médio.
Apesar da PVDO requerer um segundo tempo para remoção dos distratores, este pode ser realizado em conjunto com a reconstrução das mãos, reduzindo assim o número de procedimentos cirúrgicos individuais.
Estudos recentes demonstraram que a PVDO melhora a morfologia da calota craniana e reduz a turricefalia em pacientes com cranioestenose sindrômica. Todavia, a assimetria da fronte pode estar presente de qualquer maneira no pós operatório devido a herança do gene FGFR2.
Objetivo
O objetivo deste estudo é comparar a assimetria do contorno frontal e os resultados clínicos em pacientes com Apert que foram submetidos a FOA ou PVDO. Estudos comparando a assimetria do contorno frontal em uma coorte de pacientes com Apert que foram submetidos a FOA ou PVDO ainda não estão presentes na literatura atual.
Método
Um estudo retrospectivo foi conduzido em pacientes diagnosticados pela nossa equipe multidisciplinar como portadores de síndrome de Apert que foram submetidos a cirurgia entre 2007 e 2019 e que participaram de pelo menos 6 meses de seguimento pós operatório. Pacientes com prontuários médicos incompletos ou que foram submetidos a procedimentos craniofaciais em outros centros foram excluídos deste estudo.
Dados demográficos (sexo e idade à cirurgia), dados cirúrgicos e dados sobre os resultados foram verificados utilizando prontuários médicos, fotografias clínicas, imagens radiográficas e entrevistas com os pais dos pacientes incluidos no estudo.
A assimetria da fronte e a necessidade de cirurgia craniofacial adicional foram classificadas de acordo com o sistema de classificação Whitaker conforme descrito: Categoria I, refinamento ou revisão cirúrgica não considerados necessários ou aconselháveis; Categoria II, revisão do contorno de tecidos moles é aconselhável; Categoria III, necessita de uma quantidade considerável de intervenção craniofacial de grande porte (não tão extensa quanto o procedimento original); e Categoria IV, aconselhável procedimento craniofacial de grande porte para tecidos moles, duplicação ou extensão do procedimento original. Fotografias padronizadas dos pacientes foram utilizadas para graduar a assimetria do contorno frontal no pós operatório.
A assimetria do contorno frontal foi avaliada de forma cega por um cirurgião plástico que não tinha conhecimento prévio sobre o paciente incluído no estudo e que não participou do registro das fotos ou de quaisquer procedimentos cirúrgicos nestes pacientes. Fotografias padronizadas (frontal e panorâmica), com três flashes, obtidas em um estúdio profissional por um único fotógrafo profissional foram utilizadas para este estudo. As fotografias foram avaliadas após pelo menos um ano depois dos procedimentos de FOA e PVDO terem sido realizados.
FOA foi realizado de 2007 a 2011 e PVDO de 2012 até o presente momento, utilizando distratores mandibulares internos com um vetor oblíquo inferior para garantir o abaixamento do segmento posterior do crânio.
FOA foi realizado em detrimento da PVDO depois de 2011 em casos nos quais veias emissárias colaterais supratentoriais importantes estavam presentes na linha da craniotomia, devido ao risco aumentado de fatalidade. Na ausência de veias emissárias colaterais importantes, foi realizada PVDO.
Transfusão de hemoconcentrados no intraoperatório foi realizada nos pacientes de acordo com a taxa de perda sanguínea individual, com o intuito de manter níveis de hemoglobina acima de 10g/dl.
Todos os indivíduos neste estudo completaram um formulário de consentimento assinado pelos pais dos pacientes de acordo com a Declaração de Helsinki de 1975, apurada em 1983. Aprovação do comitê de ética local do instituto também foi obtida.
Todos os dados foram compilados utilizando o programa Excel para Windows (Microsoft Corporation, USA). Para as análises descritivas, a média foi utilizada para variáveis métricas e porcentagem para variáveis categóricas.
As variáveis escolhidas para comparação entre FOA e PVDO foram assimetria frontal e necessidade de procedimentos craniofaciais adicionais de acordo com o sistema de classificação Whitaker; volume sanguíneo por quilograma transfundido e tempo de internação, de acordo com o teste t de Student. Valores de P<0,05 foram considerados estatisticamente significativos.
