Dados do Trabalho
Título
USO DO RETALHO TRANSVERSO MIOCUTANEO DO RETO ABDOMINAL (TRAM) NAS RECONSTUÇOES MAMARIAS: RELATO DE CASO
Resumo
Introdução: O câncer de mama representa a neoplasia mais comumente diagnosticada no mundo, com uma estimativa de 2,26 milhões de casos registrados em 2020. Após a mastectomia, a cirurgia de reconstrução da mama é considerada um passo crucial para um tratamento e manejo mais abrangente do câncer de mama. Os retalhos de base abdominal continuam a ser o pilar da reconstrução autóloga. O retalho transverso miocutâneo do reto abdominal (TRAM), proporciona uma reconstrução macia, ptótica e esteticamente agradável semelhante à mama natural e as complicações relacionadas ao procedimento se dividem em recentes e tardias. O objetivo do presente trabalho é relatar o caso de paciente submetida à reconstrução mamária com TRAM em hospital de referência, com foco na técnica cirúrgica e indicações deste tipo de retalho. Métodos: Este é um relato de caso de R.A, 47 anos, submetida à mastectomia total com esvaziamento axilar, além de radioterapia e quimioterapia adjuvante em Outubro de 2018. A paciente foi admitida na enfermaria de Cirurgia Plástica e Reparadora, em Agosto de 2023, onde foi feito preparo pré-operatório habitual para reconstrução mamária com retalho TRAM unipediculado e reconstrução da parede abdominal com uso de tela de polipropileno no Hospital Federal do Andaraí, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro – RJ. Resultados: No pós-operatório foi realizado acompanhamento intensivo. Os retalhos foram monitorados de perto. O restante do pós-operatório foi sem intercorrências, a paciente apresentou boa evolução e as suturas apresentaram boa cicatrização. Conclusão: A técnica de reconstrução mamária com retalho transverso miocutâneo do reto abdominal (TRAM), quando bem indicada, configura uma excelente possibilidade para atingir um adequado volume mamário em um único tempo cirúrgico, além de boa simetria com a mama contralateral e até mesmo a melhoria estética do abdome.
Introdução
O câncer de mama representa a neoplasia mais comumente diagnosticada no mundo, com uma estimativa de 2,26 milhões de casos registrados em 2020, além de ser a principal causa de mortalidade por câncer entre as mulheres.¹ Após a mastectomia, a cirurgia de reconstrução da mama é considerada um passo crucial para um tratamento e manejo mais abrangente do câncer de mama², sendo indicada para todas as mulheres que se submetem a uma cirurgia mamária por motivos oncológicos³.
Vários locais e opções de doadores foram descritos, ao longo dos anos, para a reconstrução mamária. No entanto, os retalhos de base abdominal continuam a ser o pilar da reconstrução autóloga.4 Em 1982, Hartrampf e cols. descreveram o retalho transverso miocutâneo do reto abdominal (TRAM), que proporciona uma reconstrução macia, ptótica e esteticamente agradável semelhante à mama natural5. Como o tecido que está sendo usado faz parte do corpo do paciente, isso traz muitos benefícios para o mesmo. Primeiro não é um corpo estranho, portanto, as complicações comuns associadas a implantes mamários, reação inflamatória ou contratura capsular são evitadas. Em segundo lugar, a cicatriz do local doador abdominal pode ser escondida sob a maioria dos estilos de roupas.6
As complicações relacionadas ao procedimento se dividem em recentes e tardias. Dentre as complicações recentes da ferida operatória inclui-se: infeção local, formação de seroma, hematoma, atraso na cicatrização, além de deiscência da ferida e necrose do retalho adiposo e de pele. 7,8 Entretanto, as complicações em longo prazo da reconstrução autóloga estão relacionadas principalmente à morbidade da área dadora. A formação de hérnias abdominais pós-operatórias ou, mais comumente, a fraqueza da parede abdominal associada a abaulamento continuam a ser um desafio para pacientes que submetidas a reconstrução mamária com retalho TRAM. 9,’10
Objetivo
O objetivo do presente trabalho é relatar o caso de paciente submetida à reconstrução mamária com TRAM em hospital de referência, com foco na técnica cirúrgica e indicações deste tipo de retalho.
