Dados do Trabalho
Título
RECONSTRUÇAO NASAL IMEDIATA: O PAPEL DO SEPTO EM DEFEITOS ALARES COMPLEXOS
Resumo
INTRODUÇÃO: O nariz é uma estrutura central da face com grande importância estética e funcional. Possui alta incidência de tumores cutâneos, o que torna essencial o conhecimento das técnicas de reconstrução. OBJETIVO: Avaliar o uso das estruturas do septo nasal na reconstrução imediata, especificamente em casos oncológicos com defeitos alares complexos. MÉTODO: Análise prospectiva observacional de casos operados no período de Março a Abril de 2024, durante o estágio em reconstrução oncológica no ICESP do serviço de residência médica em Cirurgia Plástica do HCFMUSP. Adicionalmente, foi realizada uma revisão sistemática da literatura utilizando o PubMed como banco de dados. De forma auxiliar, foi utilizado o software de inteligência artificial Research Rabbit, o qual elenca estudos de acordo com o impacto e nível de evidência científica. RESULTADO: Foram analisados três casos de reconstrução nasal imediata usando as estruturas do septo nasal. As técnicas utilizadas foram: enxertia de cartilagem septal para estruturação de asa nasal; retalho mucopericondrial para reconstrução de defeito em forro nasal; retalho condromucoso contralateral para reconstrução do forro e sustentação nasal. Todos os casos necessitaram de extensa cobertura em dorso nasal, foi utilizado o retalho médio-frontal para a reconstrução. DISCUSSÃO: A reconstrução em defeitos alares complexos é desafiadora, pois envolve a restauração da estrutura tridimensional, da função nasal e da estética. O septo nasal é uma estrutura fundamental na reconstrução desses defeitos. CONCLUSÃO: O septo nasal fornece enxerto cartilaginoso, retalho mucopericondrial e condromucoso, os quais são consolidados na reconstrução do forro e estruturação nasal. Apresenta menor morbidade na área doadora, evita a manipulação de múltiplos sítios cirúrgicos, é uma técnica amplamente reproduzida, proporciona resultados estéticos e funcionais satisfatórios.
Introdução
O nariz é uma estrutura central da face, apresenta grande importância estética e funcional. Devido ao seu formato tridimensional e à fotoexposição, constitui a região da face com maior vulnerabilidade a tumores de pele, podendo apresentar 25% das lesões malignas cutâneas de cabeça e pescoço, sendo também a localização com maiores taxas de recidiva.1 Garantir bons resultados na reconstrução oncológica nasal torna-se essencial na formação do Cirurgião Plástico.
Um defeito nasal complexo requer a reconstrução da mucosa interna do forro, a porção cartilaginosa e o contorno cutâneo. Além das características estéticas, é importante se atentar aos aspectos funcionais das válvulas nasais e à patência da via respiratória.2
Bons resultados podem ser obtidos com a segmentação do nariz em subunidades topográficas, as quais podem ser divididas em dorso, ponta, asas, paredes laterais, triângulos luminosos e columela. Outro aspecto importante é se atentar à distribuição estratégica das cicatrizes entre as estruturas côncavas e convexas que compõem o nariz. A reconstrução de cada subunidade é essencial para criar o contorno característico dessa região da face.3
Objetivo
O objetivo do estudo é analisar as técnicas cirúrgicas e o uso das estruturas do septo nasal na reconstrução imediata, especificamente em casos oncológicos com defeitos alares complexos.
Método
Como piloto para o estudo, foi realizada uma análise prospectiva observacional de casos operados no período de Março a Abril de 2024, durante o estágio em reconstrução oncológica no ICESP do serviço de residência médica em Cirurgia Plástica do HCFMUSP. A análise englobou casos de ressecção e reconstrução imediata, além de cirurgias de retoque oriundas de reconstruções imediatas prévias ao período analisado. Inclui pacientes oncológicos com defeitos cirúrgicos complexos, em espessura total, onde foram utilizadas as estruturas do septo nasal na reconstrução.
Em seguida, foi realizada uma revisão sistemática da literatura através da pesquisa de termos descritivos utilizando o PubMed como banco de dados. O termo 'nasal reconstruction' foi associado aos termos correspondentes às derivações do septo nasal mais comumente utilizadas na reconstrução nasal: 'septal cartilage' (1150 resultados), 'mucoperichondrial flap (74 resultados) e 'chondromucosal flap' (45 resultados). Posteriormente, os trabalhos foram selecionados com base na pertinência ao tema deste estudo, com foco em reconstrução nasal de defeitos alares complexos após ressecção oncológica. Foram excluídos os estudos com foco em reconstrução em fendas labiais, estudos de complicações após rinoplastia e estudos que não utilizam o septo nasal. A extração dos dados foi realizada de forma independente através do título, resumo e texto completo dos trabalhos, conforme os critérios de elegibilidade.
Adicionalmente, a seleção das referências bibliográficas foi aprimorada com o software de inteligência artificial Research Rabbit, o qual utiliza o banco de dados do PubMed para mapear a rede de citações dos artigos e elenca os estudos de acordo com o impacto e nível de evidência científica em determinado assunto. Este processo resultou em uma ampla gama de fontes confiáveis e relevantes para embasar as discussões apresentadas neste trabalho.
