60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

TUMOR DESMOIDE NA PAREDE ABDOMINAL APOS ABDOMINOPLASTIA: SERIE DE CASOS

Resumo

Os tumores desmoides são neoplasias fibrosas raras e invasivas originárias do tecido conjuntivo, com potencial de recorrência e morbidade significativa. Este trabalho relata dois casos incomuns de tumor desmoide diagnosticados após abdominoplastia em mulheres jovens. Ambas as pacientes desenvolveram massas abdominais palpáveis após a cirurgia estética, levando à investigação diagnóstica e confirmação histopatológica de tumor desmoide.

Introdução

Os tumores desmoides são neoplasias fibrosas raras e de crescimento localizado originárias do tecido conjuntivo. Embora não sejam considerados malignos no sentido tradicional, esses tumores apresentam características agressivas e invasivas, podendo causar significativa morbidade e recorrência local. Ocorrem mais frequentemente em mulheres jovens, geralmente na região do abdômen, parede abdominal e outros tecidos moles. A abdominoplastia é um procedimento cirúrgico estético que visa melhorar a aparência do abdômen, removendo o excesso de pele e gordura, e, em alguns casos, reparando a musculatura abdominal. Embora seja considerada uma intervenção segura, todo procedimento cirúrgico envolve riscos potenciais de complicações pós-operatórias . Esta séries de caso tem como objetivo apresentar dois episódios incomuns de tumor desmoide diagnosticado após a realização de uma abdominoplastia. Os casos ilustram a importância do acompanhamento rigoroso dos pacientes submetidos a cirurgias abdominais e destaca a necessidade de considerar a possibilidade de complicações tardias, como o desenvolvimento desses tumores.

Objetivo

Esta séries de caso tem como objetivo apresentar dois episódios incomuns de tumor desmoide diagnosticado após a realização de uma abdominoplastia. Os casos ilustram a importância do acompanhamento rigoroso dos pacientes submetidos a cirurgias abdominais e destaca a necessidade de considerar a possibilidade de complicações tardias, como o desenvolvimento desses tumores.

Método

Descreveremos detalhadamente dois casos de pacientes que desenvolveram tumor desmoide após a realização de abdominoplastia. A primeira paciente é do sexo feminino, de 40 anos de idade, sem histórico prévio significativo de doenças ou cirurgias abdominais, que se submeteu a uma abdominoplastia estética em 2015. O procedimento foi conduzido sem intercorrências e a paciente teve uma recuperação satisfatória no pós-operatório. No quinto mês de pós-operatório, houve retorno da queixa de abaulamento epigástrico. Durante o exame físico encontrou-se área circular de enduramento subcutâneo indolor medindo em torno de 10 cm de diâmetro (Figura 1). Ultrassonografia da parede abdominal mostrou imagem hipoecoica subcutânea que poderia corresponder à área de fibrose. A paciente foi submetida, então, a lipoaspiração localizada na região epigástrica. Com um mês e meio de pós-operatório, observou-se novo crescimento tumoral na região epigástrica, desta vez com envolvimento da pele (irregularidades). Levantou-se a hipótese de neoplasia e realizou-se biopsia incisional do tecido. Após discussão do caso com patologista, chegou-se a hipótese diagnóstica de tumor desmoide. Encaminhada ao serviço de oncologia, realizou-se tomografia computadorizada (TC) de abdome na qual se detectou lesão inflamatória envolvendo parede abdominal. O rastreamento foi realizado com radiografia de tórax, TC de coluna torácica e CEA-antígeno carcinoembrionário- que se mostraram normais. Com a hipótese diagnóstica de tumor benigno da parede abdominal, foi indicada ressecção ampla em monobloco com reconstrução, importando pele, subcutâneo, lâmina anterior da bainha do reto abdominal e parte anterior do ventre do músculo reto abdominal (Figura 2 e 3). A reconstrução da parede abdominal foi realizada com tela de polipropileno sobre área de ressecção no reto abdominal e avanço de retalhos cutâneos. O estudo anatomopatológico diagnosticou a lesão como tumor desmóide, com margens cirúrgicas livres. (Figura 4). O pós-operatório transcorreu sem intercorrências e a paciente evoluiu de forma satisfatória. Atualmente, oito anos após a cirurgia, encontra-se sem evidência clínica ou radiológica de recidiva da lesão.
O segundo caso é de uma paciente do sexo feminino, de 36 anos de idade, também sem histórico prévio significativo de doenças ou cirurgias abdominais e que se submeteu a uma abdominoplastia estética em 2022. O procedimento foi conduzido sem intercorrências e a paciente teve uma recuperação satisfatória no pós-operatório. Cerca de 12 meses após a cirurgia, a paciente relatou a presença de uma massa abdominal palpável e sensível ao toque. A avaliação clínica e exames de imagem, incluindo ressonância magnética e tomografia computadorizada, foram realizados para investigar a origem da massa. Os resultados dos exames revelaram uma lesão sólida pélvica, heterogênea, de aproximadamente 20 cm, com acentuado efeito de massa nas estruturas adjacentes, infiltrando e invadindo a musculatura retoabdominal. A biópsia da lesão foi realizada e a análise histopatológica revelou características consistentes com um tumor desmoide. Diante do diagnóstico, a paciente foi encaminhada a uma equipe multidisciplinar para discutir o melhor plano de tratamento. A opção de tratamento escolhida foi a cirurgia de ressecção ampliada pela equipe da oncologia, seguida de reconstrução imediata com a equipe de cirurgia plástica. Foi realizado ressecção do tumor de parede abdominal em abdome inferior com defeito de 25x20cm, em bloco, incluindo o reto abdominal a direita. Na reconstrução foi realizada descolamento de aponeurose remanescente, reimplante de ventre esquerdo de musculo reto abdominal, liberação de componentes com avanço de aponeurose de musculo obliquo, reconstrução parcial da parede abdominal com aponeurose e musculo reto abdominal remanescente, finalizando com alocação da tela de dupla face. O pós-operatório transcorreu sem intercorrências e a paciente evoluiu de forma satisfatória.