Método
Este é um relato de caso de R.A, 47 anos, submetida à mastectomia total com esvaziamento axilar, além de radioterapia e quimioterapia adjuvante em Outubro de 2018 (Figura 1A).
A paciente foi admitida na enfermaria de Cirurgia Plástica e Reparadora, em Agosto de 2023, onde foi feito preparo pré-operatório habitual para reconstrução mamária com retalho TRAM unipediculado e reconstrução da parede abdominal com uso de tela de polipropileno no Hospital Federal do Andaraí, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro – RJ.
Foram realizadas marcações prévias da pele do tórax esquerdo a ser ressecada, conjuntamente com a marcação elíptica da área doadora contendo as subdivisões em quatro zonas, de acordo com seu suprimento sanguíneo (Figura 1B). Todo o procedimento foi realizado em decúbito dorsal sob anestesia geral. No intra-operatório, foi administrado antibiótico profilático (1 g de cefazolina). Após infiltração com solução anestésica com adrenalina, foram realizadas as incisões pré-marcadas, iniciando com exérese da cicatriz torácica da mastectomia prévia e dissecção do plano torácico inferior com confecção de sulco mamário, seguido de confecção de retalho abdominal tipo TRAM monopediculado, contralateral, através da incisão e dissecção de faixa elíptica de tecido supra e infraumbilical (Figura 2). Foi realizada a identificação e marcação do músculo reto abdominal direito seguido de separação do seu plano aponeurótico. Efetuou-se a identificação e ligadura dupla dos vasos epigástricos inferiores junto a margem suprapúbica (Figura 3). Incisou-se perifericamente a cicatriz umbilical, elevando-se o retalho dermocutâneo contralateral ao pedículo e após a confecção de um túnel de comunicação entre o abdome e a loja mamária, transferiu-se o retalho TRAM para a formação de uma nova mama. Neste momento, foi realizada a remodelação do retalho, removendo-se a quarta zona e uma parte da terceira zona, o que criou o volume e a forma desejada da mama a ser reconstruída com a fixação do retalho em três planos.
A parede abdominal teve seu defeito tratado com tela de Marlex fixada com fio prolene 3.0, pontos separados, para acomodação da mesma. O reposicionamento da cobertura cutânea infraumbilical se assemelhou a ao de uma abdominoplastia, com tração do retalho dermocutâneo em direção ao púbis, seguido de onfaloplastia e sutura em três planos (Figura 4).
Foram utilizados drenos de sucção por contra-incisão, tanto na neo mama, quanto na região abdominal.
O tempo total de internação foi de quatro dias, recebendo alta em bom estado geral e sem manifestação de qualquer complicação específica, tanto na área doadora, quanto na área receptora.
Resultado
No pós-operatório foi realizado acompanhamento intensivo junto a paciente durante o desenvolvimento do seu caso, com discussão clínica diária sobre o quadro e planejamento de condutas.
A paciente permaneceu em posição de Fowler, mantida com antibioticoprofilaxia estendida com cefazolina, vigilância dos débitos dos drenos, estimulação a deambulação precoce e avaliação dos retalhos. Os retalhos foram monitorados de perto quanto à temperatura, enchimento capilar, maciez e cor, para detectar quaisquer sinais de má perfusão. O dreno da mama foi retirado no 3º pós-operatório, com débito desprezível, o dreno abdominal foi retirado no retorno ambulatorial após sete dias. O restante do pós-operatório foi sem intercorrências e as suturas apresentaram boa cicatrização (Figura 5).
Discussão
A reconstrução mamária com retalho miocutâneo transverso do músculo reto abdominal (TRAM) é um tipo específico de reconstrução mamária que permite à mulher uma restauração mamária imediata ou tardia.6 No caso em questão, optou-se por uma reconstrução tardia.