Resultado
O presente estudo incluiu 23 pacientes com síndrome de Apert submetidos a FOA ou PVDO entre 2007 e 2019. Durante o período do estudo, um total de nove pacientes foram submetidos a FOA e um total de 14 pacientes foram submetidos a PVDO. O avanço anterior médio para FOA foi de 14,61±5,21mm, e o avanço posterior médio para PVDO foi de 19,04±3,27mm. A média de internação hospitalar para FOA foi de 5,75±1,58 dias e 4,57±1,63 dias para PVDO. O volume sanguíneo médio transfundido para pacientes FOA foi 47,77±9,42 ml/Kg., e o volume sanguíneo médio transfundido para pacientes PVDO foi 22,75± 10,31ml/Kg.(Tabela 1 Suplementar).
Os pacientes submetidos à FOA foram classificados quanto à assimetria da fronte pelo sistema de classificação de Whitaker como tipo II (n=4) 44,4%, tipo III (n=2) 22,2% e tipo IV (n=3) 33,3%.
Os pacientes submetidos a PVDO (n=14) foram classificados quanto à assimetria da fronte pelo sistema de classificação de Whitaker como tipo I (n=5) 35,7%, tipo II (n=7)50% e tipo III (n=2) 14,3%. Nenhum dos pacientes submetidos a PVDO foi classificado como tipo IV (Tabela 2 Suplementar). Houve diferenças estatisticamente significativas entre os pacientes FOA e PVDO quanto ao grau de assimetria da fronte e necessidade de procedimentos craniofaciais subsequentes (p<0,05). Figuras 1-5.
Discussão
Dentro da escada reconstrutiva do tratamento cirúrgico para pacientes com síndrome de Apert, uma das etapas mais importantes é determinar o tipo apropriado de avanço do terço médio da face a ser realizado. Ao examinar possíveis candidatos ao avanço do terço médio da face, os cirurgiões craniofaciais devem levar em consideração as características clínicas da síndrome de Apert, que são as principais preocupações dos pacientes, e considerar técnicas cirúrgicas que não apenas melhorarão a função, mas também alcançarão o máximo benefício estético.
Além da presença de pressão intracraniana elevada e apneia obstrutiva do sono, os pacientes Apert e seus familiares têm as maiores preocupações em relação ao hipertelorismo e estrabismo, inclinação para baixo da fissura palpebral e inclinação reversa cantal (onde o canto lateral está localizado abaixo do canto medial), assimetria da fronte, irregularidades, retrusão, exorbitismo, comprimento do nariz (que geralmente é curto em pacientes Apert), retrusão maxilar e discrepância na relação maxilo-mandibular.
Embora o avanço em monobloco seja um procedimento cirúrgico eficaz que trata a maioria das características acima, este está associado a uma alta taxa de complicações. Os procedimentos subcranianos que apresentam taxas de complicações mais baixas quando comparados ao avanço monobloco são Le Fort III e Le Fort II com reposicionamento zigomático, e esses procedimentos também podem alcançar resultados ideais. Dependendo do grau de assimetria (por meio de irregularidades ósseas) da fronte, a realização de procedimentos subcranianos específicos também pode necessitar de procedimentos adicionais para melhorar o contorno da fronte. Apesar de lipoenxertia ser considerada, pacientes Apert são frequentemente muito magros como consequência da apneia obstrutiva do sono e dos esforços relacionados para respirar, dificultando a coleta do enxerto. Como alternativa à lipoenxertia, Hopper e colaboradores utilizaram um implante customizado na testa, simultâneo ao Le Fort II e ao reposicionamento zigomático, e mantiveram o paciente intubado por dois dias para permitir o selamento dos tecidos moles e diminuir a comunicação entre as cavidades oral e nasal e a fronte , a fim de reduzir a probabilidade de infecção do implante.
Deve-se observar que nenhum dos pacientes deste estudo submetidos a PVDO posteriormente apresentou assimetria importante na testa, e a grande maioria desses pacientes com PVDO foi classificada como Whitaker I ou II. É nossa hipótese que mesmo no grupo PVDO (cujas frontes não foram tratadas), a mutação FGFR2 desempenhou um papel importante na assimetria frontal.
Por outro lado, 55,5% dos pacientes submetidos à FOA (Whitaker tipos III e IV), necessitarão de avanço monobloco para remodelar simultaneamente a fronte ou de um segundo procedimento para melhorar o contorno da fronte, caso o avanço subcraniano seja escolhido.
