60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

RETALHO DE GASTROCNEMIO MEDIAL E LATERAL EM MESMO TEMPO CIRURGICO: UM RELATO DE CASO

Resumo

As complicações resultantes de lesões traumáticas e infecções pós-operatórias frequentemente exigem intervenções cirúrgicas mais complexas para garantir a cobertura adequada de tecidos nobres ou materiais de osteossíntese. Em diversas situações, torna-se necessário o uso de retalhos musculares para cobrir a área exposta, quando o fechamento primário ou o uso de enxertos é contraindicado, reduzindo assim maiores complicações.
O retalho de gastrocnêmio possui um único pedículo vascular (artéria sural, ramo da artéria poplítea) que divide-se para cada ventre, o medial e o lateral e este tipo de retalho é frequentemente empregado na reconstrução do terço proximal da perna e do joelho.
Na maioria dos casos, somente o uso de um dos ventres musculares é necessário para cobertura da lesão do paciente. Porém, neste relato de caso, descreveremos o manejo de um paciente que sofreu um acidente de moto resultando em fratura do planalto tibial esquerdo com exposição do material de osteossíntese em dois locais distintos do membro inferior esquerdo (região tibial anterior e lateral), o que exigiu a intervenção da equipe de cirurgia plástica e retalho dos dois ventres do músculo gastrocnêmio, em mesmo tempo cirúrgico, visto que a utilização de apenas um deles não seria suficiente para cobrir totalmente a região exposta.
Essa abordagem cirúrgica abrangente e de duplo retalho representa uma contribuição valiosa para a literatura médica, destacando-se pela sua abordagem ampla, segura e pelos benefícios nos resultados clínicos para pacientes com mais de uma exposição de estruturas nobres ou de materiais de osteossíntese em região proximal da perna.

Introdução

As complicações resultantes de lesões traumáticas e infecções pós-operatórias representam desafios significativos na prática clínica, como o risco de deiscência cirúrgica e infecção sistêmica, frequentemente exigindo intervenções cirúrgicas especializadas para garantir a recuperação adequada dos pacientes. Em lesões nos membros inferiores, decorrentes de traumas de alta energia e com exposição de estruturas nobres, como osso e tendão, torna-se necessário o uso de retalhos musculares para cobrir a área exposta, quando o fechamento primário ou o uso de enxertos é contraindicado, reduzindo assim os riscos mencionados.
Os retalhos de gastrocnêmio, conforme detalhado por Mathes e Nahai, é um retalho muscular do Tipo I, que possui um único pedículo vascular (artéria sural, ramo da artéria poplítea) que divide-se para cada ventre, o medial e o lateral ¹. Esse tipo de retalho é frequentemente empregado na reconstrução do terço proximal da perna e do joelho ² ³.
Na maioria dos casos, somente o uso de um dos ventres musculares é necessário para cobertura da lesão do paciente. Porém, neste relato de caso, descreveremos o manejo de um paciente que sofreu um acidente de moto resultando em fratura do planalto tibial esquerdo com exposição do material de osteossíntese em dois locais distintos do membro inferior esquerdo (região tibial anterior e lateral), o que exigiu a intervenção da equipe de cirurgia plástica e retalho dos dois ventres do músculo gastrocnêmio, em mesmo tempo cirúrgico, visto que a utilização de apenas um deles não seria suficiente para cobrir totalmente a região exposta.

Objetivo

Este relato de caso tem como objetivo descrever e avaliar a aplicação simultânea do retalho de gastrocnêmio medial e lateral para a cobertura de ferimentos distintos, porém próximos, da região superior da perna, em um mesmo tempo cirúrgico. .
A relevância do estudo reside na documentação da técnica cirúrgica utilizada, sua eficácia em proporcionar uma cobertura robusta e vascularizada, e em prevenir complicações associadas à exposição prolongada de implantes metálicos, como infecção e falha do dispositivo.

Método

Realização de um relato de caso conforme informações obtidas por meio de revisão do prontuário, registro fotográfico e revisão da literatura. A seguir, detalharemos o procedimento cirúrgico realizado, os resultados obtidos e as considerações relevantes sobre o uso dos retalhos de gastrocnêmio em situações clínicas como a apresentada.

