60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

Prevenção e oportunidades: Cirurgiões Plásticos nas Unidades Básicas de Saúde. Relato de uma experiência.

Resumo


O aumento da incidência de casos de câncer tem intensificado a necessidade de tratamento especializado, especialmente no combate ao câncer de pele. As cidades do interior são as que mais sofrem com a demora no tratamento especializado, exacerbando os desafios de acesso a cuidados oportunos e eficazes.
O estudo envolveu uma abordagem observacional retrospectivo, analisando 304 cirurgias realizadas em uma UBS. A equipe cirúrgica realizou procedimentos como eletrocauterização, exérese, cantoplastia, lobuloplastia, biópsia excisional, biópsia incisional, enxerto e retalho local.
Os resultados mostraram uma média de idade dos pacientes de 49,4 anos, com predominância de mulheres (68,4%). Os diagnósticos mais comuns incluíram nevo (20,7%), acrocórdons (20,1%), ceratose seborreica (8,2%) e cistos sebáceos (6,6%). Foram diagnosticados 15 casos de carcinoma basocelular (4,9%), 9 de carcinoma espinocelular (3,0%) e 1 de melanoma (0,3%). A taxa de complicações pós-operatórias foi de 4,28%, com casos de deiscências, infecções, crises vasovagais, cicatriz hipertrófica e hemorragia, mas sem complicações graves ou sequelas. O estudo também ressalta os benefícios econômicos e sociais dessas cirurgias, sugerindo economias significativas para o sistema de saúde ao reduzir a necessidade de encaminhamentos para centros de alta complexidade.
Em conclusão, as cirurgias ambulatoriais em UBS são vitais na prevenção de lesões tumorais graves e melhoram a acessibilidade ao tratamento, proporcionando uma melhor qualidade de vida para os pacientes e oportunidades significativas para cirurgiões plásticos recém-formados.

Introdução

O câncer de pele é o tipo de câncer mais comum no Brasil, representando cerca de 30% de todos os tumores malignos registrados no país. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), são diagnosticados aproximadamente 180 mil novos casos de câncer de pele por ano no Brasil, com uma prevalência maior em regiões de alta exposição solar1. A importância do tratamento precoce é crucial, pois aumenta significativamente as chances de cura e reduz o risco de desenvolvimento de lesões irressecáveis e metástases.1
Além das lesões malignas, muitas condições benignas da pele, como onicocriptose e outras lesões cutâneas, afetam a qualidade de vida dos pacientes. Afecções benignas podem causar dor, desconforto e, em alguns casos, complicações mais sérias se não tratadas adequadamente2. A implementação de cirurgias ambulatoriais nas unidades básicas de saúde (UBS) desempenha um papel vital tanto na detecção e tratamento precoce de lesões malignas quanto no manejo de condições benignas pré-malignas, contribuindo significativamente para a melhoria da qualidade de vida da população estando em consonância com Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).3
A saturação dos grandes centros médicos limita as oportunidades de trabalho para cirurgiões plásticos, que frequentemente enfrentam desafios para estabelecer suas carreiras em ambientes competitivos principalmente nas grandes capitais e cidades maiores.4 Além disso, a qualidade de vida dos médicos é uma questão de crescente preocupação. A síndrome de burnout entre os profissionais de saúde é uma realidade alarmante, com estudos mostrando que até 25% dos cirurgiões plásticos enfrentam essa condição em algum momento de suas carreiras. O estresse crônico, a exaustão emocional e a pressão por resultados contribuem significativamente para essas taxas.5,6
Proporcionar oportunidades de trabalho em ambientes menos saturados e com melhor qualidade de vida, pode ser uma medida importante para mitigar esses riscos. A diversificação das práticas médicas, especialmente através da implementação de cirurgias ambulatoriais em UBS, oferece uma solução potencial para aliviar essa pressão e expandir o alcance dos serviços de saúde.

Objetivo


O presente estudo tem como objetivo:
1. Descrever uma experiência de implementação de cirurgias ambulatoriais em uma Unidade Básica de Saúde em uma cidade pequena no interior de Minas.
2. Avaliar a viabilidade, os resultados e riscos de cirurgias ambulatoriais realizadas em uma unidade básica de saúde.
3. Analisar o impacto econômico e social da implementação de cirurgias ambulatoriais em UBS, com foco na prevenção e detecção precoce de lesões tumorais e qualidade de vida da população.
4. Propor a UBS como uma opção para porta de entrada para cirurgiões plásticos em cidades do interior, oferecendo um ambiente de trabalho equilibrado e de alta qualidade longe dos grandes centros urbanos.

