Dados do Trabalho
Título
RETALHO MIOCUTANEO DE COURO CABELUDO PARA RECONSTRUÇAO DE EXERESE TUMORAL EM FACE: RELATO DE CASO
Resumo
Introdução: Os tumores malignos de pele são prevalentes globalmente, com a ressecção cirúrgica sendo a abordagem preferida. Em lesões faciais, a reconstrução pode ser feita por vários métodos, incluindo o retalho miocutâneo, uma opção importante para grandes defeitos. Resultado: A.M.C., 79 anos, foi diagnosticada com neoplasia maligna na região malar direita e submetida à exérese e reconstrução com retalho miocutâneo de couro cabeludo. No pós-operatório, apresentou necessidade de utilização de antibioticoterapia, evoluindo satisfatoriamente clinicamente. Conclusão: Este caso demonstra a viabilidade da reconstrução da região malar com retalho miocutâneo do couro cabeludo em pacientes idosos após a exérese de tumor maligno. A escolha de um retalho bem vascularizado, utilizando o ramo parietal da artéria temporal superficial, foi essencial para a viabilidade do tecido e recuperação da paciente. Este relato contribui para a compreensão das técnicas de cirurgia reconstrutiva oncológica, reforçando a importância de uma abordagem multidisciplinar e personalizada.
Introdução
Os tumores malignos de pele são os mais prevalentes no Brasil, com o câncer de pele não melanoma sendo o mais comum. Esses tumores são frequentemente invasivos e afetam a funcionalidade e a estética, especialmente na face. A exposição solar está associada a essas lesões, que ocorrem mais nas áreas do corpo mais expostas, como a face.[1]. Nesses casos, a ressecção cirúrgica do tumor é muitas vezes uma opção para o cirurgião, e a conduta em relação ao câncer envolve considerações não apenas sobre a natureza e a extensão deste, mas também sobre as expectativas e as preocupações do paciente em relação ao resultado estético e funcional pós-operatório[2].
As cirurgias reconstrutivas faciais após ressecção de tumores exigem habilidade e consideração meticulosa da funcionalidade e estética. O uso de técnicas como enxertos de pele, retalhos ou microcirurgia é comum para preservar as expressões faciais únicas dos pacientes. O retalho miocutâneo é uma opção eficaz, especialmente após ressecções extensas, devido à presença do músculo que auxilia na restauração funcional e mobilidade. Sua robusta vascularização promove melhor cicatrização e reduz o risco de perda do retalho.[3, 4].
Nas cirurgias reparadoras de cabeça e pescoço, o retalho miocutâneo do músculo peitoral maior é uma opção amplamente utilizada, sendo uma das principais opções devido à versatilidade, conseguindo cobrir defeitos mais extensos e mantendo-se distante de regiões potencialmente irradiadas[5]. Outro retalho miocutâneo também muito escolhido é com o músculo platisma, caracterizado por boa compatibilidade com a região receptora e baixa morbidade na receptora, sendo adequada para grande parte das deformidades em face[6]. Todavia, a escolha do retalho a ser utilizado é influenciada por diversos fatores, como idade, comorbidades, cirurgias prévias, e localização, profundidade e extensão da deformidade. Além destes, há evidência, na literatura, da eficiência do retalho médio-frontal paramediano, técnica que permite ao cirurgião a transferência de tecido frontal com mínima deformidade na área doadora, propiciando, nos casos que for uma abordagem recomendável, reconstruções esteticamente aceitáveis[7].
Nesse sentido, a reconstrução facial com retalho miocutâneo pediculado de couro cabeludo, baseado na artéria temporal superficial, é uma opção eficaz para pacientes com retalhos prévios na região receptora, onde outras opções não seriam tão satisfatórias. Esta técnica, caracterizada por robusta vascularização e ampla rotação, facilita a correção de diversas deformidades faciais. Além disso, é versátil, podendo utilizar diferentes ramos da artéria temporal superficial, como o parietal e o frontal.[8-10].
