60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

UMA ABORDAGEM BIOPSICOSSOCIAL EM UMA PACIENTE COM SÍNDROME DE MORRIS NA CIRURGIA PLÁSTICA

Resumo

Introdução: Este relato de caso aborda a Síndrome de Morris, uma condição de distúrbio de diferenciação sexual (DDS) masculino decorrente da insensibilidade aos andrógenos desde o período gestacional, retardando o diagnóstico. A maioria dos indivíduos afetados é criada como fenótipo feminino até́ o diagnóstico, gerando um impasse quanto à identidade de gênero. A escassez de estudos sobre os aspectos psicossociais desses indivíduos destaca a necessidade da abordagem do tema. Relato de caso: paciente B.T, 24 anos, com Síndrome de Morris e identificação com gênero feminino apesar do genótipo XY, com desejo de mamoplastia de aumento. Discussão: A Síndrome de Morris, ou Síndrome de Insensibilidade Completa ao Androgênio (SICA) resulta em feminização na puberdade mesmo com genótipo XY, gerando questionamentos quanto a identidade sexual. Contextos sociais e culturais influenciam significativamente na integração dos indivíduos com base em sua sexualidade. Conclusão: destaca-se que esta síndrome gera questionamentos quanto a identidade de gênero e aspectos de convívio em sociedade, afetando a qualidade de vida e saúde mental destes indivíduos. O cuidado do cirurgião plástico é de extrema importância neste processo.

Introdução

A síndrome de Morris, primeiramente descrita por John Morris, caracteriza-se por uma forma de distúrbio de diferenciação sexual (DDS), no qual o indivíduo, que é 46 XY, apresenta uma insensibilidade completa aos receptores andrógenos, o que cursa com a não diferenciação sexual para o fenótipo masculino no desenvolvimento embrionário, ou seja, não há virilização intraútero¹ ² ³. Por esse motivo, a maioria dos indivíduos são criados por suas famílias e vivem a vida se identificando como meninas/mulheres até o momento do diagnóstico⁴ comumente verificado pós investigação de amenorreia primaria, sendo a terceira causa mais frequente no mundo. Após o diagnóstico, os pacientes são confrontados quanto à sua identificação de gênero e orientação sexual, podendo identificar-se tanto como do gênero feminino quanto do masculino e optando pela mudança do fenótipo, o que impacta diretamente as relações interpessoais e a saúde mental dos mesmos⁵. Poucos são os estudos e trabalhos que abordam questões psicossociais desses indivíduos, que possuem demandas especiais e estão vulneráveis a uma série de problemas relacionados a essa divergência genótipo-fenótipo. Dessa forma, com esse relato queremos discutir os aspectos psicossociais que permeiam a decisão desses indivíduos e quais são os impasses com os quais eles se deparam ao realizar um procedimento estético.

Objetivo

Este trabalho visa relatar um caso de Síndrome de Morris, destacando os aspectos biopsicossociais envolvidos na decisão de mamoplastia de aumento, e discutir as implicações da condição na identidade de gênero, saúde mental e qualidade de vida da paciente.

Método

Este trabalho é um relato de caso que objetiva apresentar um caso de uma paciente com Síndrome de Morris. A busca bibliográfica foi realizada nas plataformas: PubMed, Web of Science, Google Scholar. Os descritores utilizados na busca foram: " Síndrome de Morris", " Insensibilidade à andrógenos", " saúde mental", "tardio", "distúrbio de diferenciação sexual". As palavras-chave foram combinadas usando os operadores booleanos "E" e "OU". Os critérios de inclusão foram: artigos originais, revisões e relatos de caso publicados nos últimos 20 anos, em inglês, espanhol ou português, que abordassem aspectos psicológicos, fisiológicos, sociais e médicos em pacientes com a rara síndrome de Morris. Os dados extraídos foram sintetizados e apresentados de acordo com os tópicos de interesse. Cada artigo foi avaliado com base em vários critérios, incluindo a clareza dos objetivos, a adequação da amostra, a validade e confiabilidade das informações, a consideração de possíveis vieses, e a apresentação dos resultados.

