Dados do Trabalho
Título
TRATAMENTO DE GRANDES DEFEITOS POR TRAÇAO CUTANEA PROGRESSIVA COMO METODO DE EXPANSAO TECIDUAL.
Resumo
O presente trabalho exemplifica diferentes casos de feridas complexas, com grandes defeitos cutâneos, em diferentes regiões anatômicas, que foram submetidos a uma técnica simples para fechamento através da tração contínua de suas margens. A técnica permite o fechamento primário das feridas, evitando procedimentos mais invasivos como enxertos ou retalhos, e apresenta ótimo custo-benefício.
Introdução
Na vigência de grandes defeitos com grandes perdas teciduais, o fechamento da pele pode ser um desafio. A decisão pela técnica a ser utilizada é fundamental para o sucesso na reconstrução, e, partindo do princípio que a melhor reparação é sempre a mais simples, o fechamento primário da lesão deve ser, sempre que possível, primeira escolha. (1)
Dentro deste contexto, o fechamento de ferimentos complexos através da tração intermitente com fios de Kirschner e fios de aço torna-se uma opção viável por ser de fácil reprodução, baixo custo e baixa morbidade, evitando novas cicatrizes criadas pela rotação de retalhos que podem resultar em retração, isquemia e necrose tecidual. (2,3)
Objetivo
O presente estudo visa ilustrar diferentes aplicações da técnica de tração cutânea continuada e intermitente com fio de Kirschner associado a fios de aço, como uma alternativa para o fechamento de ferimentos de alta complexidade, utilizando materiais de baixo custo e fácil acesso em grande parte dos hospitais brasileiros.
Método
O estudo ilustra quatro casos em que foi utilizada a técnica de tração cutânea progressiva com fios de Kirschner e fios de aço, sendo um caso de fechamento de pele em região dorsal, um caso em fechamento de peritoneostomia, um caso em escalpo, e um caso de fasciotomia.
A técnica consiste em passar através da pele sadia fios de Kirschner 1 ou 1.5mm, sendo atravessados paralelamente às bordas da ferida em plano dérmico, a aproximadamente 5-7mm da borda da ferida, sendo as pontas restantes cortadas e dobradas para não causar lesões ao paciente. Com auxílio de uma agulha 18G curvada manualmente são introduzidos fios de aço 0, perpendicularmente aos fios de Kirschner, de movo a envolve-los. O intervalo entre os fios de aço é de aproximadamente 5 cm. As extremidades dos fios são então entrelaçados individualmente e tracionam a borda da ferida até um ponto seguro, para que não ocorra quebra do fio e que não haja tensão excessiva na pele. (imagem 1)
De maneira subsequente, a cada 2 - 3 dias, a depender do estado clínico do paciente e sua tolerabilidade, os fios de aço são novamente tracionados até que os bordos estejam aptos para fechamento primário. O procedimento pode ser realizado no centro cirúrgico sob anestesia ou sedação venosa, ou à beira do leito com bloqueio loco regional, a depender da tolerabilidade álgica do paciente. Os fios são mantidos até que haja cicatrização completa da ferida e podem ser retirados à beira do leito com auxílio de cortadores de fios. O custo médio do material utilizado é de 21 reais por paciente (aproximadamente 5 dólares).
Resultado
O primeiro caso (imagem 2) consiste em um exemplo de fechamento de pele em região dorsal devido lesão cutânea congênita de cerca de 20cm de diâmetro. O segundo caso (imagem 3) consiste em um caso em fechamento de peritoneostomia, o terceiro caso (imagem 4) um caso de lesão em escalpo, e o quarto caso (imagem 5) uma fechamento de fasciotomia.
Em todos os casos exemplificados não foram observados sofrimento isquêmico da pele ou demais intercorrências, sendo respeitada a tração permitida de acordo com a elasticidade da pele apresentada a cada procedimento.
