60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

RECONSTRUÇAO PERINEAL COM RETALHO MIOCUTANEO VERTICAL DE RETO ABDOMINAL

Resumo

A reconstrução perineal após ressecções oncológicas extensas permanece sendo desafiadora pela localização e dimensão dos defeitos, além da influência de terapias adjuvantes na cicatrização local. O padrão-ouro para tratamento desses defeitos é a reconstrução com tecidos autólogos e, particularmente na região perineal, o retalho miocutâneo vertical de reto-abdominal (VRAM) é um dos preferencialmente utilizados.
Considerado o VRAM como uma das opções mais promissoras para reconstrução perineal, objetivou-se descrever sua utilização no tratamento de grande defeito em períneo após amputação abdominoperinal (APR) por carcinoma espinocelular (CEC) de canal anal com resposta incompleta ao tratamento quimioterápico.
Paciente de 56 anos, masculino, portador de retrovirose e em uso regular de terapia antiretroviral por 20 anos. Em 2021 iniciou acompanhamento em serviço de coloproctologia por abscesso anal com múltiplas fístulas. Em 2023 biópsia local confirmou CEC de canal anal, tendo sido submetido à tratamento quimioterápico com recorrência de sintomas álgicos. Ressonância magnética em follow-up foi sugestiva de doença residual, tendo sido indicado, em abril de 2023, APR seguida de reconstrução perineal no mesmo tempo cirúrgico com retalho VRAM. A evolução cirúrgica foi satisfatória e sem complicações no perioperatório precoce. O referido paciente encontra-se no 11º mês de follow up pós cirúrgico com equipe multidisciplinar com melhora significativa da qualidade de vida, redução do uso de analgesia e sem sinais de recidiva da doença.
Em conclusão, o retalho VRAM é uma opção segura, reprodutível e com reduzido índice de complicações graves, sendo uma opção promissora para reconstrução de grandes defeitos de região perineal após APR.

Introdução

A reconstrução perineal após ressecções oncológicas extensas permanece sendo desafiadora pela localização dos defeitos e influência de terapias adjuvantes na cicatrização local. Nesse contexto, a utilização de retalhos miocutâneos robustos e com pedículo vascular com satisfatório perfil de segurança é essencial para reconstrução que viabilize eliminar espaço morto criado pela ressecção tumoral, promover suporte estrutural para órgãos pélvicos além de melhora do resultado estético. (1,4)
O padrão-ouro para tratamento desses defeitos é a reconstrução com tecidos autólogos e, particularmente na região perineal, o retalho miocutâneo vertical de reto-abdominal (VRAM) é um dos preferencialmente utilizados. Consiste em um retalho Mathes e Nahai tipo III, com vascularização dual dominante por pedículos da artéria epigástrica superior e inferior profunda, sendo considerado um retalho versátil, com vascularização segura e amplo arco de rotação, o que permite a correção de grandes defeitos em região de períneo. (2,3)

Objetivo

Considerado o VRAM como uma das opções mais promissoras para reconstrução perineal, objetivou-se descrever sua utilização para reconstruir grande defeito perineal após amputação abdominoperinal (APR) por carcinoma espinocelular (CEC) de canal anal com resposta incompleta ao tratamento quimioterápico. Adicionalmente foi discutida técnica cirúrgica empregada, assim como potenciais complicações dessa abordagem.

Método

Relatado caso de paciente submetido à reconstrução perineal com retalho miocutâneo vertical de reto abdominal (VRAM) no serviço de cirurgia plástica do Hospital Federal de Ipanema (RJ). Paciente apresentava carcinoma espinocelular (CEC) de canal anal com extensivo acometimento perineal por múltiplas fístulas e resposta incompleta e piora dos sintomas álgicos com tratamento padrão quimioterápico, tendo sido indicada como abordagem de resgate a amputação abdominoperineal (APR), realizada em mesmo tempo cirúrgico, pela equipe de coloproctologia.

