60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

RECONSTRUÇAO DE DEFEITO EM COURO CABELUDO COM RETALHO LOCAL BASEADO NA ARTERIA TEMPORAL, ASSOCIADO A ENXERTIA, APOS EXERESE DE CEC INVASOR: RELATO DE CASO

Resumo

O couro cabeludo é composto por cinco camadas principais: pele, tecido subcutâneo, gálea aponeurótica, tecido areolar frouxo e periósteo. A reconstrução do couro cabeludo apresenta desafios significativos devido à mínima elasticidade local. A origem destes defeitos têm etiologia variada, podendo ser decorrentes de tumores, traumas e infecções.
O carcinoma espinocelular é o segundo tumor mais comum do couro cabeludo e pode atingir proporções significativas, necessitando de ressecções extensas.
A abordagem dos defeitos de couro cabeludo requer uma avaliação criteriosa dos fatores envolvidos, como o tamanho e a localização do defeito, a presença de comorbidades e a idade do paciente. A escolha do método de reconstrução deve ser personalizada, considerando tanto a eficácia do tratamento quanto a qualidade de vida do paciente.
Lesões que resultam na remoção do periósteo apresentam um obstáculo particular para a enxertia, pois a ausência dessa camada impede a integração dos enxertos. Nessas situações, é necessário recorrer a retalhos locais ou à distância para cobertura do defeito. Os retalhos locais são preferíveis, quando possível, para a reconstrução devido à sua menor morbidade. Em muitos casos é necessário o uso combinado de enxertos e retalhos.
Neste trabalho, foi optado pela reconstrução imediata de um defeito de 8x10cm em região de fronte, com exposição de calota craniana livre de periósteo, com o uso retalho local baseado na artéria temporal superficial esquerda. O retalho foi descolado em plano subgaleal, mantendo-se periósteo e tecido areolar frouxo viáveis para enxertia de pele parcial, a qual foi retirada da coxa esquerda com o auxílio de dermátomo elétrico.
Esta abordagem permitiu cobertura total do defeito com mínima morbidade ao paciente, o qual foi acompanhado semanalmente, sem apresentar necrose do retalho ou perda do enxerto.

Introdução

A abordagem de lesões em couro cabeludo está inserida na rotina do cirurgião plástico. Estes defeitos têm vasta etiologia, podendo ter origem traumática, tumoral, infecciosa ou ainda como secundária a sequelas de tratamentos radioterápicos (1, 2).

Aproximadamente 90% das neoplasias cutâneas ocorrem na região de cabeça e pescoço, por consequência do dano cumulativo de radiação ultravioleta (3). O carcinoma espinocelular (CEC) é o segundo tumor maligno de pele mais frequente, representando cerca de 20% dos tumores cutâneos não melanoma. A maioria dos CEC ocorre nas áreas fotoexpostas, pelo motivo acima citado. Estima-se que entre 8,3% a 25,2% dos CEC acometem o couro cabeludo (4), e estão sujeitos a crescimento local e disseminação à distância da doença. Os principais sítios de metástases nesses casos são linfonodos cervicais e as glândulas parótidas (5).

A correção das deformidades geradas no couro cabeludo variam de acordo com a necessidade de cobertura. Pequenos defeitos podem ser fechados primariamente,enquanto defeitos mais extensos podem requerer a expansão tecidual, enxertos de pele, retalhos pediculados ou a confecção de retalho livre para sua cobertura.

A depender do tempo entre o diagnóstico e adequado tratamento, os tumores da pele sobre o couro cabeludo podem crescer de modo agressivo, envolvendo uma extensão significativa e, verticalmente, passando por tecidos moles e periósteo para a calota craniana (6). A ressecção de tumores mais agressivos e extensos pode necessitar a remoção do periósteo, resultando em um osso sem suporte vascular para a realização de enxerto de pele diretamente sobre o defeito, indicando necessidade de reconstruções mais complexas (7).

