60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

ESTIMULAÇAO ELETRICA NA LIBERAÇAO DO PEPTIDEO RELACIONADO COM GENE DA CALCITONINA (CGRP) E SUBSTANCIA P (SP) EM PELE DE RATOS.

Resumo

Introdução: A disfunção na liberação de neuropeptídeos acarreta alterações na pele, podendo gerar distúrbios no processo cicatricial e/ou afecções cutâneas. Sendo assim, a liberação de neuropeptídeos é estudada na literatura, relacionando a utilização de agentes eletrofísicos. Nosso objetivo é investigar o efeito da estimulação elétrica na liberação de neuropeptídeos SP e CGRP em pele de ratos.
Métodos: Foram utilizados 28 animais distribuídos em 4 grupos, após 60 minutos da tricotomia, foi realizada a estimulação elétrica sobre a linha mediana dorsal. Ao término da estimulação elétrica, foram coletadas amostras de pele, submetidas ao Western blotting para análise dos neuropeptídeos CGRP e SP.
Resultado: Não causou diferença significante na liberação de CGRP e SP na pele de rato.
Conclusão: A estimulação elétrica ultraexcitante não influenciou na liberação de neuropeptídeos, CGRP e SP, em pele de ratos.

Introdução

A Inflamação Neurogênica (IN) é um processo inflamatório periférico que se inicia quando há um estímulo exógeno (calor, lesões tópicas, agentes irritantes, alérgenos, luz ultravioleta e agentes microbianos) ou endógeno (mudanças de pH, citoquinas, cininas, histamina, proteases, neurotransmissores, hormônios e estresse).¹
Este processo também é considerado um dos primeiros eventos do processo de cicatrização, diante de um estímulo nociceptivo da pele.²
A inflamação neurogênica ocorre a partir da liberação de neuropeptídeos, presentes na pele, que são considerados como neurotransmissores especiais, sintetizados primordialmente nos neurônios sensitivos do gânglio dorsal3,4 e são regulados pela ativação das terminações nervosas nociceptivas C e fibras A-δ.4
O aumento ou disfunção destes neuropeptídeos pode acarretar em alterações na pele, gerando perturbações no processo cicatricial e nas afecções cutâneas, como dermatites de contato5, dermatite atópica6,7 , reações de hipersensibilidade do tipo tardio (HTT), psoríase8 e cicatrizes fibropoliferativas, como o queloide e cicatriz hipertrófica9.
Para o tratamento clínico destas doenças, encontra-se na literatura a utilização de agentes químicos, como a capsaícina e a mostarda nitrogenada que atuam na despolarização das fibras C e A-δ. Após o uso contínuo desses agentes, o local apresenta diminuição de sensibilidade e bloqueio de estímulos dolorosos, resultando em dessensibilização e taquifilaxia dos neuropeptídeos, principalmente, a Substância P (Substance P ou SP) e/ou Peptídeo Relacionado ao Gene da Calcitonina (Calcitonin Gene Related Peptide ou CGRP) e o Peptídeo Intestinal Vasoativo (Vasoactive Intestinal Peptide ou VIP)10. O uso contínuo destes agentes químicos promove uma interrupção reversível nas fibras nervosas sensoriais em estudos experimentais. Entretanto, esses agentes químicos provocam uma sensação de queimação, causando efeitos indesejáveis e desconfortos aos pacientes11
Devido a estes fatores adversos dos agentes químicos, diversas pesquisas foram realizadas com o intuito de encontrar outros tratamentos exógenos, para melhorar os aspectos clínicos de doenças cutâneas e tentar biomodular uma possível cicatrização. Dentre eles, foram encontrados estudos experimentais, utilizando agentes eletrofísicos na liberação de neuropeptídeos, como a Eletroestimulação Nervosa Transcutânea (TENS) e a fototerapia de baixa intensidade.12,4
No estudo de HOCHMAN et al.4, aplicaram em pele íntegra a fototerapia de baixa intensidade, a fim de verificar a liberação de neuropeptídeos CGRP e SP, sendo que, neste estudo, obtiveram um aumento significante de SP somente no espectro infravermelho (808nm), em uma única aplicação.
O estudo acima citado foi o único encontrado que verificou a liberação de neuropeptídeos diretamente na pele através de um agente eletrofísico, e, esta liberação, se pudesse ser modulada, poderia se tornar uma alternativa em tratamentos clínicos de distúrbios de pele. Desta maneira, fez-se necessário avaliar se há liberação de neuropeptídeos com a utilização de outros tipos de agentes eletrofísicos.