Resultado

O paciente A.M.C.N, do sexo masculino, hipertenso controlado, com 49 anos de idade, foi vítima de um acidente moto x auto, resultando em atendimento de emergência devido à fratura do planalto tibial do membro inferior esquerdo. Após avaliação inicial, a equipe ortopédica do hospital realizou a fixação da fratura com placas metálicas de síntese (FIGURA 1) e fechamento primário da pele do local acometido, porém a mesma já apresentava-se mais fragilizada devido ao acometimento no acidente. Após 3 semanas da cirurgia, o paciente desenvolveu deiscência da ferida operatória e perda de substância na região ântero-lateral da tíbia, acompanhada de infecção do sítio cirúrgico por MRSA, expondo o material de osteossíntese nos dois locais de deiscência (FIGURA 2 e FIGURA 3).
Diante dessa complicação, o paciente foi encaminhado ao serviço de Cirurgia Plástica, onde foi iniciado antibioticoterapia guiada por cultura (Sulfametoxazol 400mg + trimetoprima 80mg de 8/8h), nutrição perioperatória adequada, tratamento de anemia ferropriva e decidido realizar a cobertura das lesões com exposição das placas metálicas, utilizando ambos os ventres musculares do gastrocnêmio.
Durante a cirurgia, o paciente foi posicionado em decúbito lateral direito, mantendo o membro inferior esquerdo apoiado em coxim e livre para movimentação, e recebeu raquianestesia com a devida sedação para o procedimento. Em seguida, realizou-se a assepsia e antissepsia da área cirúrgica, seguida pela colocação de campos estéreis para garantir a esterilidade do ambiente operatório. As margens dos retalhos de gastrocnêmio lateral e medial foram marcadas de acordo com a anatomia da região do membro inferior esquerdo, e a área de incisão marcada etre os dois ventres musculares.
Após o debridamento da área receptora, que incluía a região tibial anterior e lateral esquerda, removendo todo o tecido necrótico e preparando-a para receber os retalhos, uma incisão com lâmina fria foi feita sobre a marcação entre os ventres musculares do gastrocnêmio. A dissecção foi realizada até a fáscia muscular do gastrocnêmio lateral e medial, com cuidado para preservar o pedículo principal, delimitando o nervo sural e a veia safena parva como limites laterais do ventre medial do músculo gastrocnêmio.
Os retalhos musculares foram liberados e elevados, contendo aproximadamente 7 cm de largura o gastrocnêmio medial e 5 cm de largura o ventre lateral. Em seguida, os retalhos foram rotacionados e tunelizados até as áreas receptoras na região tibial anterior e lateral e fixados com suturas de nylon 3-0 (FIGURA 4).
Um dreno de Penrose foi alocado na região tibial anterior para drenagem adequada. A região posterior do membro inferior esquerdo, de onde os retalhos foram obtidos, foi fechada com pontos profundos de vicryl 2-0 e a pele foi aproximada primariamente com suturas de nylon 2-0. Por fim, foi aplicado um curativo não aderente em cima dos retalhos, gaze seca, chumaço e uma atadura frouxa para proteção e absorção de exsudatos.
Já nos primeiros dias após a cirurgia, observou-se uma integração completa do retalho na área doadora, apresentando um bom aspecto de vascularização e um processo cicatricial adequado (FIGURA 5). Não foram observados sinais de infecção, trombose ou outras complicações até o sétimo dia pós-operatório. O resultado inicial foi considerado satisfatório, e o paciente encontra-se em acompanhamento ambulatorial. Uma nova abordagem está programada para a realização de um enxerto de pele parcial assim que a ferida estiver com granulação adequada.


FIGURA 1. Fixação da fratura com placas metálicas e parafusos de síntese.
FONTE: O AUTOR (2024)

FIGURA 2. Lesāo inicial - exposição de placa metálica em região tibial anterior esquerda.
FONTE: O AUTOR (2024)

FIGURA 3. Lesāo inicial - exposição de placa metálica em região tibial lateral esquerda.
FONTE: O AUTOR (2024)

FIGURA 4. Aspecto do retalho no pós operatório imediato.
FONTE: O AUTOR (2024)

FIGURA 5. Sétimo dia pós-operatório: ferida cirúrgica com ótimo aspecto de vascularização e adesão do retalho na área receptora.
FONTE: O AUTOR (2024)