Objetivo

O intuito deste trabalho é relatar um caso de reconstrução de couro cabeludo utilizando um retalho local associado a enxertia de pele parcial, realizado no Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (IAMSPE-HSPE).

Método

Relato de caso clínico específico através de consulta de prontuário, documentação de prontuário médico institucional, arquivo fotográfico pessoal e breve revisão bibliográfica da literatura sobre o tema (base de dados PubMed).

Resultado

E. P., 78 anos, compareceu em fevereiro de 2024 no ambulatório da Cirurgia Plástica com relato de surgimento de lesão de crescimento progressivo em couro cabeludo, associado a episódios de prurido e sangramento local. Como antecedentes pessoais, o paciente em questão apresentava diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica, além de um passado de câncer de cólon com necessidade de retossigmoidectomia em 2018. As avaliações clínicas do paciente o caracterizavam como ASA III e Goldmann II. Ao exame físico, o paciente apresentava, em região de fronte, uma lesão vegetante, ulcerada e infiltrativa de cerca de 2.0x2.5cm, moderadamente aderida e friável à manipulação. Não apresentava linfonodomegalias cervicais ou occipitais. O resultado do exame anatomopatológico após biópsia incisional realizada em serviço externo em dezembro de 2023 laudou um carcinoma espinocelular.

Para adequada visualização e estadiamento da lesão, prosseguiu-se com a realização de exame de imagem. A tomografia de crânio com administração de contraste, demonstrou uma lesão vegetante, hipoatenuante, com realce ao meio de contraste venoso, localizada nos planos mioadiposos do pólo frontal direito, medindo cerca de 3,4 x 2,6 x 1,9 cm (AP x LL x CC), sem evidência de contato com a tábua óssea adjacente. As tomografias contrastadas de pescoço e tórax não evidenciaram linfonodomegalias ou demais sinais de metástases à distância.

Em março de 2024, o paciente foi submetido a procedimento cirúrgico sob anestesia geral. A lesão foi pré demarcada em suas margens externas e optou-se por fornecer margem de 1cm de segurança para a exérese tumoral (FIGURA 1.). Após adequada antissepsia e assepsia, prosseguiu-se com infiltração das bordas da lesão com solução de soro fisiológico 0,9% associado a lidocaína 2%, ropivacaína 7,5% e adrenalina (1:140.000). A lesão foi ressecada em suas margens, e o periósteo descolado e enviado como margem profunda a exame anatomopatológico. Não havia sinais de invasão de calota craniana no ato intraoperatório. Entretanto, devido à indisponibilidade de congelação de peça cirúrgica, foi optado pela equipe por realizar drillagem de tábua óssea externa com broca redonda de 6mm e drill BienAir.

O defeito final apresentava dimensões de 8x10cm em região de fronte, com exposição de calota craniana livre de periósteo (FIGURA 2.). Procedeu-se com a troca de materiais e luvas e infiltrou-se (com solução anteriormente citada) a região do retalho local baseado na artéria temporal superficial esquerda, na qual apresentava-se com pulso local amplo e facilmente palpável. O retalho foi incisado e descolado em plano subgaleal, mantendo-se periósteo e tecido conjuntivo frouxo no leito doador, e fixado sobre o defeito com pontos subdérmicos de poliglecaprone (Caprofyl®) 3-0 e pontos simples de poliamida (Mononylon®) 4-0. Um dreno portovac 3.2mm foi alocado entre o defeito e o retalho e exteriorizado em região de fronte esquerda. Foi optado pela equipe cirúrgica por não ressecar excesso de pele na região temporo-frontal esquerda devido à proximidade ao pedículo vascular do retalho (FIGURA 3.).

Para a cobertura da região correspondente ao retalho descolado, foi realizada enxertia de duas lâminas de pele parcial de área doadora de coxa direita com auxílio de dermátomo elétrico. O enxerto foi fixado (ao tecido conjuntivo frouxo e periósteo mantidos) com pontos simples de poliamida (Mononylon®) 4-0 e chuleio contínuo de poliamida (Mononylon®) 5-0 (FIGURA 4.), associado a realização de curativo de Brown. A área doadora foi fechada com curativo utilizando-se fibracol, zobec e atadura.