É provável que a desvascularização óssea durante o procedimento FOA para pacientes com menos de um ano de idade, associada ao crescimento anormal da testa e orbitas tenha resultado em assimetria típica da testa de Apert, caracterizada por uma faixa rasa de osso entre a banda orbital e o osso frontal. Vale ressaltar que formas graves de deformidade frontal não foram observadas em pacientes submetidos a OVP. Embora o avanço do terço médio da face não tenha sido realizado nos pacientes submetidos a PVDO, levantamos a hipótese de que a ausência de pressão intracraniana elevada, combinada com um formato adequado da fronte (sem grandes irregularidades e craniolacunias), apoiaria a realização de procedimentos subcranianos. Ter uma fronte lisa e simétrica no pós-operatório pode reduzir a necessidade de operações adicionais para melhorar o formato da mesma.
A quantidade de avanço da abóbada craniana (anterior no FOA versus posterior no PVDO) foi significativamente maior nos pacientes submetidos ao PVDO e possivelmente gerou maior volume craniano, embora essa variável não tenha sido medida em nosso estudo.
Maior volume craniano após PVDO foi previamente avaliado por outros autores que corroboram essa possibilidade. O tempo de internação hospitalar foi semelhante entre pacientes com FOA e PVDO, mas o volume de transfusão de sangue para pacientes com FOA foi maior que o volume de transfusão de sangue para pacientes submetidos a PVDO.
A PVDO representa um grande avanço na cirurgia craniofacial e potencialmente melhorará os resultados estéticos finais. Os pacientes deste estudo submetidos à PVDO apresentaram assimetria do contorno inferior da fronte no pós-operatório e contorno frontal mais previsível do que aqueles pacientes submetidos à FOA.
Conclusão
Este estudo não é isento de limitações. Os resultados foram comparados retrospectivamente, e os pacientes Apert submetidos à FOA foram acompanhados por um período de tempo mais longo do que os pacientes submetidos ao PVDO. Para reduzir esse possível viés, selecionamos fotografias de pacientes em estágios semelhantes de acompanhamento, com discrepância mínima de idade de no máximo 6 meses entre as fotografias.
Outra limitação é o tamanho da amostra. Considerando que tínhamos mais de 85 pacientes Apert em tratamento e acompanhamento em nossa instituição, excluímos os pacientes encaminhados para reconstrução da mão ou avanço da face média e aqueles pacientes cuja FOA, ou qualquer outra cirurgia craniofacial, foi realizada em outro local.
Apesar das limitações acima, este é o primeiro estudo a avaliar a assimetria do contorno frontal em uma coorte de pacientes com Apert, e revela que o PVDO resultou em melhor simetria da fronte do que o FOA, e menor necessidade de procedimentos futuros na região da mesma, e esclarece a importância da avaliação longitudinal do paciente com acompanhamento desde a infância até a maturidade seguindo um protocolo validado para alcançar resultados funcionais máximos, sem negligenciar a estética do paciente.
Concluindo, o PVDO resulta em redução da assimetria do contorno da fronte no pós-operatório.
Referências
1. Taylor JA, Bartlett SP. What's New in Syndromic Craniosynostosis Surgery?
Plast Reconstr Surg. 2017;140:82e-93e.
2. Allam KA, Wan DC, Khwanngern K, et al. Treatment of apert syndrome: a
long-term follow-up study. Plast Reconstr Surg. 2011;127:1601-11.
3. Marucci DD, Dunaway DJ, Jones BM, Hayward RD. Raised intracranial pressure in Apert syndrome. Plast Reconstr Surg. 2008;122:1162-8; discussion 9-70.
4. Raposo-Amaral CE, Denadai R, Oliveira YM, Ghizoni E, Raposo-Amaral CA.
Apert Syndrome Management: Changing Treatment Algorithm.
Palavras Chave
APERT; PVDO; FOA
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Instituto de cirurgia plástica e craniofacial, Hospital SOBRAPAR - São Paulo - Brasil
Autores
BRUNA BERTECHINE GONZALEZ MAYEDA, CASSIO EDUARDO RAPOSO-AMARAL, ANDRÉ JOSÉ YABAR ALFARO, MARCELA COSTA VICENZI LEMES, MATEUS LACERDA MEDEIROS DA SILVA