Dados do Trabalho
Título
RINOPLASTIA ETNICA NA POPULAÇAO BRASILEIRA: CONCEITOS ATUAIS
Resumo
Os narizes brasileiros compartilham algumas características muito comuns que são encontradas com frequência. A pele do nariz costuma ser um pouco mais espessa, muito inelástica no terço inferior do nariz e, sobretudo, mais pesada quando comparada aos indivíduos indo-caucasianos. O tecido subcutâneo e o tecido SMAS também são um pouco mais espessos. A raiz do nariz geralmente é um pouco mais baixa e os ossos nasais mais curtos. Além disso, a base nasal tende a ser alargada. As cartilagens nasais costumam ser mais curtas e fracas, sendo muito comum o desvio septal. Devido à pele pesada sobre uma cartilagem mais fraca, é frequente observar uma deformação da crura média logo abaixo do domus. Naturalmente, todas essas características não são observadas em todos os brasileiros, mas são muito comuns independentemente da origem étnica e requerem técnicas cirúrgicas específicas para cada anatomia, as quais são discutidas no presente trabalho.
Introdução
Em alguns países do Leste europeu e do Oriente Médio (1,2), as populações apresentam características bastante semelhantes no que que tange a anatomia nasal e, ao realizar a rinoplastia, os resultados podem ser bastante previsíveis. Em contrapartida, foi observado que a população latino-americana de forma geral apresenta uma grande miscigenação étnica, principalmente no Brasil, em virtude de sua extensão continental (3). No último censo demográfico de 2022, a etnia foi autoclassificada por cada indivíduo. Mesmo não apresentando precisão científica, 45,34% declararam-se pardos, 43,45% brancos, 10,17 negros, 0,6% indígenas e 0,42% amarelos numa população brasileira de 203 807 561 habitantes (4). O Brasil é um país muito vasto, apenas um pouco menor que a Europa, com um alto índice de miscigenação entre a população. Por estas razões, existem muitas diferenças fenotípicas quando se compara uma região com outra. No extremo sul do Brasil há em sua maioria pessoas autodeclaradas brancas, no centro são pardas (de miscigenação de negros e brancos) e no extremo norte a população também é de pele parda, mas de miscigenação indígena e branca. Temos muita miscigenação negra e indígena que se autodenominam pardos também, o que dificulta a padronização de uma anatomia nasal brasileira e de técnicas cirúrgicas específicas para esta população (4).
Dessa forma, as características nasais, como pele espessa, cartilagens finas e pontas bulbosas e pouco definidas (3), resultam muitas vezes em desafio cirúrgico e torna-se fundamental entender o comportamento da anatomia para aprimorar e otimizar os resultados estéticos e funcionais na rinoplastia desses pacientes.
Objetivo
Os objetivos do presente trabalho são estudar as características anatômicas nasais do nariz brasileiro, levando-se em consideração a grande variação em decorrência da miscigenação cultural, e realizar uma revisão bibliográfica acerca do tema e das técnicas cirúrgicas disponíveis para a rinoplastias nesses pacientes.
Método
Foi realizada uma revisão narrativa da literatura dos últimos 10 anos, priorizando-se artigos recentes dos últimos três anos, cujo assunto englobasse as características anatômicas e funcionais dos narizes das mais diversas etnias e também as técnicas cirúrgicas empregadas para a correção estética e funcional desses casos. Foram incluídos artigos nos idiomas português, inglês e espanhol e excluídos artigos em outros idiomas e/ou que foram publicados há mais de 10 anos. Foi realizada uma pesquisa descrevendo-se as características étnicas de cada nariz focado no nariz brasileiro, que é composto de uma verdadeira miscigenação étnica e por este motivo as opções de cirurgia nesses casos incluem as mais diversas técnicas empregadas em todo o mundo.
Resultado
Foi observado que algumas populações apresentam determinados padrões anatômicos do nariz, levando-se em consideração suas características de coloração da pele e espessura dos tecidos moles, anatomia das cartilagens nasais (formato, força e flexibilidade das cartilagens nasais), e também que cada população apresenta seus padrões definidos de beleza em uma cirurgia de rinoplastia (2,5). Os principais grandes grupos de população no mundo são os caucasianos, afro-descendentes, hispânicos, árabes, indianos, asiáticos e latinos (5) e cada uma delas apresenta suas características individualizadas, sendo que podem ser realizadas diferentes técnicas cirúrgicas para alterar a anatomia das estruturas nasais.
O nariz mestiço pode ser definido como um nariz que não obedece individualmente nenhum desses padrões e, pelo contrário, representam uma mistura racial diversa composta por nativos americanos, espanhóis e/ou Conquistadores portugueses ocorridos nos séculos XV e XVI (3). O conceito de rinoplastia étnica reconhece a necessidade de levar em consideração as variações nasais tanto na anatomia quanto visões culturais de beleza na realização da cirurgia (16), conforme o exemplo do caso da paciente das figuras 1, 2 e 3.