Método

O estudo realizado foi observacional e retrospectivo, conduzido na Unidade Básica de Saúde da cidade de Seritinga de agosto de 2022 até maio de 2024. Todos os pacientes passaram previamente por uma avaliação com um clínico geral da UBS onde foram triados e agendados para o ambulatório de cirurgia.
Para a realização dos procedimentos cirúrgicos, a UBS foi equipada com os seguintes materiais: eletrocautério, instrumental cirúrgico básico (pinças, tesouras, porta agulhas, bisturi), materiais para sutura (fios de sutura), materiais de curativo (gazes, esparadrapo, ataduras), anestésicos locais (lidocaína com e sem vasoconstritor), triancinolona para infiltração, soluções antissépticas (clorexidina, álcool 70%), equipamentos de proteção individual (luvas, máscaras, aventais). Os procedimentos operacionais padrões (POPs) para funcionamento de salas de pequenas cirurgias do Ministério da Saúde foram seguidos.7
Os critérios de inclusão para serem submetidos aos procedimentos cirúrgicos foram:
- Pacientes classificados como ASA 1 (sem doenças sistêmicas) e ASA 2 (com doenças sistêmicas leves e bem controladas).
- Pacientes com lesões compatíveis para realização de cirurgia com anestesia local em ambiente ambulatorial.
Todos os pacientes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, autorizando a realização da cirurgia. Os procedimentos foram realizados pela mesma equipe: cirurgiã plástica e técnica de enfermagem.

Resultado

Foram realizadas 502 consultas médicas e 304 procedimentos ambulatoriais, com a maioria dos pacientes sendo mulheres 68,4%, enquanto os homens representaram 31,6% dos casos. A idade dos pacientes variou de 1 a 101 anos, com uma média de 49,4 anos. O tempo médio de espera para a realização das cirurgias após a consulta com a especialista foi de 15 dias para suspeitas de câncer de pele não melanoma e 40 dias para lesões benignas. No único caso com grande suspeita clínica de melanoma a cirurgia foi realizada no mesmo dia da consulta.
Os procedimentos mais comuns incluíram eletrocauterização (44,08% dos casos), seguida de biópsia excisional (37,17%), exérese (9,21%), lobuloplastia (2,96%), biópsia incisional (2,3%), triancinolona (1,32%), cantoplastia (0,66%), extração com agulha (0,66%), extração com pinça (0,33%), intradermoterapia (0,33%), exérese+ retalho e exérese + enxerto (0,33%). ( Tabela 1)
Os diagnósticos mais frequentes foram nevo (20,4%), acrocórdons (20,1%), ceratose seborréica (8,2%), cisto sebáceo (6,6%), ceratose actínica (4,9%), carcinoma basocelular (4,9%), verruga vulgar (4,9%), carcinoma espinocelular (3,0%), lóbulo fissurado (3,0%), lipoma (2,3%), milium (2,0%), dermatofibroma (2,0%), ceratoacantoma (1,0%) , alopécia (1,0%) e outras lesões (11,5%), entre elas um caso de melanoma (0,3%). ( Gráfico 1)
No nosso estudo tivemos um incidência de 25 casos de câncer de pele em 22 meses numa população de 1819 habitantes, de acordo com o censo de 2022, o que leva à uma incidência próxima de 7 casos novos para cada 1000 habitantes ao ano.
A taxa de complicação pós-operatória foi de 4,28% ( 13 pacientes), com deiscências representando 1,97% dos casos (6 pacientes), infecções 1,32% (3 pacientes), crises vasovagais 0,66% ( 2 pacientes) e cicatriz hipertrófica 0,33% ( 1 paciente) . (tabela 2)
Todas as complicações foram tratadas e não houve nenhum óbito ou sequela.

Discussão

De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), no território brasileiro, houve um acréscimo de 20% na incidência de câncer na última década, espera-se que até o ano de 2030, sejam diagnosticados 25 milhões de casos novos A incidência de câncer de pele no Brasil é próxima de 1 pessoa por 1000 habitantes ao ano.8No nosso estudo tivemos um incidência de 7 casos novos para cada 1000 habitantes ao ano, uma taxa bem superior a média nacional.
A maior incidência de câncer de pele em uma cidade rural pode ser atribuída a vários fatores. Primeiro, a população rural frequentemente trabalha ao ar livre, exposta à radiação ultravioleta (UV) do sol por longos períodos, aumentando o risco de danos à pele. Além disso, a falta de conscientização e educação sobre os riscos da exposição solar e a importância do uso de protetor solar podem contribuir para uma maior incidência da doença. Acesso limitado a cuidados médicos preventivos e diagnósticos precoces em áreas rurais também pode resultar em diagnósticos tardios, piorando os prognósticos. Outra hipótese é o maior acesso ao profissional especializado levando a um diagnóstico precoce. Estes dados mostram a necessidade de implementação de um programa nacional para combate ao câncer de pele com foco em áreas com maior incidência. estudos mostram que o diagnóstico precoce é muito importante e influenciam na mortalidade dos pacientes com câncer de pele como melanoma. 9,10
A baixa taxa de complicações (4,28 %), demonstraram a viabilidade das cirurgias ambulatoriais em UBS, destacando-se como uma estratégia eficaz para atender tanto a demanda de lesões malignas quanto benignas. As cirurgias realizadas com intervalos regulares de 15 dias mostraram-se eficientes na gestão do tempo e dos recursos disponíveis, permitindo um fluxo contínuo e organizado de pacientes.
Do ponto de vista financeiro, a implementação de cirurgias ambulatoriais em UBS pode resultar em significativas economias para o sistema de saúde. Estudos indicam que investir em cuidados de saúde primários pode reduzir a necessidade de tratamentos mais caros e complexos no futuro. A descentralização dos serviços cirúrgicos para UBS reduz a pressão sobre hospitais de grande porte, que podem focar em casos de maior complexidade. O investimento em prevenção de menos de 1 dólar por pessoa anualmente por parte de nações de baixa e média-baixa renda salvaria 7 milhões de vidas poderia arrecadar 230 bilhões de dólares em retorno financeiro até 2030, é o que mostra o relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2021.11
A implementação das cirurgias ambulatoriais na UBS de Seritinga mostrou-se altamente eficaz. Os pacientes relataram altos índices de satisfação com os procedimentos e com o atendimento recebido. A proximidade da UBS com as residências dos pacientes facilitou o acesso e reduziu o tempo de espera para intervenções cirúrgicas.

