60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

FERIDA COMPLEXA DE FACE COM INJURIA DO NERVO FACIAL, MANEJO POR MULTIPLAS SUBESPECIALIDADES DA CIRURGIA PLASTICA EM HOSPITAL QUATERNARIO DE SAO PAULO, RELATO DE CASO

Resumo

Introdução: A paralisia facial tem no trauma uma etiologia significativa, especialmente nas populações mais jovens. A paralisia facial resulta em distorções estéticas e comprometimentos funcionais, afetando atividades como fala, mastigação e proteção ocular, além de déficits sensoriais que impactam o paladar, o toque e as secreções das glândulas salivares. Estima-se que 20 em cada 1000 pacientes tratados anualmente nos EUA sejam afetados por paralisia facial. Objetivo: Este estudo visa enfatizar a importância da Cirurgia Plástica e das suas subespecialidades no manejo de uma ferida complexa, com mitigação de danos psicológicos e funcionais. Métodos: Este é um estudo descritivo transversal de um caso complexo que necessitou de abordagem multidisciplinar pelas subespecialidades da cirurgia plástica, em um Hospital Quaternário de São Paulo, São Paulo. Resultados: Paciente foi admitido após transporte aéreo realizado pela Policia Militar devido a uma lesão na face esquerda causada por um machado. A admissão, paciente em estado de choque foi levado imediatamente para o centro cirúrgico, onde foram gerenciados o sangramento ativo da artéria facial e a lesão da glândula parótida, além de uma avulsão do lóbulo da orelha. A equipe de Cirurgia Plástica foi chamada durante a cirurgia para assistência especializada. O manejo inicial envolveu fechamento da ferida e salvamento do lóbulo da orelha. Tomografias subsequentes revelaram fraturas no processo coronóide da mandíbula e mastoide. O paciente apresentou lesão do nervo facial grau IV na escala de House-Brackmann. Após estabilização, foi realizada uma segunda cirurgia 14 dias após a lesão, a reparação microcirúrgica do nervo incluiu a reanimação massetérica e suturas de ramos do nervo facial ao tronco do nervo facial. No pós-operatório, o paciente apresentou espasmos leves e recebeu tratamento com toxina botulínica para melhorar a simetria facial. Discussão: paralisia facial traumática apresenta desafios únicos devido à propensão ao colapso axonal, prejudicando a regeneração Walleriana. Diferente da paralisia de Bell, a intervenção cirúrgica em casos traumáticos oferece benefícios significativos, especialmente nos primeiros 30 dias. Mesmo reparos atrasados até três meses mostram benefícios, sendo tentativas de reparo primário razoáveis até seis meses e enxertos até doze meses. O manejo multidisciplinar dentro das subespecialidades da cirurgia plástica é crucial, como demonstrado pela taxa de sucesso de 25% em casos de fratura facial com lesões axonais associadas. Injeções de toxina botulínica no lado não afetado ajudam a alcançar melhor simetria e recuperação funcional. Conclusão: A colaboração multidisciplinar entre subespecialidades da cirurgia plástica facilitou o tratamento adequado, permitindo recuperação funcional parcial e mitigando o sofrimento psicológico e funcional neste caso complexo.

Introdução

A paralisia facial tem como principal etiologia a paralisia de Bell. Todavia, traumas surgem como uma causa significativa, especialmente, na população mais jovem. Os traumas faciais causados por ferimentos de arma de fogo ou explosões são associadas inclusive a maior morbidade e mortalidade. (1)

A paralisia facial provoca distorções estéticas, bem como comprometimentos funcionais em atividades como fala, mastigação, proteção ocular e outras expressões faciais. Além disso, há um componente sensitivo em que a sensação do paladar e do toque pode ser prejudicada, bem como as secreções das glândulas salivares (2).

Sabe-se ainda que o tratamento deve considerar diversos fatores como a etiologia da paralisia, traumático ou não, comorbidades prévias do paciente, disponibilidade de microcirurgia no serviço - entre outros fatores. Em casos de trauma, é crucial avaliar o mecanismo do trauma. Sabe-se que devido ao trajeto anatômico do nervo facial, a principal etiologia de lesão traumática deste nervo ocorre por trauma penetrante associado com fratura do osso temporal (3).

Objetivo

Acredita-se que 20 pessoas a cada 1000 pacientes tratados nos EUA sejam afetados anualmente pela Paralisia Facial (4). Neste contexto, relatamos aqui um caso de alta complexidade, envolvendo um paciente vítima de uma ferida complexa extensa, que necessitou de acompanhamento por várias subespecialidades, incluindo grupo da Craniomaxilofacial, grupo da Paralisia Facial Cirúrgica, grupo de Feridas Complexas e grupo de Distonia Facial. O tratamento foi realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, São Paulo.

Método

Este é um estudo do tipo Relato de Caso, descritivo e transversal, de um caso com ferimento complexo com necessidade de abordagem multidisciplinar das subespecialidades da Cirurgia Plástica

Resultado

Paciente. E.LJ., masculino, trinta e quatro anos, trazido para o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo por remoção aérea (Águia) pela Policia Militar, devido á ferimento por machado há 30 minutos em região de face esquerda.