Para a correção de giba nasal nesses pacientes, existe uma ampla gama de técnicas possíveis, sendo a tendência atual o emprego da rinoplastia preservadora, dentre as quais destacam-se o push down e o let down (6,7). De forma geral, a primeira técnica consiste na impactação descendente da pirâmide nasal totalmente mobilizada e é utilizado em pacientes com corcundas menores (<4 mm). Em contrapartida, a segunda consiste em uma ressecção maxilar em cunha e é realizada em pacientes que necessitam de mais de 4 mm de rebaixamento (7). A técnica do push down foi sendo modificada ao longo do tempo, inicialmente por Saban, que iniciou com a ressecção de um high strip septal (7) e posteriormente por Robotti (8), que preconizou o tratamento do componente ósseo e cartilaginoso de forma separada. Em outra modificação da técnica recente publicada por Ozturch, a cartilagem lateral superior foi empurrada para o lado reverso do desvio septal, e o dorso nasal foi raspado com microraspas em vez de sofrer osteotomia (9).
No que tange a rotação da ponta, existem várias técnicas descritas para fixar a ponta caída e obter uma rotação desejável, como enxerto de extensão septal caudal, enxerto de suporte columelar estendido, tongue-in-groove, enxerto de suporte columelar e suturas de rotação de ponta (10). A alectomida é feita ao final da rinoplastia nas quais seja observado um aumento exagerado na distância interalar
Discussão
Os padrões bem conhecidos de comprimento nasal, ângulos nasofaciais, dorso e ponta nasal consideradas esteticamente atraentes foram definidos a partir das características dos pacientes caucasianos. Não foram estabelecidos conceitos bem definidos de beleza levando-se em consideração as diferentes etnias, nem estabelecidos em relação ao nariz mestiço, porém há estudos que demonstram que as dimensões preferidas do nariz variam de acordo com a etnia. A comparação inter-regional revelou que, em geral, os cirurgiões plásticos da América Latina e do Caribe preferem narizes menores e mais estreitos, com pontas, lábios e queixos mais salientes. Tendências semelhantes são verdadeiras quando se analisam os resultados do público em geral (17).
A raiz é considerada um determinante significativo da morfologia facial, pois alterações nesta área podem produzir variações perceptíveis no nariz, principalmente em seu comprimento e projeção (18). Um radix baixo reduz visualmente o nariz, gerando um nariz curto e a impressão de uma pseudogiba. Por outro lado, em pacientes com um radix alto, o perfil da testa continua em linha reta no nariz e o nariz parece muito longo. Os narizes de origem predominantemente asiática e afrodescendente apresentam em muitos casos presença de radix pouco projetado e pode ser necessário realizar um enxerto para aumentar esta projeção (5,11).
As principais técnicas de aumento de radix descritas na literatura incluem a técnica cirúrgica de cartilagem em cubos, enxerto de cartilagem esmagada, enxerto autólogo e sintético e enxerto combinado (enxerto de cartilagem-fáscia em cubos. Apesar de a cartilagem ser um enxerto autólogo ideal para aumento de dorso e radix, o enxerto é visível mesmo com entalhe cuidadoso em pacientes de pele fina (19). Nesses casos, uma opção seria o uso de enxerto de periósteo da mastoide, que pode ser usado sozinho ou em associação a um enxerto de cartilagem. Quando a bolsa dorsal for muito larga, o enxerto pode ser fixado através de sutura marcada através da pele glabelar e presa com fita adesiva por uma semana (19).
Nos casos em que é necessário aumentar não apenas o radix, mas também todo o dorso nasal, pode ser necessário o uso de enxertos de cartilagem costal (11). Apesar de ser a principal opção pela alta biocompatibilidade e baixo risco de infecção, ela não é uma alternativa isenta de riscos. Uma das possíveis complicações é a visibilidade da margem lateral do enxerto colocado no dorso nasal durante o período de recuperação e uma das formas para tentar camuflar este enxerto é a colocação de um enxerto de margem lateral bilateralmente suturado ao enxerto dorsal, o qual em um estudo com 69 pacientes foi observado aumento da satisfação do paciente e do resultado cirúrgico (20).
Outra alternativa ao aumento do dorso nasal com o uso de enxerto de cartilagem costal revisado em literatura é o uso de enxerto ósseo proveniente de turbinectomia inferior (21). Uma incisão na mucosa é feita ao longo das margens anterior e inferior da concha inferior. A mucosa medial é elevada do início até a parte horizontal da concha inferior. A mucosa lateral sobre a concha nasal inferior é retirada extracorpórea do periósteo e a forma desejada é dada esmagando a concha inferior do osso com uma pinça reta (21). Os principais problemas dessa técnica são a epistaxe intraoperatória ou pós-operatória (devido a lesão da região póstero-lateral ramo nasal da artéria esfenopalatina) e cisto mucoso (21).