Este relato de caso descreve a ressecção de um tumor cutâneo na face de uma paciente, seguida de reconstrução com retalho miocutâneo de couro cabeludo baseado na artéria temporal superficial. Destaca os aspectos técnicos da reconstrução e as considerações clínicas relevantes. O relato sublinha a importância de uma abordagem individualizada para alcançar resultados estéticos e funcionais desejados, melhorando a qualidade de vida do paciente.
Objetivo
Este relato de caso apresenta o uso de retalho de couro cabeludo para reconstrução malar após exérese de tumor de pele, destacando o método cirúrgico, repercussões clínicas e seguimento pós-operatório.
Método
Estudo descritivo de caso de paciente submetida à exérese de tumor facial com retalho miocutâneo de couro cabeludo. A paciente autorizou a publicação após ler e assinar o termo de consentimento, que incluía informações sobre as propostas cirúrgicas, possíveis complicações e permissão para publicação de fotografias para fins científicos.
Resultado
A.M.C., 79 anos, sexo feminino, sem comorbidades, natural de Bonito-PE, foi diagnosticada com neoplasia maligna de pele (CID C44) na região malar direita, acometendo asa nasal e dorso nasal ipsilaterais (Figura 01). Admitida no Hospital das Clínicas - UFPE em 15/05/2024, 3 semanas após autonomização do retalho miocutâneo de couro cabeludo, baseado no ramo parietal da artéria temporal superficial, para exérese da tumoração e subsequente reconstrução, recebendo alta em 17/05/2024.
No primeiro tempo cirúrgico, realizou-se a marcação do retalho (Figura 2.A), com subsequente autonomização do retalho (Figura 2.B). Ao final do primeiro tempo, foi realizada a sutura do retalho no leito doador (Figura 2.C). No segundo tempo, a exérese do tumor na hemiface direita foi feita com margem de segurança em regiões caudal, lateral e infra-palpebral (Figura 3). O material foi enviado para análise histopatológica. O retalho miocutâneo foi rotacionado para o leito receptor (Figura 4) e fixado com fio Nylon 5-0. Foram feitos pontos captonados para prevenir retração e alargamento do leito doador (Figura 5.B). As cirurgias ocorreram sem perdas sanguíneas e intercorrências significativas.
No 5º dia pós-operatório, a paciente estava em tratamento com Cefadroxila, sem febre ou dores significativas, mas com discreta hiperemia e secreção serohemática no retalho. A antibioticoterapia foi alterada para Ciprofloxacina e Clindamicina. O retalho apresentou boa perfusão e a cicatrização do leito doador aconteceu em processo fisiológico. Na avaliação ambulatorial em 03/06/2024, a paciente teve evolução clínica satisfatória, com melhora da inflamação e ausência de secreção serohemática.
Figura 1 - Lesão de neoplasia de pele na região malar direita, asa nasal direita e dorso nasal.
Figura 2 - 2.A: Marcação com verde brilhante da área do retalho. 2.B: Autonomização do retalho miocutâneo de couro cabeludo. 2.C: Sutura do retalho no leito doador para amenizar retração dos bordos do leito doador, ao final do primeiro tempo da cirurgia.
Figura 3: Exérese da lesão na hemiface direita.
Figura 4: Transposição do retalho miocutâneo para o leito receptor.
Figura 5 - 5.A: Pós-operatório (5º dia): discreta hiperemia na região da ferida operatória, com saída de secreção serohemática e presença de fibrina na borda do retalho. 5.B: Pós-operatório (5º dia): bordas da ferida operatória do leito doador aproximadas a partir de pontos de sutura captonados.
