Dados do Trabalho
Título
SINDROME AUTOIMUNE INDUZIDA POR ADJUVANTES: UMA REVISAO BIBLIOGRAFICA
Resumo
Introdução: A Síndrome Autoimune Induzida por Adjuvantes foi associada ao implante de silicone em 1998, e prosseguiu com maior visibilidade no decorrer dos anos. Os implantes de silicone são o procedimento mais realizado na cirurgia plástica. Objetivo: Analisar a conexão entre a Síndrome Autoimune Induzida por Adjuvantes e próteses de silicone. Metodologia: revisão literária com busca nas bases de dados Scielo e PubMed. Estudos publicados entre 2013 e 2024 foram selecionados. Resultados: Um componente presente nas próteses é o silício, acredita-se que este apresenta maior risco no desenvolvimento de doenças autoimunes. Outros fatores de risco em comum foram deficiências alimentares, atopias, fatores ambientais, predisposição genética, comorbidades e histórico familiar. Capsulas de silicones possuem altos níveis de anticorpos IgG, células Th1 e Th17 e citocinas. Discussão: Embora os implantes de silicone sejam biocompatíveis, alguns indivíduos apresentam resposta autoimune com produção de citocinas pró-fibrótica devido a disfunção das células T reguladoras. Levando a quadros clínicos variáveis. O diagnóstico é clínico. O tratamento consiste no explante ou não da prótese associado a drogas imunossupressoras. Conclusão: pessoas com histórico de atopia e doenças autoimunes apresentam maior risco em desenvolver a síndrome. Na maioria dos relatos o explante da prótese tem se mostrado suficiente para a melhora clínica especialmente quando combinado a terapia imunossupressora.
Introdução
A Síndrome Autoimune Induzida por Adjuvantes (ASIA) é geralmente definida como doença autoimune causada por fatores externos, entre eles, o implante de silicone. A associação de ASIA com próteses de silicone foi relatada pela primeira vez em 1998 por Yehuda Shoenfeld e ganhou maior visibilidade em 2011, quando mais de 4.400 casos oram relatados1.
No tangente a causas, são consideradas todos os fatores exógenos (hormônios, vacinas, alumínio e implantes de silicone), os quais geram hiper estimulação do sistema imunológico em indivíduos geneticamente predispostos (portadores dos genes HLA-DRB1 e PTPN22), levando-os a manifestar distúrbios autoimunes2.
Os implantes mamários de silicone são o procedimento cirúrgico mais realizados na subespecialidade de cirurgia plástica, sendo registrados cerca de 300.000 procedimentos de aumento de mama e 100.000 procedimentos de reconstrução de mama nos Estados Unidos no ano de 20203.
A ASIA é diagnosticada com base nos critérios de Shoenfeld, que podem ser subdivididos em maiores e menores. Os critérios maiores correspondem à apresentação clínica típica da síndrome, como dores musculares, fraqueza, artralgia, artrite, fadiga crônica, distúrbios do sono, febre e xerostomia, manifestações neurológicas e cognitivas. Os critérios menores são as alterações imunológicas e outros sintomas clínicos4.
Devido a registros de ASIA, os fabricantes de implantes de silicone investiram em melhorias na formulação, no entanto, a prótese continua sendo considerada um fator de risco5.
Objetivo
Analisar as evidências científicas sobre a conexão entre a presença da síndrome ASIA e os implantes mamários de silicone
Método
O artigo consiste em uma revisão bibliográfica com buscas nas bases de dados: Scielo e PubMed. Os descritores “ASIA and breast”, “ASIA” e “ASIA and brest implants” foram utilizados para a busca. Os critérios de inclusão foram: artigos em inglês, português ou espanhol, completos e que contemplassem o objetivo proposto. Os critérios de exclusão foram estudos em outros idiomas, não encontrados na íntegra e não relacionados a ASIA.
Para compor o estudo, foram utilizados artigos publicados entre os anos de 2013 e 2024. Totalizando em 16 artigos aqui discutidos.
Resultado
Ao analisar os componentes presentes nas próteses mamárias, o silício tem chamado a atenção da comunidade científica5. É sabido que a exposição ao silício é prejudicial a saúde, sendo associada a diversas patologias, como: fibrose pulmonar ocupacional grave, silicose, câncer de pulmão e insuficiência renal crônica. No entanto, não está claro se um cenário semelhante se aplica aos géis de silicone para implantes6.
Ao contrário das suposições anteriores, os silicones não são substâncias inertes. Estudos histopatológicos demonstraram que as cápsulas de silicone contêm altos níveis de anticorpos IgG, células Th1/Th17 e citocinas. Também, o silício pode vazar de próteses e se infiltrar em tecidos locais ou se espalhar para órgãos distantes, causando uma reação de corpo estranho caracterizada por ativação de células imunes, fibrose e formação de granulomas contendo silício11.
Em relação a autoimunidade, foram relatadas redução nos níveis de imunoglobulina G no soro plasmático e presença de autoanticorpos em pacientes pós implante de silicone7.
Outros fatores de risco associados a ASIA são históricos de atopia, deficiências alimentares, fatores ambientais, predisposição genética e histórico familiar de doenças autoimunes8.
Goren, Segal e Shoenfeld9 sugeriram quatro grupos de pacientes predispostos ao desenvolvimento de ASIA induzida por silicone: (1) Reação autoimune documentada anterior a um adjuvante; (2) Condições autoimunes estabelecidas; (3) História de condições alérgicas/distúrbios atópicos; (4) Predisposição genética e/ou gatilhos ambientais relevantes.