Conclusão

A experiência na UBS de Seritinga ressalta a importância e a viabilidade da realização de cirurgias ambulatoriais em unidades básicas de saúde. Esta abordagem não só proporciona um atendimento mais rápido e acessível à população, como também oferece aos cirurgiões plásticos uma oportunidade de trabalho em um ambiente menos saturado e de alta demanda. Proporcionar um ambiente de trabalho equilibrado para os médicos é essencial para evitar o burnout e promovendo uma prática médica mais saudável e sustentável.
Ademais, a implementação de tais programas em todo o território nacional pode gerar benefícios financeiros substanciais ao reduzir os custos associados ao tratamento de lesões avançadas e complexas, promovendo um sistema de saúde mais eficiente e sustentável. Do ponto de vista da missão da medicina, este modelo reforça o propósito fundamental do médico de oferecer cuidado e prevenção, garantindo a todos os pacientes, independentemente de sua localização, acesso a um atendimento de qualidade e humanizado.

Referências

1. Ministério da Saúde. Câncer de pele. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/c/cancer-de-pele. Acesso em: 10 jun. 2024.
2. AN. Bras. Dermatol. Câncer de Pele: Epidemiologia e fatores de risco. An. Bras. Dermatol., v. 84, n. 2, abr. 2009.
3. BRASIL. Lei nº 14.758, de 19 de dezembro de 2023. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.758-de-19-de-dezembro-de-2023-532172581. Acesso em: 10 jun. 2024.S
4. SOCIEDADE Brasileira de Cirurgia Plástica. Demografia Médica. 2020.
5. PRENDERGAST, Christina; KETTELER, Erika; EVANS, Gregory. Aesthetic Surgery Journal. Aesthet Surg J., v. 37, n. 3, p. 363-368, mar. 2017. DOI: 10.1093/asj/sjw158.
6. SCHERNHAMMER, E. S.; COLDITZ, G. A. Suicide rates among physicians: a quantitative and gender assessment (meta-analysis). Am J Psychiatry, v. 161, n. 12, p. 2295-2302, 2004.BRASIL.
7. Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares. Hospital Universitário Gaffrée e Guinle. Disponível em: https://www.gov.br/ebserh/pt-br/hospitais-universitarios/regiao-sudeste/hugg-unirio/acesso-a-informacao/documentos-institucionais/pops/ambulatorio-de-pequena-cirurgia. Acesso em: 14 jun. 2024.
8. SANTOS, M. O.; LIMA, F. C. S.; MARTINS, L. F. L.; OLIVEIRA, J. F. P.; ALMEIDA, L. M.; CANCELA, M. C. Estimativa de Incidência de Câncer no Brasil, 2023-2025. Rev. bras. cancerol., v. 69, n. 1, p. e-213700, 2023.
9. TERUSHKIN, V.; HALPERN, A. C. Melanoma early detection. Hematol Oncol Clin North Am., v. 23, n. 3, p. 481-500, viii, jun. 2009. DOI: 10.1016/j.hoc.2009.03.001.
10. AMERICAN Academy of Dermatology Association. How to prevent skin cancer. 2023. Disponível em: https://www.aad.org/public/diseases/skin-cancer/prevent/how. Acesso em: 15 jun. 2024.
11. ORGANIZAÇÃO das Nações Unidas. Investir 1 dólar por pessoa em saúde pode salvar 7 milhões de vidas até 2030. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/165173-investir-1-d%C3%B3lar-por-pessoa-em-sa%C3%BAde-pode-salvar-7-milh%C3%B5es-de-vidas-at%C3%A9-2030. Acesso em: 15 jun. 2024.

Palavras Chave

Câncer de pele; Prevenção

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

Clínica Dra. Fernanda Bianco - Minas Gerais - Brasil

Autores

FERNANDA BIANCO CORREA, LÍDIA MARIA DE SOUZA