Discussão
A reconstrução da região malar direita pós exérese de neoplasia cutânea maligna em uma paciente idosa, de fototipo 1 e pele com bastante fotodano, Queratose Actínica e áreas cicatriciais à exérese de neoplasias cutâneas prévias, apresentou alta complexidade, porém, foi resolvida com a escolha de um retalho miocutâneo de couro cabeludo, irrigado pelo ramo parietal da artéria temporal superficial, garantindo a viabilidade e perfusão do retalho, essenciais para a recuperação bem-sucedida.[11]
Em casos de reconstrução de face de defeitos de diferentes portes, a escolha principal seria um retalho de tecido mole local ou a transferência de tecido adjacente, como o retalho médio-frontal paramediano, muito utilizado em reconstruções faciais[12] e considerado versátil e confiável devido à sua cor, textura, baixa morbidade e bom resultado estético, além de apresentar uma taxa muito baixa de complicações, capazes de serem resolvidas com antibioticoterapia e manejo cirúrgico conservador.[13]
No caso relatado, a partir da escolha do retalho de couro-cabeludo, é importante levantar a discussão das diferenças entre a pele que recobre a região da gálea, da pele que recobre a região da face, sendo o primeiro em grande parte imóvel em comparação ao tecido cutâneo facial, que apresenta maior mobilidade e formação de linhas de tensão importantes para a mímica facial.[12] Assim, geralmente, vê-se a escolha de outros retalhos com características de maior semelhança nas cirurgias reconstrutoras de face, a fim da obtenção de melhores resultados estético-funcionais. A escolha do retalho miocutâneo de couro cabeludo, em vez do retalho médio-frontal, foi necessária devido a lesões metaplásicas e tecido cicatricial na fronte da paciente, resultantes de cirurgias anteriores para remover lesões malignas.
O retalho preconizado foi dissecado, elevando a fáscia parieto-occipital superficial direita, nutrida pela artéria temporal superficial direita, sendo transposto para região malar ipsilateral, alongando o pedículo proximalmente em direção à origem da artéria supracitada. A parte distal do retalho foi projetada sobre a área receptora, pós-ressecção da lesão e fixada com sutura.
Devido à pele do couro cabeludo possuir predomínio de colágeno tipo I, que proporciona maior resistência e estrutura, e uma baixa concentração de colágeno tipo III e elastina, o tecido cutâneo desta região apresenta maior risco para contrações secundárias e afastamento dos bordos da ferida operatória, sendo escolhido a manutenção da largura do leito receptor com a aproximação a partir de pontos captonados.
No período pós-operatório imediato, a paciente foi tratada de forma profilática com Cefadroxila, cefalosporina de primeira geração que cobre microorganismos GRAM positivos e GRAM negativos, muito usada para prevenir infecções de pele e tecidos moles, complicação comum em cirurgias reconstrutoras na prática da Cirurgia Plástica. Apesar da ausência de febre ou dor, a presença de hiperemia, secreção serohemática e fibrina no retalho indicou inflamação, exigindo monitoramento rigoroso. A alteração do antibiótico para Ciprofloxacina e Clindamicina levou à melhora da inflamação e reduziu a secreção, destacando a importância de ajustes terapêuticos contínuos.[11] A antibioticoterapia em associação de Ciprofloxacino e Clindamicina proporciona uma cobertura antimicrobiana ainda mais ampla, devido aos diferentes espectros de ação e mecanismos de ação, cobrindo infecções de microrganismos aeróbios e anaeróbios.
A boa perfusão do retalho e a ausência de sinais isquêmicos indicaram que a escolha do retalho miocutâneo do couro cabeludo foi apropriada. A evolução clínica favorável até 3 de junho de 2024, com redução da inflamação e ausência de secreção serohemática, confirmou a eficácia desta abordagem.[11]
Conclusão
A reconstrução malar com retalho miocutâneo de couro cabeludo após exérese de tumor maligno mostrou-se viável na paciente. O uso do ramo parietal da artéria temporal superficial foi crucial para a viabilidade da cirurgia. A escolha do retalho com componente muscular garantiu funcionalidade e conforto. Este caso destaca a importância de uma abordagem multidisciplinar e personalizada na cirurgia reconstrutiva oncoplástica.
Referências
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Palavras Chave
Cirurgia Reconstrutiva; Retalho Miocutâneo; Neoplasia cutâneas
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
HOSPITAL DAS CLÍNICAS - UFPE - Pernambuco - Brasil
Autores
HELENA GABRIELE ALVES CASTRO, MATHEUS SANTANA BELEM, ARTHUR RODRIGUES CARDOSO, ANA PAULA DE SOUZA MOITA, LEONARDO LIMA CORRÊA DE ARAÚJO, ISABELA DE OLIVEIRA MACHADO