Dados do Trabalho
Título
INFUSAO DE NANDROLONA ASSOCIADO A VITAMINAS A, D E E EM MEMBROS SUPERIORES E TORAX: RELATO DE CASO
Resumo
Este artigo relata o caso clínico de um paciente do sexo masculino, 29 anos, que desenvolveu complicações sistêmicas graves após a injeção de Estigor®, produto de uso veterinário composto por nandrolona, vitaminas A D e E e um solvente oleoso em membros superiores e tórax. A condição evoluiu com resultado inestético grave, hipertrofia muscular desproporcional nas áreas injetadas, dor, perda de força nos membros superiores e diminuição de função respiratória devido a fibrose, com indicação de transplante pulmonar.
Introdução
Há relatos de longa data do uso de diversos métodos para potencializar resultados obtidos através da musculação, quando não se alcança a hipertrofia muscular no prazo desejado. Os óleos de aplicação local intramuscular têm ganhado destaque, uma vez que os usuários injetam grande quantidade dessas substancias, para obter aumento imediato de grupo muscular desejado. Entre os compostos utilizados, estão presentes as injeções do complexo vitamínico veterinário nandrolona associado as vitaminas lipossolúveis A, D e E (ADE), óleo mineral e parafina.
Apesar de perigosa, sem respaldo técnico e científico, a prática vem se tornando cada vez mais comum, resultando em efeitos lesivos e deformidades físicas sérias entre os usuários. De acordo com estudos, entre 15% e 33% dos frequentadores de academias administraram substâncias como andrógenos e óleos de aplicação local sem orientação, resultando em diversas complicações sistêmicas e comportamentais.
Entretanto, a prevalência específica do uso e as complicações sistêmicas da aplicação intramuscular de óleos sem propriedades anabolizantes ainda não foram identificadas por nenhuma pesquisa. Dados empíricos revelam pelo menos 30 casos recentes de graves sequelas decorrentes da aplicação do ADE. No Brasil, desde 1998, há registros documentados de mortes relacionadas ao uso de óleos de aplicação local, cujo acesso fácil, baixo custo e comercialização em lojas de produtos veterinários sem regulamentação têm contribuído para sua utilização indiscriminada.
Fatores como o aumento do perímetro local, aplicação em grande volume de substâncias oleosas, técnica e assepsia inadequadas podem resultar em agressão tecidual grave, fibrose, transmissão de doenças infecciosas, infecção local e sistêmica, dor à contração muscular, diminuição da força muscular e ocorrência de eventos embólicos.
O presente relato de caso destaca uma apresentação incomum, a qual evoluiu para importante deformidade física e fibrose pulmonar, após injeção de Nandrolona E e suplementação de vitaminas A, D e E em membros superiores e tórax devido a infiltração do produto e a intensa reação inflamatória gerada.
Objetivo
O objetivo do presente trabalho é relatar um caso de injeção de complexo vitamínico de uso veteranário para fins estéticos com repercussões sérias e limitantes. Levantando um assunto importante para discussão, como a necessidade de regulamentação de tais substâncias além das possibilidade de tratamento para devolver funcionalidade ao paciente.
Método
Caso Clínico:
Paciente do sexo masculino, OAAP, 29 anos, previamente hígido, nega uso atuais de medicamentos ou tabagismo. Queixava-se de assimetria em membros superiores com dificuldade de movimentação e dispneia aos leves esforços. Relatou injeção de óleo Estigor® (nandrolona + vitamina ADE) em antebraços, bíceps, tríceps, deltoides e peitorais durante 3 anos, sendo a última sessão em 2012. Em 2015, o paciente apresentou os primeiros sinais de reação adversa ao produto, com episódios de edema significativo nos locais de aplicação, que evoluíram para lesões ulceradas. Em 2018, na avaliação clínica, apresentava edema importante em membros superiores e peitoral, áreas hipercrômicas e redução da amplitude de movimento das mãos. Foi submetido a propedêutica com Ressonância Magnética, que evidenciou lipossubstituição em quase toda a extensão muscular dos braços, antebraços e ombros, além de lesões intrapulmonares. Foi proposto então, abordagem cirúrgica com miectomia parcial, desbridamento dos membros superiores e tórax.