Resultado

Paciente B.T, sexo feminino, 24 anos, originária de Campinas/SP, solteira, procurou atendimento médico com o intuito de submeter-se a um procedimento de implante mamário. Durante a consulta, relatou ser portadora da SICA. O diagnóstico precoce foi estabelecido por meio de avaliação cromossômica, revelando genótipo XY, apesar da identificação como mulher desde a infância. Dado sua identificação como fenótipo feminino, traz como queixa o incômodo com as mamas pequenas. A paciente já foi submetida a intervenções cirúrgicas, incluindo avaliação laparoscópica de gônadas intra-abdominais, apendicectomia, adenoidectomia e herniorrafia inguinal durante a juventude. Apresenta também hipotireoidismo, demandando medicação diária para reposição hormonal, estabilização do humor e controle desta comorbidade. No exame físico, as mamas são caracterizadas por hipomastia, sendo simétricas, sem evidência de nódulos ou retrações. Diante deste quadro, embora de genótipo masculino, a paciente identifica-se como do gênero feminino, caracterizando uma complexidade que amplia o desafio médico para além do âmbito da mudança física. Neste cenário, torna-se imperativo adotar uma abordagem multidisciplinar que integre suporte psicossocial para atender às necessidades específicas dessa paciente. A consideração cuidadosa de uma intervenção cirúrgica, como uma mamoplastia de aumento, deve ser discutida como parte de uma estratégia global para otimizar sua qualidade de vida e bem-estar, possibilitando autoaceitação e melhor inserção da mesma em sociedade.

Discussão

Indivíduos com a forma completa da SIA têm o fenótipo feminino na puberdade, com mamas pequenas, normais ou aumentadas, contornos corporais femininos e ausência de acne e pelos, o que faz com que esses pacientes portadores dessa síndrome sejam tratados por seus tutores e pela sociedade como do gênero feminino. É importante ressaltar que a orientação e identificação sexual são moldadas por uma interação complexa de fatores, sendo eles genéticos, sociais, ambientais, socioeconômicos e comportamentais. Nesse sentido, o contexto social e cultural da comunidade influencia significativamente em como o indivíduo se reconhece e em como se dá́ sua integração em sociedade com base na sua própria sexualidade. Assim, esse relato aborda esta rara condição, cuja incidência é de 1 em cada 64.000 habitantes e visa comprovar a relevância do tema discutido, visto que é um processo desafiador de autoaceitação e entendimento de identidade de gênero, uma vez que os pacientes cresceram e se desenvolveram instruídos a identificar-se como do gênero feminino em discordância com seu genótipo masculino. Esse fato demonstra que a sexualidade é social, ambiental, emocional e comportamental, indo além da genética. É um debate de extrema relevância que ganha notoriedade no século XXI.

Conclusão

Com este relato concluímos que, esta síndrome, muito além de alterações hormonais e de um genótipo pré determinado, gera uma condição complexa quanto ao entendimento da própria sexualidade e da identificação de gênero, impactando diretamente na qualidade de vida e saúde mental desses pacientes. Diante disso, o papel do cirurgião plástico é compreender a história pregressa do seu paciente portador dessa rara condição e as motivações que levaram a procurá-lo para afirmar em sua aparência física o fenótipo com o qual se identifica. Essa construção do cuidado médico-paciente contribuirá para o bem-estar biopsicossocial do indivíduo. É essencial que a formação profissional do cirurgião plástico inclua a abordagem de casos como desta paciente, pois através da especialidade tem-se a possibilidade de reparar a queixa física desses pacientes, além de promover autocuidado, saúde mental e inclusão social.

Referências

¹ Tyutyusheva N, Mancini I, Baroncelli GI, D’Elios S, Peroni D, Meriggiola MC, et al. Complete Androgen Insensitivity Syndrome: From Bench to Bed. International Journal of Molecular Sciences. 2021 Jan 27;22(3):1264.
² Melo K, Mendonça B, Elisa A, Billerbeck C, Costa E, Latronico A, et al. [cited 2024 Feb 21]. Androgen Insensitivity Syndrome: Clinical, Hormonal and Molecular Analysis of 33 Cases. Arq Bras Endocrinol Metab vol 49 no 1 Frebruary 2005
³ Chen Z, Pin L, Lyu Y, Wang Y, Gao K, Wang J, et al. Molecular genetics and general management of androgen insensitivity syndrome. Intractable & Rare Diseases Research. 2023 May 31;12(2):71–7.
⁴ Guo M, Huang J, Li CF, Liu Y. Complete androgen insensitivity syndrome: a case report and literature review. Journal of International Medical Research. 2023 Feb 1;51(2):030006052311544- 030006052311544.
⁵ Poncelet M, Delvenne V. Transition of Mental Health Care for Transgender Youth Aged Between 16 and 24 Years Old. Psychiatria Danubina [Internet]. 2023 Oct 1 [cited 2024 Feb 21];35(Suppl 2):185–8.

Palavras Chave

Síndrome de Morris; distúrbios de diferenciação sexual; saúde mental

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

Santa Casa de Campinas - Serviço Prof. Dr. Ricardo Baroudi - São Paulo - Brasil

Autores

MA?RA BIANQUIM TORREZAN, RODRIGO PINTO GIMENEZ, CAMILA CAMILOTI BRITTO LISBOA, PATRÍCIA VIRGÍNIA LEON CRUZ, ANA HECKTHEUER CANZI, LUCCAS LEITE DA SILVA