Resultado
O primeiro caso (Figura 1) corresponde a uma paciente de 71 anos, sexo feminino, diagnosticada com um carcinoma basocelular padrão metatípico infiltrativo em asa nasal direita, um subtipo de maior agressividade. Notou o crescimento progressivo da lesão há 2 anos, previamente havia ressecado uma lesão em asa nasal esquerda há 6 anos em serviço externo, sem reconstrução. Ao exame físico, notava-se uma lesão de 2cm x 1,5cm, englobando a asa nasal direita e adjacente ao sulco nasogeniano, sem aderência a planos profundos. Foi realizado estadiamento com tomografia de pescoço e face, mostrando envolvimento da asa nasal em espessura total e ausência de erosões ou esclerose óssea, além de sinais de manipulação cirúrgica no septo nasal cartilaginoso. A ressecção cirúrgica envolveu uma margem tridimensional de 0,5cm englobando espessura total. A peça foi enviada para análise anatomopatológica de congelação, resultando em margens livres de neoplasia.
Em seguida, foi realizada a reconstrução. O achado cirúrgico inicial foi de uma hemirrinectomia à direita com amputação de asa e parede nasal lateral em plano total, mantendo dorso e columela íntegros, o septo nasal encontrava-se exposto. Visto o grande defeito, foi optado pela realização de um retalho nasogeniano para reconstrução do forro nasal e um retalho medio-frontal para a cobertura do dorso. Para estruturação da asa nasal, foi utilizado um enxerto de cartilagem septal de 1cm x 1,5cm. A coleta da cartilagem foi feita mantendo uma estrutura em L para sustentação do septo cartilaginoso remanescente. Para manter o contorno da asa nasal, foi realizado ponto captonado. A paciente evoluiu bem, recebeu alta no primeiro dia de pós-operatório.
O segundo caso (Figura 2) corresponde a um paciente de 47 anos, sexo masculino, também diagnosticado com um carcinoma basocelular padrão infiltrativo em dorso nasal à esquerda. A lesão era úlcera-infiltrativa, de 4cm x 4cm, infiltrando o dorso e asa nasal esquerda com acometimento do forro, sem ultrapassar a linha média. O estadiamento também mostrou uma lesão localizada sem acometimento ósseo. A excisão de lesão envolveu uma margem tridimensional de 1cm, a qual foi posteriormente ampliada na porção medial superior por comprometimento na análise anatomopatológica de congelação.
Após a confirmação de margens livres de neoplasia, o defeito final foi de 5cm x 5,5cm. Foi realizada ressecção em espessura total à direita, o defeito ultrapassava a linha média com preservação do septo nasal. O forro foi reconstruído com um retalho mucopericondrial ipsilateral em em dobradiça. Foi optado por um retalho médio-frontal para cobertura cutânea do dorso, o qual possibilitou boa estruturação da asa visto que a derme do paciente era espessa. Para manter a abertura da via aérea, também foi suturado um fragmento de tubo nasal. Em três meses, foi realizado um emagrecimento do retalho frontal. Após 8 meses da cirurgia inicial, foi realizada a liberação do pedículo do retalho médio-frontal e novo emagrecimento. O paciente evoluiu bem após os procedimentos, apresentando bom resultado estético e funcional.
O terceiro caso (Figura 3) corresponde a uma paciente de 47 anos, sexo feminino, diagnosticada com um carcinoma basocelular padrão nodular em transição de dorso e ponta nasal. Há seis anos, foi submetida a ressecção de uma lesão semelhante em serviço externo, a reconstrução foi por fechamento primário. No episódio atual, a lesão media 1.8cm x 1.3cm, o estadiamento tomográfico revelava invasão em plano do subcutâneo e cartilagem alar direita, sem comprometimento do septo. A ressecção cirúrgica envolveu uma margem tridimensional de 1cm englobando a cartilagem alar direita. A análise anatomopatológica de congelação resultou em margens livres de neoplasia.
Subsequente, a reconstrução foi feita com um retalho condromucoso do septo nasal em dobradiça para o forro e parede lateral direita do nariz, acompanhado de um retalho médio-frontal para cobertura cutânea do dorso. A paciente evoluiu bem, recebeu alta no primeiro dia de pós-operatório.