Resultado
Foram realizadas 3 abordagens em 2018, 2019 e 2020. As cirurgias se mostraram extremamente desafiadoras devido ao intenso sangramento do tecido e à completa distorção da anatomia original do membro.
Em 2021, o paciente apresentou importante perda de função pulmonar, com quadro de dispneia, dessaturação e alterações na espirometria. Posteriormente, evoluiu com perda ponderal, acompanhado por queixas de pirose, náuseas, vômitos e hiporexia. Realizada nova tomografia de tórax, a qual revelou múltiplos focos de consolidação irregular e micronódulos pulmonares bilaterais, associados a bronquioloectasias de tração e espessamento difuso de septos interlobulares. Apresentou também dilatação do tronco da artéria pulmonar. A broncoscopia e a biópsia realizadas não apresentaram alterações significativas. O ecocardiograma transtorácico revelou dilatação leve do ventrículo e átrio direito com comprometimento da função sistólica. Parâmetros espirométricos indicando distúrbio ventilatório restritivo. Diante da propedêutica realizada, a equipe de pneumologia do Hospital das Clínicas indicou a realização de transplante pulmonar.
Discussão
Este caso clínico destaca a gravidade das complicações associadas ao uso inadequado de substâncias para melhoria da performance, evidenciando as múltiplas manifestações sistêmicas e os desafios diagnósticos e terapêuticos envolvidos.
A ausência de comorbidades prévias e a negação de uso de medicamentos ou tabagismo destacam a relação direta entre as aplicações de Estigor® e as complicações apresentadas.
A avaliação clínica do paciente revelou uma deterioração progressiva do estado de saúde como: acentuado declínio de peso, sintomas gastrointestinais, complicações locais, incluindo edema, lesões ulceradas, restrição de movimento, fibrose nos membros superiores, além da queixa estética da assimetria, em que as abordagens cirúrgicas foram insuficientes para restituir função e forma ao membro.
A limitação significativa da função respiratória, bem como as lesões intrapulmonares vistas na tomografia, evidenciam a disseminação sistêmica dos efeitos inflamatórios, fomentando a hipótese de insuficiência respiratória crônica secundária a pneumopatia fibrosante.
A decisão de indicar o paciente para transplante pulmonar destaca a gravidade da situação, embora a avaliação de risco-benefício seja complexa devido à raridade do quadro respiratório.
Conclusão
Este relato de caso destaca uma associação entre a infusão de Nandrolona E e a suplementação de vitaminas A, D e E.
Os efeitos adversos observados, como edema, lesões ulceradas e, por fim, comprometimento grave, são alarmantes e ressaltam os perigos do uso indiscriminado dessas substâncias.
A incidência de casos graves, como este, reforça a necessidade de regulamentações mais rigorosas e intervenções educativas para desencorajar o uso não supervisionado de substâncias ergogênicas. Além disso, a raridade desse tipo de complicação reforça a necessidade de pesquisa contínua para entender e abordar adequadamente tais situações.
Referências
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Pitanguy, I. (1998). Uso de substâncias injetáveis em cirurgia plástica: complicações e tratamento. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, 13(2), 25-32. doi:10.5935/2177-1235.19980005.
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Palavras Chave
ESTIGOR; NANDROLONA
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Hospital das Clínicas UFMG - Minas Gerais - Brasil
Autores
ANA CÉLIA HOLLANDA CAVALCANTI GUIMARÃES, ISABELLA BRISA GONTIJO BUENO, ANDRÉ CARNEIRO ROCHA, PALOMA APARECIDA FREITAS DUARTE, GUSTAVO MOREIRA COSTA DE SOUZA, LUCAS FONSECA QUEIROZ