Resultado

Fotos em anexo

Discussão

O tumor desmoide é raramente descrito, corresponde a 0,03% de todas as neoplasias e menos de 3% de todos os tumores de tecidos moles. A incidência estimada na população geral é de dois a quatro casos por milhão de pessoas por ano. Acometem com maior frequência portadores de polipose adenomatosa familiar (PAF) e, em especial, os doentes com de Gardner, nos quais se desenvolvem em até 20% dos casos. O surgimento da forma esporádica da neoplasia (não associada a PAF) é evento de extrema raridade, com incidência anual estimada entre dois a cinco casos por milhão de habitantes.
A etiologia dos TD não foi ainda totalmente esclarecida, embora os achados histológicos sejam bem característicos, atualmente, todo conhecimento a seu respeito se baseia apenas em alguns relatos isolados. Todavia, existem fatores reconhecidamente relacionados ao seu desenvolvimento: genéticos, hormonais e traumáticos. A patogênese da doença ainda não está clara.
A história natural dos tumores de partes moles da parede abdominal é pobremente estudada devido à raridade dos mesmos. Possivelmente, o tumor desmoide pode ser confundido com granuloma e processo inflamatório, como ocorreu com uma das pacientes da presente serie de casos, sendo a paciente, então, submetida a uma abdominoplastia secundária e uma lipoaspiração desnecessária. Por isso, o médico deve estar atento às possíveis manifestações clínicas de tais tumores para permitir o diagnóstico e tratamento precoces.
A radiografia simples do abdome é de pouca valia nos TD da parede abdominal, pelas dificuldades em definir precisamente a localização do tumor e o envolvimento de tecidos ou órgãos próximos. A ultra-sonografia do abdome possui melhor acuidade diagnóstica, porém quando comparada à tomografia computadorizada e ressonância magnética apresenta menor precisão na avaliação do comprometimento de tecidos e órgãos vizinhos. O exame histopatológico estabelece o diagnóstico definitivo.
A microscopia demonstrou lesão mesenquimatosa composta predominantemente de células fusiformes, com pequenos núcleos em fuso distribuídos longitudinal e transversalmente, com raras figuras de mitose, imersas em abundante substância amorfa rica em colágeno. Observou-se maior população celular nas zonas periféricas do tumor, enquanto a região central é preenchida por maior quantidade de colágeno.
O tratamento dos TD é orientado pela sua localização, extensão a órgãos vitais ou se há presença de recidiva. O tratamento de escolha para as pacientes do presente estudo foi a extirpação cirúrgica, realizada com amplas margens de segurança, já que normalmente esses tumores apresentam extensão não palpável para órgãos adjacentes, prejudicando a estimativa intraoperatória da extensão da doença.
Apesar da raridade, o cirurgião plástico deve estar atento à possibilidade de ocorrência do tumor desmoide, pois este pode ocorrer após realização de cirurgia plástica na parede abdominal, devendo ser diferenciado de granulomas e processos inflamatórios. Deve-se recomendar, o mais rápido possível, a terapia cirúrgica e medicamentosa adequada, evitando, com isso, o comprometimento visceral e a necessidade de operações extensas com inevitáveis sequelas estéticas e funcionais.
Este relato de caso destaca a importância de estar atento a complicações tardias após procedimentos cirúrgicos abdominais, incluindo a abdominoplastia. Embora o tumor desmoide seja uma ocorrência rara, os cirurgiões plásticos e outros profissionais de saúde devem estar cientes dessa possibilidade e informar os pacientes sobre os sinais de alerta, como a presença de massas ou inchaços no local da cirurgia. Embora ainda não haja evidências conclusivas que vinculem diretamente a abdominoplastia ao desenvolvimento de tumores desmoides, é crucial acompanhar de perto os pacientes submetidos a esse procedimento e considerar a investigação diagnóstica apropriada caso ocorram sintomas sugestivos.

Conclusão

As vantagens da cirurgia plástica são inúmeras, mas o risco de complicações existe e o paciente deve ser bem orientado pelo seu médico. Na abdominoplastia, o aparecimento de abaulamento em área de descolamento, com crescimento progressivo, deve ser investigado.O presente estudo demonstra ocorrências incomuns de tumor desmoide após abdominoplastia. A conscientização sobre essa possível complicação é essencial para garantir a detecção precoce e o tratamento adequado. A comunicação eficaz entre cirurgiões, oncologistas e pacientes é fundamental para uma abordagem integrada e personalizada em casos como esses. É necessário continuar investigando a relação potencial entre cirurgias abdominais e o desenvolvimento de tumores desmoides por meio de estudos clínicos e de acompanhamento de longo prazo.

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Palavras Chave

tumor desmoide; Abdominoplastia

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

Hospital das Forças Armadas - Distrito Federal - Brasil

Autores

JULIANA CUNHA DA COSTA, IZABELLE MONTANHA BARBOSA, CARLOS EDUARDO TEIXEIRA, DJEIFY ALEXANDRE PESSOA JR, THIAGO EBERHARD DUTRA