Dados do Trabalho
Título
RECONSTRUÇAO TARDIA DO PAVILHAO AURICULAR POS PERICONDRITE POR PIERCING - RELATO DE CASO
Resumo
A prática de piercings corporais é difundida ao longo da história em diversas culturas e sociedades. O corpo mumificado mais antigo já encontrado, datado entre 3350 e 3105 A.C. A adoção moderdesse procedimento, associada à ampla desregulamentação do cenário profissional pode acarretar riscos para a saúde dos usuários, com complicações como pericondrite, abscessos e hematomas. Na falha do tratamento precoce, pode ser necessária a reconstrução cirúrgica. Apresentamos um caso de reconstrução após sequela grave por piercing em terço superior da orelha.
Introdução
A prática de piercings corporais é difundida ao longo da história em diversas culturas e sociedades. O corpo mumificado mais antigo já encontrado, datado entre 3350 e 3105 A.C. possuía um piercing de aproximadamente 10mm na orelha.1
No mundo ocidental do final do século XX e início do XXI, essa prática foi adotada pela população de adolescentes e adultos jovens, com finalidade estética e de auto-afirmação. Entretanto, a perfuração da pele e, principalmente, cartilaginosa, por profissionais não habilitados é bastante prevalente e passível de complicações como pericondrite, abscesso subpericondral e perda da cartilagem.
O objetivo deste artigo é descrever a condução de um caso de reconstrução do terço superior da orelha por sequela de pericondrite.
Revisão de Literatura
O piercing corporal é um procedimento invasivo, e é estimado que 1 a cada 5 apresente complicações. No reino unido, 95% dos médicos de família já reportaram morbidades por piercing, sendo 40% em umbigo, 35% orelhas, 12% nariz, 5% mamilos e 8% divididos entre língua, queixo, sobrancelhas e genitais. Infecção foi a causa mais comum de admissão, com 78% dos casos.2
Os microorganismos mais frequentemente isolados em culturas de secreção de infecções da orelha são Staphilococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa.3,4 A pericondrite se instala geralmente em até 4 semanas do procedimento e, se houver comprometimento subpericondral, a abordagem cirúrgica para drenagem é inevitável. Caso contrário, haverá necrose e degeneração da cartilagem, levado a sequelas estéticas importantes.5
No âmbito das reconstruções cirúrgicas, Devemos a Gillies, em 1920, o pioneirismo do uso de cartilagem costal para reconstrução do arcabouço auricular. Suraci, em 1944, descreveu 7 critérios para uma reconstrução de microtia:
1) tamanho correto;
2) aparência semelhante à orelha contralateral;
3) projeção semelhante à orelha contralateral;
4) posição correta;
5) suporte robusto e cobertura tecidual;
6) pigmentação;
7) estabilidade ao longo do tempo; 6
Coube a Tanzer7,8, em 1959, popularizar o uso de costela autógeno para reconstrução do arcabouço auricular - a princípio em 6 tempos e redução subsequente para 4 tempos.
Diversos outros autores - Converse, Brent, Nagata, Firmin - em seus estudos, contribuíram para a evolução e padronização da técnica.
Avelar9, em 1977, descreveu a reconstrução em um único tempo cirúrgico, utilizando cartilagem autóloga e fechamento com Retalho Fasciotemporal e enxertia de pele.
Objetivo
O objetivo deste artigo é descrever a condução de um caso de reconstrução do terço superior da orelha por sequela de pericondrite.
Método
Apresentação do caso
S. L. M. R, 16 anos, admitida no ambulatório da Cirurgia Plástica da Santa Casa de Santos com queixa de deformidade auricular após piercing em terço superior da orelha há 2 anos. Após avaliação do caso, foi optado por reconstrução com cartilagem costal modelada.
Técnica Cirúrgica
A paciente foi operada sob anestesia geral. Primeiramente abordou-se a orelha comprometida, dissecando-se a cartilagem da pele fibrosada e retraída, para estimar a quantidade de cartilagem a ser coletada da sincondrose costal. Após obtido um retalho de pele satisfatório, foi optado por uma incisão anterior, transversa, em tórax ipsilateral, entre 6o e 7o espaços intercostais, para coleta da cartilagem, com preservação do pericondrio anterior e posterior.
A cartilagem então foi moldada de acordo com modelo tridimensional da orelha contralateral obtido com o software Scaniverse.