Discussão

Os retalhos musculares têm sido empregados há muito tempo, e as técnicas para sua confecção têm sido aprimoradas desde a década de 80. Classificam-se de acordo com o padrão vascular da musculatura doadora, conforme detalhado por Mathes e Nahai ¹. Essa classificação baseia-se em cinco tipos padrão de circulação muscular, sendo o retalho de gastrocnêmio do Tipo I, que possui um único pedículo vascular (artéria sural, ramo da artéria poplítea) que divide-se para cada ventre, o medial e o lateral ¹.
Esse tipo de retalho é frequentemente empregado na reconstrução do terço proximal da perna e do joelho ² ³. O ventre medial do músculo gastrocnêmio apresenta um maior ângulo rotacional quando comparado ao ventre lateral, o que possibilita alcançar distâncias maiores, como a região superior do joelho, quando desinserido de sua origem. Em contrapartida, o ventre lateral possui um ângulo de rotação mais curto, mas pode ter seu tamanho ampliado em comprimento e largura ao seccionar sua aponeurose próximo ao seu pedículo ¹ ⁴ ⁵.
Ao contrário do que é visto habitualmente (um único ferimento exposto na perna com escolha do ventre medial ou lateral do gastrocnêmio para cobertura miocutânea), devido à dupla exposição de material de osteossíntese no paciente apresentado,, optou-se pelo retalho duplo, envolvendo ambos os ventres do gastrocnêmio (medial e lateral), em um único tempo cirúrgico. É importante ressaltar que a maioria dos relatos de caso publicados na literatura demonstram apenas o retalho medial ou lateral, tornando a abordagem deste trabalho significativa.
Diante do desafio clínico apresentado, a equipe de cirurgia plástica optou por utilizar a técnica de retalho de gastrocnêmio medial e lateral para cobrir as feridas expostas em um mesmo tempo cirúrgico. O retalho de gastrocnêmio medial foi rotacionado para a lesão mais distante (região tibial anterior), enquanto o retalho de gastrocnêmio lateral foi aplicado na lesão mais próxima (lateral). A decisão de utilizar um retalho muscular do gastrocnêmio para cobrir as lesões expostas foi fundamentada na viabilidade do retalho, na localização das feridas, tamanho das mesmas, e na necessidade de uma cobertura robusta e vascularizada.
A abordagem cirúrgica descrita neste relato de caso demonstra uma estratégia eficaz e valiosa para o manejo de traumas de partes moles ou complicações decorrentes de fraturas na região proximal da perna, especialmente a deiscência da ferida operatória com a exposição de material de osteossíntese. Ademais, para sucesso cirúrgico, também é necessário manejo da infecção da ferida com antibiótico guiado para maior garantia do controle infeccioso, avaliação ortopédica para avaliar a necessidade de retirada dos materiais de osteossíntese (o qual não foi necessário no caso), bem como correto manejo das comorbidades do paciente e otimização da nutrição perioperatória para boa cicatrização do retalho.
A boa integração dos retalhos na área doadora, sem evidência de complicações, reflete a eficácia e segurança da técnica cirúrgica utilizada. O resultado primário foi considerado satisfatório, proporcionando uma cobertura adequada das lesões expostas e promovendo um processo cicatricial favorável. No entanto, é importante destacar que o acompanhamento contínuo do paciente é necessário para avaliar a evolução do processo de cicatrização e detectar precocemente quaisquer complicações que possam surgir.

Conclusão

Essa abordagem cirúrgica abrangente e de duplo retalho representa uma contribuição valiosa para a literatura médica, destacando-se pela sua abordagem ampla e pelos benefícios nos resultados clínicos para pacientes com mais de uma exposição de estruturas nobres ou de materiais de osteossíntese em região proximal da perna, fornecendo insights importantes para o manejo dessas complicações clínicas complexas.

Referências

1. Carreirao, S. Cirurgia Plástica para a formação do especialista. Ed Atheneu. 2018.

2. Bibbo C. The Gastrocnemius Flap for Lower Extremity Reconstruction. Clin Podiatr Med Surg. 2020 Oct;37(4):609-619. doi: 10.1016/j.cpm.2020.07.002. PMID: 32919593.

3. Kilic A, Denney B, de la Torre J. Reconstruction of Knee Defects Using Pedicled Gastrocnemius Muscle Flap with Split-Thickness Skin Grafting: A Single Surgeon's Experience with 21 Patients. J Knee Surg. 2019 May;32(5):463-467. doi: 10.1055/s-0038-1653965. Epub 2018 May 31. PMID: 29852513.

4. Hersh CK, Schenck RC, Williams RP. The versatility of the gastrocnemius muscle flap. Am J Orthop (Belle Mead NJ). 1995 Mar;24(3):218-22. PMID: 7773665.

5. Walton Z, Armstrong M, Traven S, Leddy L. Pedicled Rotational Medial and Lateral Gastrocnemius Flaps: Surgical Technique. J Am Acad Orthop Surg. 2017 Nov;25(11):744-751. doi: 10.5435/JAAOS-D-15-00722. PMID: 29059111.

Palavras Chave

RETALHO MUSCULAR; RETALHO GASTROCNÊMIO; FERIDA MEMBRO INFERIOR

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

Hospital Universitário Cajuru - Paraná - Brasil

Autores

MARIANA EUGENIA ZACHARIAS BONFIM, NICOLLY ZENI TRENTIN, LUCAS RODRIGUES DE SOUZA, ALESSANDRO GONÇALVES GOMES ORICIL, MATHEUS LEITE FABIAN, FERNANDO KUPPER