Em alguns casos, como por exemplo em alguns narizes com parte da descendência asiática, pode ser necessário realizar o alongamento da columela. Em situações onde a necessidade é mínima, pode-se apenas alterar a altura de incisão na columela, porém em casos mais severos pode ser necessário realizar técnicas com retalhos (22). A técnica mais comum de alongamento da columela é para recrutar algum tecido do segmento central do lábio de avanço em V-Y uma aba em forma de “V” da área do filtro (22).
Esta técnica apresenta algumas dificuldades, como a parte inferior da columela fica aquém da dimensão transversal à medida que a aba começa a convergir para o tipo em “V”. Por esse motivo, foram criadas algumas modificações na tentativa de reduzir a tensão e também promover um maior aumento no comprimento da columela, com realização de incisão também interna na mucosa das narinas bilateralmente (22).
Além da discussão de todas as técnicas acima, torna-se imperativo também discutir a respeito da espessura da pele nasal. Sabe-se que em caucasianos a pele é mais fina e em afroascendentes a pele pode ser mais espessa. Ambos os extremos levam a cirurgias e resultados desafiadores, principalmente no caso de narizes mestiços, dentre os quais estão incluídos a maioria dos narizes da população brasileira. Como não é possível conseguir bons resultados apenas com a técnica cirúrgica, é necessário de o revestimento nasal permita o delineamento das estruturas anatômicas para proporcionar a beleza dos pontos de referência nasal.
Dessa forma, tem sido muito estudado nos últimos anos o uso de isotretinoína, um derivado da vitamina A, para reduzir a espessura da pele nasal. A dose mínima de 4 meses de 0,25 mg/kg/d de isotretinoína é necessária para afinar a derme da ponta nasal e suavizar a espessura do tecido na área do rhinion e da glabela (23). Outro estudo clínico publicado recentemente mostrou que a continuação do tratamento com isotretinoína além de 2 meses revelou uma diminuição adicional na espessura da derme apenas na glabela (para dose de 0,25 mg), násio (para dose de 0,50 mg) e ponta nasal (ambas para doses de 0,25 e 0,50 mg) e uma diminuição adicional nos tecidos moles. espessura apenas no nasion (para dose de 0,50 mg) (24). O uso do tratamento com isotretinoína por 4 meses, mas não por 2 meses, foi associado a um aumento significativo da elasticidade dos tecidos, independentemente da dose (24). Este medicamento é eficaz, apesar dos efeitos colaterais mucocutâneos comuns, controláveis e reversíveis (25).
Conclusão
O Brasil é um país de dimensão continental que apresenta uma vasta variedade de características anatômicas nasais, dentre as quais destacam-se a pele grossa com cartilagens fracas, implantação baixa da raiz, ossos nasais largos e ponta bulbosa. Devido a grande variação de características estéticas e funcionais, não é possível padronizar uma técnica comum para todos os narizes brasileiros, mas deve ser individualizado o tratamento para corrigir adequadamente cada subunidade nasal. Desta forma, o nariz brasileiro é um desafio cirúrgico que demanda aos cirurgiões o domínio de diversas técnicas, sendo inclusive possível o emprego da rinoplastia preservadora.
Referências
1. Rohrich RJ, Ghavami A. Rhinoplasty for middle eastern noses. Plast Reconstr Surg. 2009;123(4).
2. Ziade G, Mojallal A, Ho-Asjoe M, Arenas JC, Ascher B. Ethnicity and Nonsurgical Rhinoplasty. Aesthet Surg J Open Forum. 2022;4.
3. Perez JL, Mohan R, Rohrich RJ. Recognizing Racial Heterogeneity in the Latino Nose: Aesthetic Concepts for an Individualized Approach. Plast Reconstr Surg. 2019;144(4).
4. Demographic Census 2022: Ethnic-racial identification of the population, by sex and age: Results from the universe. 2022.
5. Villanueva NL, Afrooz PN, Carboy JA, Rohrich RJ. Nasal Analysis: Considerations for Ethnic Variation. Plast Reconstr Surg. 2019;143(6).
6. Ishida LC, Ishida J, Ishida LH, Tartare A, Fernandes RK, Gemperli R. Nasal hump treatment with cartilaginous push-down and preservation of the bony cap. Aesthet Surg J. 2020;40(11).
7. Saban Y, Daniel RK, Polselli R, Trapasso M, Palhazi P. Dorsal preservation: The push down technique reassessed. Aesthet Surg J. 2018;38(2).
8. Robotti E, Chauke-Malinga NY, Leone F. A Modified Dorsal Split Preservation Technique for Nasal Humps with Minor Bony Component: A Preliminary Report. Aesthetic Plast Surg. 2019;43(5).
Palavras Chave
Nariz brasileiro; Rinoplastia étnica; Rinoplastia preservadora
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
USP-SP - São Paulo - Brasil
Autores
OONA TOMIÊ DARONCH, LUIZ CARLOS ISHIDA, ROLF GEMPERLI