Discussão
O conceito de expansão de tecidos foi primeiramente posto em prática por Neuman (4) em 1956, quando utilizou um expansor inflável esférico na região retroauricular. Ele realizou uma expansão intermitente por dois meses, sendo possível assim obter um ganho de pele. A partir de então, Radovan (5) e outros autores passaram a desenvolver a técnica de expansão lenta da pele.
Jauregui et al. realizou uma metanálise e comparou os diversos tipos de fechamento de fasciotomias descritos na literatura, incluindo tratamento conservador (curativos apenas), enxertos de pele parcial, sutura elástica, aproximação gradual, dermatotração dinâmica com dispositivos específicos e curativos de pressão negativa. Concluiu que a dermatotração dinâmica com dispositivos específicos (92,7%) e técnicas de aproximação gradual (92,4%) foram as técnicas com as maiores taxas de sucesso, já os curativos por pressão negativa obtiveram os piores resultados(6).
Algumas técnicas para se conseguir ganho de pele através da distensão intraoperatória, descritas por Hirshowitz et al.(7), Stough et al.(8), Lam et al.(9), Bjarnesen et al. (10) e outros, necessitam de equipamentos especializados para sua execução, estando indisponíveis na maioria dos hospitais e sendo de maior custo (11).
Em 1987, Bashir descreveu sua técnica utilizando fios de Kirschner, utilizada durante períodos de guerra do Iraque, com bons resultados. (12) Em 1997, Callanan e Macey descreveram uma variação da técnica de dermatotração utilizando fios de Kirschner, passando os fios no plano subdérmico nas bordas da ferida e posteriormente um elástico suturado nas bordas da ferida e envolvendo os fios de Kirschner. A técnica se mostrou eficaz e com custo inferior a outros dispositivo de dermatotração. (13)
A tração com fios de aço pode ser feita de maneira controlada, realizando tração conforme a necessidade, de modo que a vascularização, que é o fator limitante da tração cutânea nos diversos métodos, pode ser realizada sem comprometimento. A técnica descrita neste trabalho distribui a tensão por toda a borda da ferida, já que os fios de Kirschner ficam ancorados na derme com múltiplos fios de aço perpendicularmente entrelaçados, assim distribuindo de forma mais homogênea as forças de tração. Espessura, tensão da pele do retalho deslocado, palidez cutânea e dor são os indicadores para avaliar a tração feita com os fios de aço. Outra vantagem é o custo reduzido do procedimento, se comparado às outras técnicas. Os materiais utilizados são simples e de fácil acesso. Enquanto fios de aço custam aproximadamente R$ 5,00, outros dispositivos de dermatotração similares chegam a custar em torno de 500-1000 dólares e curativos de pressão negativa em torno de 96 dólares ao dia (14).
Quando comparada à enxertia tecidual, a dermatotração necessita de maior tempo de internação hospitalar, principalmente em feridas de grande amplitude, todavia, apresenta melhor padrão estético comparada à enxertia, com boa aceitação do paciente quanto ao internamento para sua realização. A técnica pode ser utilizada em pacientes que necessitam aguardar melhores condições clinicas, definição de estadiamento anatomopatológico ou mesmo enquanto aguarda abordagem definitiva por cirurgião plástico, reduzindo dimensões da ferida, podendo ser associada posteriormente a retalhos ou enxertos, caso necessário.
Uma possível limitação é a possibilidade de quebra dos fios de aço, que poderá implicar em nova abordagem, com necessidade de anestesia, para passagem de novo fio. Devido às características dos materiais utilizados pode haver desconforto para o paciente já que é necessário não haver pressão sobre a ferida. Além disso, deve-se salientar que há limitação de seu uso em caso de necrose da borda da ferida. Em feridas com grande lesão dérmica ou comprometimento vascular, o método pode se tornar difícil de executar devido a ausência de tecido viável e causar falha no fechamento da ferida. Como complicações podem ocorrer necrose tecidual, infecção, sangramentos, extrusão e quebra de fios impedindo tração completa, dor durante as trações em enfermaria e dor pós operatória. Mesmo com todos estes fatores, a técnica se mostra eficaz para o fechamento de grandes defeitos cutâneos, com baixo custo e sendo de fácil execução.