Objetivo

Investigar o efeito da estimulação elétrica ultraexcitante na secreção de neuropeptídeos em pele de ratos.

Método

O presente estudo foi experimental, primário, intervencional, transversal, analítico, controlado, aleatorizado e unicego.
Para realização deste estudo foram utilizados 28 ratos, da linhagem Wistar EPM-1 adultos, machos, com 8 semanas de idade e peso entre 270g e 350g. Os procedimentos experimentais foram realizados no Laboratório de Cirurgia Experimental da Disciplina de Cirurgia Plástica da UNIFESP.
No presente estudo, os 28 ratos foram distribuídos em 4 grupos, contendo 7 ratos cada grupo. Os animais foram distribuídos aleatoriamente.
Grupo Controle (GC): Os animais foram submetidos a tricotomia no dorso e, após 1 hora, foram retiradas as amostras;
Grupo Sham (GS): Os animais foram submetidos a tricotomia, e após 1hora, os eletrodos foram dispostos, um na linha mediana dorsal e o outro na linha mediana ventral, com aparelho desligado, durante 30 minutos, após 1 minuto de estimulação foram retiradas as amostras;
Grupo Polo Positivo (GPP): Os animais foram submetidos a tricotomia e, após 1hora, foi realizada a estimulação elétrica por 30 minutos com polaridade positiva disposta sobre a linha mediana dorsal, e o dispersivo com polaridade negativa sobre a linha mediana ventral. Após um minuto, foram retiradas as amostras de pele.
Grupo Polo Negativo (GPN): Os animais foram submetidos a tricotomia e, após 1hora, foi realizada a estimulação elétrica por 30 minutos com polaridade negativa disposta sobre a linha mediana dorsal, e o dispersivo com polaridade positiva sobre a linha mediana ventral, após um minuto, foram retiradas as amostras de pele.
A estimulação elétrica foi utilizada com uma frequência de 150Hz, duração de pulso de 400μs, amplitude de 8mA, durante 30 minutos. No mesmo dia do estímulo elétrico, ao término de 1 minuto desse período, foi realizada a retirada da amostra de pele no dorso dos ratos.
Logo após, foi utilizado um dermátomo elétrico (Padgett®), pelo qual foi retirada uma peça de pele parcial do dorso do rato, com espessura de 500μm.
O método de Western Blotting (WB) foi utilizado para quantificação de SP e CGRP nas amostras retiradas.

Resultado

A aplicação de 30 minutos da estimulação elétrica não causou diferença na liberação de Substância P (SP) e Peptídeo Relacionado com Gene de Calcitonina (CGRP) de 5 e 15 kDa entre os grupos estimulados (Eletrodo negativo e Eletrodo positivo) em relação aos não-estimulados (Sham e Controle) (Tabelas de 1 a 3).