Resultado

Paciente de 56 anos, masculino, portador de retrovirose e em uso regular de terapia antirretroviral por 20 anos com acompanhamento sistemático com equipe de infectologia. Em 2021 iniciou acompanhamento em serviço de coloproctologia por abscesso anal com múltiplas fístulas, tratadas com drenagens sequenciais e antibioticoterapia. Em 2023, após recorrência de fístulas complexas, biópsia local confirmou CEC de canal anal, tendo sido submetido à tratamento quimioterápico com recorrência de sintomas álgicos. Ressonância magnética em follow-up com irregularidade vegetante no terço distal do canal anal, sugestivo de doença residual. Em abril/2023 foi submetido à APR seguida de reconstrução perineal no mesmo tempo cirúrgico com retalho VRAM.
A técnica cirúrgica consistiu na utilização do músculo reto abdominal esquerdo para posicionamento do estoma. A área do retalho à direita foi delimitada baseando-se nas dimensões do defeito perineal, o retalho foi seccionado e mobilizado cuidadosamente, com identificação e manutenção do pedículo epigástrico inferior. Em seguida foi rotacionado em 270º para alcançar o assoalho pélvico, sendo suturado ao defeito do períneo por planos seguido de posicionamento de dreno sucção na pelve.
A evolução cirúrgica foi satisfatória e sem complicações no perioperatório precoce. A Alta hospitalar ocorreu no 20º dia de pós-operatório. Apresentou​​ regressão significativa de sintomas álgicos, tendo evoluído com pequena área de deiscência lateral no retalho, tratado com curativos sequências com óleo de girassol. O fechamento completo da área de deiscência ocorreu no primeiro mês de seguimento. No 8º mês de acompanhamento, após ganho ponderal de 10 kg, paciente evoluiu com hérnia de parede abdominal, sem sinais de complicação, quadro manejado inicialmente de forma conservadora.
O referido paciente encontra-se no 11º mês de follow up pós cirúrgico com equipe multidisciplinar com melhora significativa da qualidade de vida, redução do uso de analgesia e sem sinais de recidiva da doença.

Discussão

O tratamento inicial do CEC de canal anal consiste em quimioterapia, protocolo esquematizado por Nigro, todavia em pacientes com falha nessa abordagem, indica-se APR como terapia de resgate. (5)
Essa abordagem gera defeitos perineais que frequentemente não são passíveis de fechamento primário, demandando reconstrução com retalhos autólogos. Nesse contexto, a aplicação do VRAM é uma das opções prioritárias. (1)
Descrito inicialmente Mathes e Bostwick em 1977, o retalho miocutâneo do reto abdominal foi usado primariamente para correção de defeito em parede abdominal. Posteriormente, em 1984, Shukla e Hughes caracterizaram esse retalho como opção para correção de defeitos do períneo que não são passíveis de fechamento primário. Consiste em retalho miocutâneo com robusto componente muscular e pedículo vascular composto pelo sistema epigástrico profundo, o que o torna mais seguro comparativamente a outras opções de retalhos locais, como o do músculo grácil. (2)
A taxa de complicação reportadas na literatura variam entre 15-17%, sendo comparativamente inferiores ao fechamento primário em algumas coortes. Dentre as intercorrências mais comuns, pode-se citar infecção local (9%) e deiscência (31%). A morbidade da área doadora também pode afetar a qualidade de vida do paciente, sendo o desenvolvimento de hérnia da parede abdominal e deiscência as complicações mais reportadas (19% e 11%, respectivamente). (3,4)

Conclusão

O retalho VRAM é uma opção segura, reprodutível e com reduzido índice de complicações graves, sendo uma opção promissora para reconstrução de grandes defeitos de região perineal após APR.
Tal abordagem pode potencialmente melhorar a qualidade de vida de pacientes oncológicos, reduzindo suas queixas álgicas e possibilitando melhor resultado estético local.

Referências

1. LaBove, G.A. et al. (2021) ‘Ten-year experience with Vertical Rectus Abdominis Myocutaneous flap for reconstruction of abdominoperineal resection defects’, JPRAS Open, 27, pp. 90–98. doi:10.1016/j.jpra.2020.11.010.

2. Radwan, R.W. et al. (2021) ‘Vertical rectus abdominis flap (VRAM) for perineal reconstruction following pelvic surgery: A systematic review’, Journal of Plastic, Reconstructive & Aesthetic Surgery, 74(3), pp. 523–529. doi:10.1016/j.bjps.2020.10.100.

3. Touny, A. et al. (2014a) ‘Perineal reconstruction using pedicled vertical rectus Abdominis Myocutaneous flap (VRAM)’, Journal of Surgical Oncology, 110(6), pp. 752–757. doi:10.1002/jso.23692.

4. Mirza, A.A. et al. (2020) ‘Versatility of rectus Abdominis Myocutaneous flap in primary reconstruction of defects in surgical oncology’, Indian Journal of Surgical Oncology, 11(4), pp. 740–745. doi:10.1007/s13193-020-01213-4.

5. Shaw, R.D. et al. (2021) ‘Long‐term bowel function patient‐reported outcomes after successful chemoradiation for carcinoma of the Anal Canal’, Colorectal Disease, 23(6), pp. 1480–1486. doi:10.1111/codi.15590.

Palavras Chave

reconstrução perineal; VRAM; Cirurgia Reconstrutiva

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

HOSPITAL FEDERAL DE IPANEMA - Rio de Janeiro - Brasil

Autores

NATHALIA RIBEIRO PINHO DE SOUSA, AMANDA DE VASCONCELOS MAPELLI, WILLIAM MICHEL PALERMO, MARJORIE PAVESE FERREIRA, ISADORA BOEING, SERGIO DOMINGOS BOCARDO