Paciente admitido em choque, sem condições de realizar exames de imagem, foi indicado transporte direto para o centro cirúrgico pela equipe da Cirurgia Geral. Sem solicitação de interconsultas no primeiro momento. Visualizado no intraoperatório artéria facial com sangramento ativo em jato associado com lesão de parótida com ferimento em avulsão de lóbulo da orelha, realizado ligadura da artéria facial e optado por convocar em intraoperatório sobreaviso da Cirurgia Plástica (FIGURA 1).

No intraoperatório, paciente grave recebendo noradrenalina 0,68 mcg/kg/min + vasopressina 0,03 UI/min + transfundido cinco concentrado de hemácias + 2 concentrados de plaquetas. Optado por equipe da Cirurgia Plástica apenas por fechamento de ferida operatória com tentativa de salvamento de retalho de orelha esquerda com reposicionamento deste e encaminhamento do paciente para cuidados intensivos (FIGURA 2).

Paciente acompanhado durante a internação, realizada tomografia computadorizada no primeiro dia de internação hospitalar, depois de maior estabildade hemodinâmica do paciente (figura 2): com achados de fratura de apófise coronoide da mandíbula e de mastóide (FIGURA 3). Paciente foi extubado após terceiro dia na UTI. Avaliada pela grupo da Cirurgia Plástica - Craniomaxilofacial (CMF) sem disoclusão. Avaliada pelo grupo da Cirurgia Plástica - Paralisia Facial (PF): paciente com grau IV de lesão na escala de House Brackmann (5). Foi ainda avaliado pela equipe da Otorrrinolaringologia que adotou conduta conservadora para fratura de mastóide.

Paciente com cinco dias teve alta de Unidade Intensiva, optado pela equipe da CMF, reavaliação de fraturas e seguimento ambulatorial. Optado por programação cirúrgica para paciente com 14 dias do primeiro insulto.

Paciente submetido, desta forma, a cirurgia para exploração de nervo facial em 14 º pós-operatório de primeira abordagem, optado por acesso pré-tragal (destaca-se bom posicionamento de retalho de lóbulo da orelha, operado em 1º tempo cirúrgico, visualizado em intraoperatório, extensa lesão de tronco de nervo facial, em associação com acometimento de ramos de nervo massetérico, lesão de região inferior de parótida. Provável grau VI de injúria nervosa segundo classificação de Seddon-sunderland - neurotmese com injuria perineural (3, 5).

Realizado eletroestimulação no intraoperatorio, achado nervo massetérico bem como ramo de nervo auricular (FIGURA 4) . Realizado correção microcirurgia com reanimação massetérica, sutura de nervo auricular em tronco facial, sutura de ramo de nervo facial, provavelmente ramo bucal ao tronco de nervo facial, sutura de provável ramo de nervo marginal da mandíbula ao tronco de nervo facial. Todas as suturas realizadas com prolene 9-0.(FIGURA 5).

Optado por não realizar fixação de fratura de mandíbula visto que paciente já se alimentava, sem dificuldades, optado realizar cateterização do dueto de Stenson para avaliar presença de extravasamento bem como evitar possível salivoma (sem extravasamento de azul para região de ferida operatória).

Paciente acompanhado em pós-operatório, começando a apresentar discretos espasmos, principalmente em região do músculo orbicular da boca. Optado por acompanhamento juntamente com equipe de Distonia Facial.

Iniciado tratamento com toxina botulínica em face, utilizando-se maior dose em face direita (lado não afetado).

Discussão

A paralisia facial traumática é um capítulo a parte no manejo de paralisia, principalmente pela maior propensão ao colapso externo dos axônios, podendo atrapalhar a regeneração Walleriana (6). Diferentemente da paralisia de Bell, onde a maioria dos pacientes tem uma recuperação favorável apenas com terapia medicamentosa (7), sabe-se que a cirurgia tem grande valia, nesse cenário, com um menor tempo de recuperação neural em pacientes que são submetidos a cirurgia - principalmente nos primeiros 30 dias (6). Porém, na literatura até mesmo pacientes que tem o tratamento postergado em 3 meses parecem ter beneficio da tentativa de anastomose neural (8). Algumas outras literaturas colocam como razoável a tentativa de reparo primário até 6 meses, usos de enxertos em até 12 meses (2)
Sabe-se no entanto que o prognóstico funcional de recuperação da atividade nervosa é variável e imprevisível. Neste contexto, a multidisciplinaridade dentro das subespecialidades da Cirurgia Plástica se mostra fundamental. Na literatura encontramos relatos de lesões de fratura de face associadas com lesões axonias com apenas 25% de êxito em uma recuperação considerada muito boa da função (8).
Em último lugar, o auxilio do Grupo de Distonia Facial ocorreu e ocorre por meio da injeção de toxina botulínica no lado não afetado, com dose variando de 1-2 unidades por pontos, sabendo-se que mesmo após seis meses da aplicação o lado paralisado tem uma simetria melhor - infere-se que atráves da modulação da força do lado não paralisado, o lado paralisado seria instigado a retomar o seu movimento (principalmente nos casos onde a principal causa de perda de movimento seja a neuropraxia) (9-10).
Deixa-se aqui ainda a ressalva sobre a paralisia facial retardada pós-trauma cranioencefálico contuso, está modalidade de apresentação da injuria diferentemente do trauma como deste relato de caso, não deve ser manejado de forma cirúrgica e sim, inicialmente, com uso de corticoesteróide (11).