Discussão

Os principais neuropeptídeos relacionados à inflamação neurogênica da pele são o Peptídeo Relacionado ao Gene da Calcitonina (CGRP) e a Substância P (SP)3. A SP é uma taquicinina com potente propriedade vasodilatadora, pois estimula a liberação de óxido nítrico pelas células endoteliais. É, geralmente, encontrada nas fibras e terminações nervosas da derme e epiderme, bem como nas glândulas sudoríparas. Possui importantes funções no sistema imune em níveis celular e humoral, participando de processos inflamatórios.13
Assim, a liberação desses neuropeptídeos no início da fase de inflamação neurogênica e suas ações locais podem determinar a intensidade de todo o processo inflamatório da cicatrização. Por este motivo, o presente estudo avaliou a liberação destes neuropeptídeos através de um modelo experimental.
Neste modelo experimental, não foi realizada uma incisão cutânea, o que difere do estudo de Borba et al.,14 que utilizaram o mesmo tipo de estimulação elétrica, porém, após a estimulação foi realizada uma incisão, avaliando outros efeitos no processo de cicatrização. Uma vez que, a incisão cutânea poderia ser um viés por si só no presente estudo, já que haveria uma maior liberação de substâncias inflamatórias no local da lesão (estímulo nociceptivo), o que levaria a uma liberação de neuropeptídeos e seria difícil diferenciar os neuropeptídeos liberados a partir da incisão ou da estimulação elétrica.
Após a estimulação elétrica, os animais foram submetidos à morte induzida para a retirada de pele com uso de um dermátomo elétrico. A utilização desse dermátomo foi necessária para que a espessura da pele fosse sempre constante, gerando amostras de volume iguais e não conter inadvertidamente acompanhamento de tecido subcutâneo ou panículo carnoso. Todavia, as amostras de pele em alguns estudos como o de BORBA et al.14 e BONATTI et al.,15 foram retiradas por dissecção manual contendo pele total, o que acaba gerando amostras com volumes diferentes de tecido subcutâneo e poderia gerar quantidades diferentes de neuropeptídeos.
Quanto aos resultados encontrados no presente estudo, observamos que, na quantificação de SP, houve uma diminuição, quando analisadas os grupos polo positivo (GPP) e negativo (GPN) em relação ao grupo controle e ao grupo Sham. Porém, não significante. O que difere dos achados encontrados por HOCHMAN et al.4, que obtiveram um aumento de SP em modelo experimental de pele integra igual ao do presente estudo, utilizando, entretanto, a fototerapia de baixa intensidade, com resultados apenas no espectro infravermelho. Assim como os resultados de RAYMUNDO et al.16, que também observaram um aumento de SP no mesmo modelo experimental, com a injeção de dióxido de carbono (CO2). Já no presente estudo, quando observados os resultados de pró- CGRP (15Kda) não houve resultado significante. O que difere, novamente, do estudo de RAYMUNDO et al.16, onde foi observado um aumento do pró-CGRP. Em contra partida, não houve diferença quando analisados os níveis de CGRP (5Kda). O que corrobora com HOCHMAN et al.4 e com o presente estudo.
Uma possível explicação para os resultados neste estudo apontados poderia ser o mesmo que LIEBANO et al.17 discutem em seu estudo: que a estimulação elétrica agiria em fibras antidrómicas ou nociceptivas e, com base neste princípio, quando se tem uma estimulação sensorial ou motora, não há ativação de fibras nociceptivas C e A-δ. Desta maneira, poderiam ser questionados alguns parâmetros do presente estudo: um desses parâmetros seria a amplitude, que foi mantida em 8mA e talvez não tenha sido suficiente para ativação das fibras nervosas; outro seria o período de 30 minutos de estimulação, que talvez tenha sido um período muito longo a um ponto de haver adaptabilidade das fibras nervosas, uma vez que a corrente ultraexcitante foi estimulada por via subcutânea.
O estudo de TANAKA 12, que utilizou uma corrente elétrica e estimulou direto na raiz do gânglio dorsal, mostrou que houve uma liberação de CGRP após aplicação de estimulação elétrica, sendo utilizada uma intensidade abaixo do limiar motor, mas, em contrapartida, se fez uso de um vasodilatador em conjunto com o estímulo elétrico.
Outra explicação para os resultados encontrados poderia estar relacionada ao número da amostra, que talvez tenha sido insuficiente para ser obtida uma diferença significante entre os grupos com a estimulação elétrica apesar de ter sido realizado o cálculo amostral antes do experimento deste estudo. Além disso, HOCHMAN et al.4 , e RAYMUNDO et al.16, entretanto, utilizaram o mesmo número amostral do presente estudo e obtiveram diferença significativa na liberação de SP e CGRP.

Conclusão

A estimulação elétrica ultraexcitante não influenciou na liberação de neuropeptídeos, CGRP e SP, em pele de ratos.

Referências

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Palavras Chave

Inflamação Neurogênica; SUBSTANCIA P; PEPTIDEO RELACIONADO COM GENE DA CALCITONINA

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO - São Paulo - Brasil

Autores

ANA BELEN GUTIERREZ RODRIGUEZ, FELIPE CONTOLI ISOLDI, LYDIA MASAKO FERREIRA