Obtido o arcabouço desejado, o próximo passo foi a inclusão da neo-cartilagem sob a pele dissecada, de modo a obter um fechamento primário e reconstrução da hélice, antihélice e escafa. Durante a confecção do curativo foram posicionados pontos captonados para minimizar a força de cisalhamento entre pele e enxerto e também a formação de coleções subcutâneas.
Resultado
A paciente recebeu alta no 1o pós operatório, e passou a ser acompanhada ambulatorialmente a cada 7 dias. No 21o PO foram retirados os pontos captonados, com a preservação do aspecto da neo-orelha. Manteve-se o uso de faixa pós operatória.
Com 60 dias a paciente foi liberada para permanecer sem faixa durante o dia-a-dia, exceto para dormir e prática de esportes.
Discussão
Piercing corporal, inclusive auricular, se tornou amplamente difundido. A falta de regulamentação e profissionais bem treinados expõe os pacientes à complicações Peri-procedimentos que podem acarretar sequelas graves.
A pequena quantidade de tecido celular subcutâneo e pobre irrigação sanguínea da cartilagem auricular são fatores que tornam a região particularmente suscetível a pericondrite.
As técnicas descritas por Nagata (1993), Brent (1999) para correção de microtias congênitas e traumáticas estabelecem uma sistematização de difícil curva de aprendizado porém boa reprodutibilidade para uma diversidade de casos.6
O caso apresentado foi passível de reconstrução em tempo único devido a preservação da cobertura cutânea remanescente e necessidade de um arcabouço mais simples, assemelhando-se às incisões tipo II e III apresentadas por Firmin11.
Conclusão
A reconstrução cirúrgica é a opção de resgate para os casos em que há falha da abordagem precoce com antibioticoterapia e desbridamento. Nas mãos de uma equipe experiente é possível entregar ao paciente bom resultado estético e funcional.
Referências
1) Hesse, Rayner W. (2007). Jewelrymaking through History: an Encyclopedia. Handicrafts Through World History. Greenwood Publishing Group. ISBN 978-0-313-33507-5.
2) BBC News. Piercing problems for ‘one in five’. Jan 8, 2002. http://www.aegis.com/news/bbc/2002/BB020104.html (accessed Aug 24, 2002).
3) De Paula Fernandez, A. Post-piercing perichondritis. Rev Bras Otorrinolaringol
2008;74(6):933-7.
4) Todd C. Lee MD, Wayne L. Gold MD. Necrotizing Pseudomonas chondritis after piercing of the upper ear. CMAJ, April 19, 2011, 183(7)
5) Freitas, R. Reconstrução de orelha pós condrite por piercing: relato de caso.Arquivos Catarinenses de Medicina - Volume 32 - Suplemento 01 - 2003
6) Auricular construction; Dale J. Podolsky, Leila Kasrai, and David M. Fisher; PLASTIC SURGERY, FIFTH EDITION; Copyright © 2024, Elsevier Inc.
7) TANZER, R. C.: Total reconstruction of the external ear. Plastic and Reconstr. Surgery, 23: 1-15, 1959.
8) TANZER, R. C.: Total reconstruction of the auricle. The evolution of a Plan of treatment. Plastic Reconstr. Surgery, 47: 523-533, 1971.
9) AVELAR, J. M.: Reconstrução total do pavilhão auricular num único tempo cirúrgico. Revista Brasileira de Cirurgia (5/6): 139. 1977
10) Stirn, A. (2003). Body piercing: medical consequences and psychological motivations. The Lancet, 361(9364), 1205–1215. doi:10.1016/s0140-6736(03)12955-8
11) A Novel Algorithm for Autologous Ear Reconstruction
Franc ̧oise Firmin, M.D.,1 and Alexandre Marchac, M.D.2. SEMINARS IN PLASTIC SURGERY/VOLUME 25, NUMBER 4 2011
12) Ear Reconstruction Using Autologus Costal Cartilage: A Steep Learning Curve. Paritkumar S. Ladani1 • Rajesh Valand1 • Hermann Sailer1. J. Maxillofac. Oral Surg. (July–Sept 2019) 18(3):371–377
Palavras Chave
Orelha; Pericondrite; reconstrução
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Santa Casa dde Santos - São Paulo - Brasil
Autores
ANDRE MAJCZAK, RODRIGO DORNELLES, MICHELLE COSTA, LUANA ARAUJO, JOAO VOLLET, LETICIA MENDES