Halpert, Amital e Shoenfeld10 defendem que, o fato de as doenças autoimunes serem herdadas em famílias é bem conhecido, sugerindo suscetibilidade genética compartilhada, sendo mais propenso o desenvolvimento das doenças autoimunes em parentes de pacientes com artrite reumatoide, esclerose múltipla e lúpus eritematoso sistêmico.
Discussão
A ASIA é um desenvolvimento combinado de doenças autoimunes e autoinflamatórias decorrentes da exposição a adjuvantes, ambas caracterizadas por alterações na imunidade inata e adaptativa. Adjuvantes são substâncias que aumentam certas respostas imunes, como vacinas, implantes de silicone e hidróxido de alumínio. As doenças autoimunes são condições patológicas causadas pela autoimunidade que protege o corpo de substâncias consideradas estranhas4.
Uma das substâncias contidas nas próteses de silicone é o polidimetilsiloxano (PMDS). Trata-se de um polímero que penetra no tecido à medida que envelhece o revestimento utilizado no implante. A passagem de PMDS para tecidos adjacentes e linfonodos ocorre por meio de transporte e movimento físico de partículas capturadas por macrófagos. Após exposição a macrófagos, citocinas são produzidas além de espécies reativas de oxigênio e nitrogênio12.
A flora mamária contém a bactéria Staphylococcus epidermidis, que ao entrar em contato com superfícies de silício forma um biofilme microbiano que desencadeia uma resposta inflamatória, produz interleucina-6 e inibe as células T reguladoras. TH1/TH17 são as células inflamatórias predominantes na cápsula que se forma ao redor dos implantes mamários de silicone. Eles produzem citocinas pró-fibróticas devido à disfunção das células T reguladoras. Esse processo leva à estimulação e manutenção de respostas inflamatórias e imunes crônicas13.
Os relatos dos sintomas, iniciam em média 1 mês após a exposição ao silicone, mas podem variar de 2 semanas a 5 anos. Os sintomas mais comuns apresentadas pelos pacientes são: dores articulares e musculares, fadiga crônica; boca e olhos secos; problemas de memória; desordens do sono; problemas respiratórios; insônia; febre; depressão; queda de cabelo; erupções na pele; perda de peso; úlceras orais; ansiedade; lúpus; fibromialgia; síndrome Sjögren; esclerodermia; artrite reumatoide; manifestações neurológicas, entre outros sintomas que variam conforme o tipo de patologia14.
A estimulação crônica de células imunes é provavelmente um fator chave na patogênese da ASIA, pois pode levar à formação de autoanticorpos, células autorreativas e secreção contínua de citocinas. Além dos fenômenos autoimunes, essa estimulação crônica das células imunes também pode levar ao desenvolvimento de linfoma11.
O diagnóstico da ASIA é clínico e é feito observando o histórico médico do paciente e classificando-o de acordo com critérios. Atualmente, não há exames laboratoriais ou de imagem reconhecidos globalmente para essa síndrome. Os critérios criados para isso são muito importantes para se pensar essa síndrome, mas ainda precisam ser reconhecidos globalmente9.
Os critérios propostos por Shoenfeld para o diagnóstico da ASIA incluem pelo menos dois critérios maiores, ou um critério maior e dois critérios menores. Os critérios maiores incluem exposição a estímulos externos atuando como adjuvantes, presença de sintomas clínicos típicos, como fadiga, mialgia, sono não restaurador, distúrbios do sono e sintomas neurológicos. Os dois critérios maiores restantes são a melhora com a remoção do adjuvante e a biópsia do tecido do órgão afetado. Já entre os critérios menores foram definidos, o aparecimento de outras manifestações clínicas, ou seja, síndrome do intestino irritável, HLA específico, HLA DRB1, HLA DQB1 e evolução de uma doença autoimune11.
Como a ASIA é um distúrbio imunológico, o tratamento é semelhante a esse tipo de condição, com o uso de imunossupressores. Além disso, mesmo que uma prótese de silicone possa ser a causa da doença, ela não precisa necessariamente ser retirada15.
É muito importante conhecer o impacto das próteses de silicone nessas pessoas potencialmente predispostas e até mesmo considerar a remoção de implantes de silicone em pacientes que apresentam manifestações clínicas reumáticas. Para doenças autoimunes pré-existentes, o dano tecidual deve ser reduzido, para isso os anti-inflamatórios e os imunossupressores devem prescritos16.
Os pacientes submetidos ao explante melhoraram a dor somática. No entanto, além do explante, medicamentos como metotrexato, imunoglobulinas intravenosas, azatioprina e esteroides também foram administrados. Alguns desses pacientes devem continuar tomando esteroides para obter melhores resultados1.
Conclusão
Embora exista uma ligação entre silicones e adjuvantes, ainda há muita controvérsia na literatura e mais pesquisas são necessárias para esclarecer as incógnitas.
Mulheres com histórico de alergias ou doenças autoimunes têm maior risco de exacerbação após o uso da prótese do que aquelas sem manifestações hereditárias.
Para a maioria das condições, o explante da prótese tem se mostrado suficiente, especialmente quando combinado com terapia imunossupressora.
Por fim, é importante que os pacientes que desejam usar implantes estejam cientes dos riscos potenciais, por isso o médico deve esclarecer dúvidas e alertar sobre os riscos individuais quando for o caso.
Referências
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Palavras Chave
Autoimunidade; Silicone; Implante de Prótese Mamária.
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Hospital Federal de Bonsucesso - Rio de Janeiro - Brasil
Autores
JOAO CARLOS ALVES DA CUNHA, MARCO ANTONIO DE SOUZA BORGES TAVARES, ELIS MARINA MARTINELLI GUELFI, RAFAEL LAZZARI DE MARCO, ISABELA DA SILVA CAETANO , JULIA COSTA PINTO AMANDO