Conclusão

Conclui-se que à multidisciplinaridade entre diferentes áreas da Cirurgia Plástica foram fundamentais no tratamento adequado deste paciente, possibilitando o retorno parcial de suas funções, e mitigando transtornos psicológicos e estéticos a longo prazo.

Referências

1. Shackford SR, Kahl JE, Calvo RY, Kozar RA, Haugen CE, Kaups KL, Willey M, Tibbs BM, Mutto SM, Rizzo AG, Lormel CS, Shackford MC, Burlew CC, Moore EE, Cogbill TH, Kallies KJ, Haan JM, Ward J. Gunshot wounds and blast injuries to the face are associated with significant morbidity and mortality: results of an 11-year multi-institutional study of 720 patients. J Trauma Acute Care Surg. 2014 Feb;76(2):347-52. doi: 10.1097/TA.0b013e3182aaa5b8. PMID: 24398775.

2. Woo SH, Kim YC, Oh TS. Facial palsy reconstruction. Arch Craniofac Surg. 2024 Feb;25(1):1-10. doi: 10.7181/acfs.2023.00528. Epub 2024 Feb 20. PMID: 38461822; PMCID: PMC10924795.

3. Lee LN, Lyford-Pike S, Boahene KD. Traumatic facial nerve injury. Otolaryngol Clin North Am. 2013 Oct;46(5):825-39. doi: 10.1016/j.otc.2013.07.001. Epub 2013 Sep 5. PMID: 24138740.

4. Brown S, Isaacson B, Kutz W, Barnett S, Rozen SM. Facial Nerve Trauma: Clinical Evaluation and Management Strategies. Plast Reconstr Surg. 2019 May;143(5):1498-1512. doi: 10.1097/PRS.0000000000005572. PMID: 30807496.

5. Fonseca KM, Mourão AM, Motta AR, Vicente LC. Scales of degree of facial paralysis: analysis of agreement. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81(3):288-93. doi: 10.1016/j.bjorl.2014.04.005.

6. Kim J, Lee JM, Nam SI, Baek MJ. Surgical Reconsideration of Traumatic Facial Paralysis. Otol Neurotol. 2022 Sep;43(8):968-72. doi: 10.1097/MAO.0000000000003633.

7. Sun DQ, Andresen NS, Gantz BJ. Surgical Management of Acute Facial Palsy. Otolaryngol Clin North Am. 2018 Dec;51(6):1077-92. doi: 10.1016/j.otc.2018.07.005. Epub 2018 Aug 28. PMID: 30170700.

8. Marszał J, Bartochowska A, Gawęcki W, Wierzbicka M. Efficacy of surgical treatment in patients with post-traumatic facial nerve palsy. Otolaryngol Pol. 2021 Feb 16;75(4):1-6. doi: 10.5604/01.3001.0014.7446. PMID: 34344838.

9. Salles AG, Mota WM, Remigio AFDN, de Andrade ACH, Gemperli R. Management of Post-Facelift Facial Paralysis With Botulinum Toxin Type A. Aesthet Surg J. 2022 Feb 15;42(3):NP144-NP150. doi: 10.1093/asj/sjab311. PMID: 34373897.

10. Lima W, Salles AG, Faria JCM, Nepomuceno AC, Salomone R, Krunn P, Gemperli R. Contralateral Botulinum Toxin Improved Functional Recovery after Tibial Nerve Repair in Rats. Plast Reconstr Surg. 2018 Dec;142(6):1511-9. doi: 10.1097/PRS.0000000000004981. PMID: 30188467.

11. Daloiso A, Franz L, Mondello T, Pavone C, Spinato G, Emanuelli E, Cazzador D, de Filippis C, Zanoletti E, Marioni G. Post-traumatic Delayed Facial Nerve Palsy: Report of 2 Cases and Systematic Review. Otolaryngol Head Neck Surg. 2024 May 20. doi: 10.1002/ohn.829. Epub ahead of print. PMID: 38769871.

Palavras Chave

PARALISIA DO NERVO FACIAL; MICROCIRURGIA; fraturas complexas da face

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

FMUSP - São Paulo - Brasil

Autores

MARCOS ANTONIO NEVES NORONHA, NATHALY HARITOV, GREGORY NICOLAS, GUILHERME FREDERICO FERRO ALVES, LILIAN TAMY TAKAHASHI, ROLF GEMPERLI