A avaliação detalhada da paciente é passo fundamental para determinar se a mesma é candidata a este procedimento. O médico deve se concentrar no defeito da mama e no volume necessário para corrigi-lo. Um retalho TRAM pode fornecer pele adicional e tecido adiposo para volume e fechamento da mama, sendo este a melhor opção para pacientes com mamas maiores ou ptose significativa. A compatibilidade entre o volume de tecido do retalho e a outra mama é fator preponderante.11,12,13 A simetria, forma e aparência estética, da mama reconstruída, muito semelhante a mama natural, são as vantagens quando se o utiliza este tipo de retalho. 14,15
Conforme referenciado na literatura, a referida paciente foi minunciosamente avaliada, observando-se que a mesma portava mama contralateral ao defeito volumosa e com ptose grau II, segundo classificação de Regnault (1976). Além disso, seu pannus adiposo abdominal foi considerado adequado para fornecer volume satisfatório a mama reconstruída.
Embora a reconstrução com implantes seja a abordagem mais comum para a reconstrução da mama17, a reconstrução com tecido autólogo também está bem estabelecida e associada ao aumento da satisfação e qualidade de vida das pacientes 18, haja vista que, muitas acreditam que isso restringe seu estilo de vida e pode afetar negativamente sua autoimagem. Um retalho TRAM fornece uma excelente opção de reconstrução mamária para mulheres com boa saúde que desejam evitar implantes mamários.³ Este procedimento é especialmente atrativo para mulheres com radiação prévia na parede torácica. A radiação está associada a cicatrizes e contratura capsular quando uma paciente opta pela reconstrução com implantes.19
No caso clínico discutido, a paciente foi submetida a radiação prévia a reconstrução mamária com radioterapia adjuvante a mastectomia, bem como revelou não ter desejo do uso de prótese para tal reconstrução, porém ter desejo de melhora na estética abdominal.
Mesmo quando bem aplicado, o retalho TRAM continua a ser um procedimento não isento de complicações. A complicação pós-operatória mais significativa é a falta de suprimento sanguíneo para o retalho. Essa falta de sangue causa isquemia.20 A reconstrução com retalho TRAM pediculado apresenta uma alta taxa de necrose e perda parcial do retalho. O risco torção ou compressão do pedículo também existe durante a rotação do retalho pediculado podendo levar a congestão venosa do retalho e necessidade de reintervenção21 Outras complicações incluem infecção da ferida, deiscências, sangramento, hérnias abdominais e nódulos no novo monte mamário. 13,15
A maioria dos estudos demonstrou aumento da morbidade e riscos para hérnias e abaulamentos com um retalho TRAM pediculado21, 23, por isso é recomendando reforçar o fechamento da parede abdominal com uma prótese23, 24. Entretanto, a paciente ainda mantém algum risco de formação de hérnia abdominal do lado ipsilateral à remoção do músculo. 25
Além das complicações inerentes ao procedimento, múltiplos fatores clínicos podem estar associados ao aumento do índice de complicações da reconstrução, tais como diabetes, obesidade e tabagismo. 26,27
Contrariamente a literatura consultada, a paciente deste estudo, não era portadora de outras comorbidades e não apresentou qualquer complicação relacionada a reconstrução mamária com retalho TRAM, tanto no que tange a área receptora quanto a doadora.
Conclusão
Conforme aumentam as estatísticas relacionadas a neoplasia maligna das mamas, conjuntamente aumenta a importância das técnicas de reconstrução mamárias pós-mastectomias, garantindo assim, grande melhora para a autoestima e para a qualidade de vida das mulheres submetidas a estes procedimentos.
Para a definição da técnica a ser utilizada, muitos fatores devem ser considerados, desde a habilidade técnica do cirurgião plástico assistente, ao desejo de cada paciente, sua condição clínica global, sua anatomia, condições favoráveis e possíveis complicações.
Desta forma, a técnica de reconstrução mamária com retalho transverso miocutâneo do reto abdominal (TRAM), quando bem indicada, configura uma excelente possibilidade para atingir um adequado volume mamário em um único tempo cirúrgico, além de boa simetria com a mama contralateral e até mesmo a melhoria estética do abdome.
Referências
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Palavras Chave
Mamoplastia; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; retalhos cirúrgicos;
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
HOSPITAL FEDERAL DO ANDARAÍ - Rio de Janeiro - Brasil
Autores
CAMILA BRANCO, FELIPE EDUARDO DE OLIVEIRA SANTOS, GERSON GUILHERME SÁPIRAS