Discussão
Durante a ressecção de um tumor nasal, o septo pode ser dissecado em diferentes graus, o que acaba facilitando o acesso às estruturas septais. Essa região oferece boa quantidade e qualidade de tecidos, além da facilidade de acesso, portanto, é uma alternativa muito versátil na reconstrução nasal.4
A estruturação do dorso nasal deve levar em conta a espessura da derme e a etnia do paciente. É sabido que a combinação de um retalho médio-frontal com um enxerto de cartilagem gera excelentes resultados.7 No entanto, ao se analisar especificamente pacientes asiáticos, foram observados bons desfechos estéticos e funcionais sem o uso de estruturação cartilaginosa. Isso se deve ao fato de que esse grupo possui uma derme mais espessa e compacta do que a da pele caucasiana.8
O enxerto de cartilagem septal pode ser utilizado para estruturar a ponta nasal, reconstruir o revestimento interno, reforçar a asa nasal e restaurar o contorno na região alar, o que proporciona manutenção da simetria no pós-operatório.9
Os trabalhos de Burget e Menick na descrição de retalhos axiais do revestimento intranasal septal para cobertura do forro revolucionaram a reconstrução nasal. O retalho mucopericondrial é fino, flexível e altamente vascularizado, isso favorece a colocação de enxertos primários de cartilagem como molde dos retalhos de dorso já no momento da transferência.4 Esse conhecimento foi essencial para o desenvolvimento de técnicas de reconstrução imediata, a qual torna menos estigmatizante as ressecções oncológicas no nariz.
Os retalhos septais compostos por mucosa, sejam eles mucopericondriais ou condromucosos, apresentam a vantagem de serem bem vascularizados e delgados. Portanto, são funcionalmente superiores às reconstruções de forro com retalhos cutâneos, visto que geram menor resistência ao fluxo de ar.11
Segundo técnica descrita por DeQuervain em 1902, as grandes reconstruções do forro nasal, como após uma hemirrinectomia, podem ser realizadas com retalho mucopericondrial ipsilateral baseado no ramo septal da artéria labial superior, combinado com retalho condromucoso contralateral dorsalmente baseado em ramos do vasos etmoidais superiores.12
Conclusão
A reconstrução nasal deve ser feita seguindo as subunidades topográficas, garantindo um bom contorno nasal. Frequentemente excisada no tratamento cirúrgico de tumores, a asa nasal é um elemento importante na anatomia local que deve ser reconstruída seguindo princípios básicos: uma cobertura com pele de características semelhantes à adjacente, um forro nasal que garanta a cobertura interna e a estruturação local proporcionando um bom resultado funcional.
O septo nasal fornece enxerto cartilaginoso, retalho mucopericondrial e condromucoso, os quais são consolidados na reconstrução do forro e estruturação nasal. Apresenta menor morbidade na área doadora, evita a manipulação de múltiplos sítios cirúrgicos, é uma técnica amplamente reproduzida, proporciona resultados estéticos e funcionais satisfatórios.
Referências
1- Herford AS, Zide MF. Reconstruction of superficial skin cancer defects of the nose. J Oral Maxillofac Surg. 2001;59(7):760-767. doi:10.1053/joms.2001.24290
2- Bhrany AD. Complex nasal reconstruction: a case study: reconstruction of full-thickness nasal defect. Facial Plast Surg Clin North Am. 2011;19(1):183-195. doi:10.1016/j.fsc.2010.10.007
3- Burget GC, Menick FJ. The subunit principle in nasal reconstruction. Plast Reconstr Surg. 1985;76(2):239-247. doi:10.1097/00006534-198508000-00010
4- Burget GC, Menick FJ. Nasal support and lining: the marriage of beauty and blood supply. Plast Reconstr Surg. 1989;84(2):189-202. doi:10.1097/00006534-198908000-00001
5- Menick FJ. A 10-year experience in nasal reconstruction with the three-stage forehead flap. Plast Reconstr Surg. 2002;109(6):1839-1861. doi:10.1097/00006534-200205000-00010
6- Spataro E, Branham GH. Principles of Nasal Reconstruction. Facial Plast Surg. 2017;33(1):9-16. doi:10.1055/s-0036-1597949
7- Menick FJ. Nasal reconstruction. Plast Reconstr Surg. 2010;125(4):138e-150e. doi:10.1097/PRS.0b013e3181d0ae2b
8- Funayama E, Yamamoto Y, Furukawa H, et al. Full-Thickness Entire Nasal Alar Reconstruction Using a Forehead Flap in Asians: No Cartilaginous Infrastructural Lining Is Necessary. J Craniofac Surg. 2017;28(3):734-737. doi:10.1097/SCS.0000000000003389
9- Qian C, Yaodong X, Xiaoming H, Shaochong F, Yiqing Z. Repair of full-thickness alar defects. Dermatol Surg. 2012;38(10):1639-1644. doi:10.1111/j.1524-4725.2012.02494.x
10- Godley FA. Nasal septal anatomy and its importance in septal reconstruction. Ear Nose Throat J. 1997;76(8):498-506.
11- Weber SM, Wang TD. Options for internal lining in nasal reconstruction. Facial Plast Surg Clin North Am. 2011;19(1):163-173. doi:10.1016/j.fsc.2010.10.005
12- Weissheimer L. Retalhos intranasais em reconstrução do forro nasal. Arquivos Catarinenses de Medicina. 2007; Volume 36 - Suplemento 01.
Palavras Chave
Neoplasias cutâneas; nariz; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HCFMUSP - São Paulo - Brasil, Instituto do Câncer do Estado de São Paulo - ICESP - São Paulo - Brasil
Autores
TARCISIO JUNIOR BITTENCOURT MACEDO, CARLOS VASQUEZ ANDRADE, RAFAEL DA SILVA MENDES, CAIO AUGUSTO LIMA DE ARAÚJO