Conclusão
A técnica descrita neste trabalho é uma alternativa de grande valia, segura, de boa efetividade, de baixo custo, de fácil reprodutibilidade e de pouca morbidade ao arsenal de técnica aos cirurgiões para o fechamento de lesões complexas, muitas vezes de hospitalização prolongada e difícil manejo terapêutico. É realizada com materiais simples e disponíveis na maioria dos hospitais brasileiros, podendo ser utilizado por qualquer cirurgião como estratégia de tratamento em defeitos de grandes proporções, de natureza neoplásica avançada, vascular ou trauma.
Referências
1. Mathes SJ, Nahai F. Reconstructive Surgery. Principles, Anatomy Technique. New York: Churchill Livingstone and Qualit Medical Publishing; 1997.
2. Figueiredo JCA, Rosique RG, Maciel PJ. Tração cutânea intraoperatória para fechamento de ferida após mastectomia bilateral higiênica: relato de caso. Rev Bras Cir Plást. 2011;26(1):164-6.
3. Nina VJ, Assef MA, Rodrigues RR, Mendes VG, Lages JS, Amorim AM, et al. Reconstrução da parede torácica com suporte metálico externo: técnica alternativa na mediastinite pós-esternotomia. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2008;23(4):507-11
4. Neumann CG. The expansion of an area of skin by progressive distention of a subcutaneous ballon. Plast Reconstr Surg. 1957;19:124-30.
5. Radovan C. Development of adjacent flaps using a temporary expandable silastic expander. Plast Surg Forum. 1979;2:62-4.
6. Jauregui JJ, Yarmis SJ, Tsai J, Onuoha KO, Illical E, Paulino CB. Fasciotomy closure techniques. J Orthop Surg (Hong Kong). 2017;25(1):2309499016684724.
7. Hirshowitz B, Kaufman T, Ullman J. Reconstruction of the tip of the nose and ala by load cycling of the nasal skin and harnessing of extra skin. Plast Reconstr Surg. 1986;77(2):316-21.
8. Stough DB, Spencer DM, Schauder CS. New devices for scalp reduction. Intraoperative and prolonged scalp extension. Dermatol Surg. 1995;21(9):777-80.
9. Lam AC, Nguyen QH, Tahery DP, Cohen BH, Sasaki GH, Moy RL. Decrease in skin-closing tension intraoperatively with suture tension adjustment reel, balloon expansion, and undermining. J Dermatol Surg Oncol. 1994;20(6):368-71.
10. Bjarnesen JP, Wester JU, Siemssen SS, Blomqvist G, Jensen NK. External tissue stretching for closing skin defects in 22 patients. Acta Orthop Scand. 1996;67(2):182-4.
11. Góes CHFS, Kawasaki MC, Mélega JM. Fechamento de Feridas por Tração Cutânea Intra-operatória. Análise de 23 Casos. Rev Bras Cir Plást. 2004;19(2):69-74.
12. Bashir AH. Wound closure by skin traction: An application of tissue expansion. Br J Plast Surg 40: 582, 1987.
13. Callanan I, Macey . Closure of fasciotomy wounds. A technical modification. J Hand Surg Br. 1997 Apr;22(2):264-5
14. Alex JC, Bhattacharyya TK, Smyrniotis G, O’Grady K, Konior RJ, Toriumi DM. A histologic analysis of three-dimensional versus two-dimensional tissue expansion in the porcine model. Laryngoscope. 2001;111(1):36-43.
Palavras Chave
Cirurgia Plástica Reconstrutiva; Dermatotração; Feridas complexas
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago Universidade Federal de Santa Catarina - Santa Catarina - Brasil
Autores
TAMYRIS BERTOLA, JOSE PAULO TAPIE, DANIEL NARDINO GAZZOLA , LEONARDO GETULIO PIOVESAN, GUILHERME VERONA ECHER