O paciente permaneceu em regime de internação por cinco dias, para a abertura do curativo de Brown e da área doadora. Posteriormente, foi seguido ambulatorialmente semanalmente até a completa integração do enxerto.

Após a alta, o paciente foi orientado aos cuidados pós-operatórios a não apoiar-se sobre a região de sítio cirúrgico, bem como manter hidratação do enxerto e área doadora com o uso de óleo de AGE (ácidos graxos essenciais). A ferida operatória foi higienizada cuidadosamente e aplicada neomicina tópica. O dreno portovac foi retirado após 7 dias, e os pontos do retalho e do enxerto, no 21o PO. Não houve necrose do retalho ou perda do enxerto.

O resultado final do exame anatomopatológico e imunohistoquímico evidenciou um carcinoma espinocelular invasivo, pouco diferenciado, de 5,0 x 4,3 x 1,4 cm com espessura tumoral de 21mm, invasão angiolinfática e perineural livres de neoplasia e margens cirúrgicas laterais e profunda livres de neoplasia.

Na figura 5 é possível observar o aspecto após 3 meses de pós operatório. O paciente segue em acompanhamento no serviço, com programação futura próxima de refinamento do retalho.

Discussão

O couro cabeludo pode ser subdividido em cinco camadas, respectivamente: pele, tecido conjuntivo, gálea aponeurótica, tecido areolar frouxo e pericrânio/periósteo (8). A gálea é uma estrutura dinâmica, dotada de uma rede densa de fibras de tecido conjuntivo e vascularização, cuja dissecção da pele pode levar a sangramento abundante. Cinco artérias irrigam o couro cabeludo. Anteriormente, há a artéria supraorbital e a artéria supratroclear (ramos da artéria oftálmica a partir da artéria carótida interna); lateralmente, temos a artéria temporal superficial e a artéria auricular posterior (ramos da artéria carótida externa); e posteriormente, há a artéria occipital (também ramo da carótida externa)(8).

A correção das deformidades geradas varia de acordo da necessidade de cobertura, de maneira crescente em porte cirúrgico e grau de complexidade para execução. Defeitos menores podem ser fechados primariamente, à medida que defeitos extensos podem requerer a expansão tecidual, enxertos de pele, retalhos pediculados ou a confecção de retalhos livres microcirúrgicos para o seu fechamento. A análise adequada para a seleção do tratamento deve levar em conta igualmente o risco de disseminação de processos infecciosos e neoplásicos (origem do defeito), comorbidades e idade do paciente, dimensão do defeito e o número de camadas anatômicas envolvidas, em particular a preservação do periósteo e da gálea aponeurótica.

No âmbito dos retalhos pediculados, deve-se citar a possibilidade de execução de diversos procedimentos, a depender da experiência e preferência da equipe cirúrgica, dentre os quais: retalhos baseados nas artérias occipitais, temporais superficiais, retalho peitoral maior e o retalho ascendente de trapézio. Esses retalhos são alternativas seguras e aplicáveis para as reconstruções de partes moles das regiões cervicais lateral e posterior, e da região lateral da cabeça, dentre outros(9). Desse modo, são de vital importância nas reconstruções após ressecções oncológicas alargadas.

O caso apresentado evoluiu de modo satisfatório, com cobertura adequada à área de ressecção cirúrgica do tumor e à área doadora do retalho, permitindo ao paciente adequado retorno às atividades diárias de forma precoce, levando em consideração porte cirúrgico e histórico clínico da paciente.

Nesse caso, devido à impossibilidade de preservação do periósteo na área de ressecção tumoral, e consequente impossibilidade de enxertia cutânea sobre o defeito, foi optado por um retalho de pele baseado na artéria temporal superficial. Tal opção se mostrou exequível e adequada ao caso, tendo o paciente em questão evolução favorável, conforme descrito acima.

O planejamento da reconstrução requer cooperação e discussão multidisciplinar a fim de maximizar as opções reconstrutivas, sem comprometer o tratamento oncológico, que associado aos bons cuidados de enfermagem, ao tratamento de feridas e a reabilitação facilitarão a recuperação do paciente, o retorno precoce às atividades e melhora de qualidade de vida.

Conclusão

O couro cabeludo, altamente vascularizado, oferece excelentes opções de reconstrução utilizando retalhos locais, como o retalho baseado na artéria temporal superficial. Esta técnica permite a cobertura de grandes defeitos quando o retalho é descolado no plano correto, possibilitando a enxertia da área doadora. No caso estudado, a aplicação deste método não apresentou morbidade significativa, demonstrando sua eficácia e segurança na reconstrução de defeitos do couro cabeludo.

Referências

1. CUNHA, C. B.; SACRAMENTO, R. M. M.; MAIA, B. P.; MARINHO, R. P.; FERREIRA, H. L.; GOLDENBERG, D. C., et al. Perfil epidemiológico de pacientes vítimas de escalpelamento tratados na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Rev Bras Cir Plást, São Paulo, v. 27, n. 1, p. 3-8, mar. 2012.

2. KAAM, Daniel Nowicki, et al. Reconstrução de couro cabeludo com retalho expandido. Rev Bras Cir Plást, São Paulo, v. 36, n. 1, jan. 2021.

3. JENKINS, G.; SMITH, A. B.; KANATAS, A. N.; HOUGHTON, D. R.; TELFER, M. R. Anatomical restrictions in the surgical excision of scalp squamous cell carcinomas: does this affect local recurrence and regional nodal metastases? Int J Oral Maxillofac Surg, Oxford, v. 43, n. 2, p. 142-6, 2014.

4. CLAYMAN, G. L.; LEE, J. J.; HOLSINGER, F. C.; ZHOU, X.; DUVIC, M.; EL-NAGGAR, A. K., et al. Mortality risk from squamous cell skin cancer. J Clin Oncol, Alexandria, v. 23, n. 4, p. 759-65, 2005.

5. VAUTERIN, T. J.; VENESS, M. J.; MORGAN, G. J.; POULSEN, M. G.; O'BRIEN, C. J. Patterns of lymph node spread of cutaneous squamous cell carcinoma of the head and neck. Head Neck, Hoboken, v. 28, n. 9, p. 785-91, 2006.

6. COSTA, D. J.; WALEN, S.; VARVARES, M.; WALKER, R. Scalp Rotation Flap for Reconstruction of Complex Soft Tissue Defects. J Neurol Surg B Skull Base, Stuttgart, v. 77, n. 1, p. 32-7, 2016.

7. ANBAR, R. A.; ALMEIDA, K. G.; NUKARIYA, P. Y.; ANBAR, R. A.; COUTINHO, B. B. A. Métodos de reconstrução do couro cabeludo. Rev Bras Cir Plást, São Paulo, v. 27, n. 1, p. 156-9, 2012.

8. NELIGAN, P. C. Cirurgia plástica: princípios. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. v. 3.

9. SBALCHIERO, J. C.; GRAZIOSI, G. B. Retalho miocutâneo inferior pediculado do músculo trapézio nas reconstruções após cirurgias oncológicas de cabeça e pescoço, e tórax. Rev Bras Cir Plást, São Paulo, v. 29, n. 3, 2014.

Palavras Chave

Carcinoma espinocelular; couro cabeludo; retalhos cirúrgicos

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

IAMSPE - São Paulo - Brasil

Autores

VIVIAN CALVINO LAGARES SCALCO, WILSON CINTRA JUNIOR, MARIA MADUREIRA MURTA, ANDRE WANDERLEY GUIMARAES DE OLIVEIRA, RAFAELA MIHO YTO, ANNA LUIZA NUNES DE FREITAS