60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

Abordagem de complicação suspeita de pioderma gangrenoso em pós-operatório de correção de mama tuberosa em paciente com síndrome de Rokitansky

Resumo

A mama tuberosa é uma deformidade mamária rara, que pode apresentar-se com características diferentes a depender do tipo da afecção. Essa entidade produz um impacto psicológico na vida das pacientes, devido ao formato não habitual da mama. O seu tratamento é cirúrgico, visando devolver à mama acometida a forma cônica.6,9
A mamoplastia com ou sem prótese é a terapia de escolha e esse procedimento cursa com baixas taxas de complicação.5,6,8,9
O pioderma gangrenoso é uma complicação rara que pode ocorrer após um trauma cirúrgico.3,4,7 Em caso de suspeita de pioderma gangrenoso, faz-se necessário conhecer as particularidades do manejo dessa afecção, visando um bom resultado final.

Introdução

A mama tuberosa é uma deformidade mamária rara, que pode manifestar-se em graus variados, geralmente ocasionando assimetria mamária, que ocorre em até 89% dos casos de mulheres com esta afecção6 e que acarreta prejuízo psicológico para as pacientes.9
A formação do broto mamário inicia-se ainda na vida intrauterina, com completo desenvolvimento durante a puberdade. Apesar da etiologia da mama tuberosa ainda ser tema de discussão, considera-se que o não desenvolvimento da camada superficial da fáscia superficial em torno do complexo areolopapilar (CAP) e a presença de um anel fibroso em torno da aréola sejam responsáveis pelo desenvolvimento de uma mama sem o formato cônico habitual.6,9
Nesta entidade, há uma pseudo-herniação do tecido mamário pelo complexo areolopapilar, com alargamento deste, alteração nos diâmetros mamários, constrição da base da mama e hipoplasia do parênquima, especialmente no polo inferior.6,9
De acordo com a apresentação clínica, a mama tuberosa pode ser classificada em três tipos, conforme proposto por Grolleau et al.6
Tipo I: hipoplasia do quadrante inferior medial. Tipo mais comum;
Tipo II: hipoplasia de ambos os quadrantes inferiores;
Tipo III: deficiência aparente de todos os quadrantes mamários, constrição grave e base mínima.
A síndrome de Mayer–Rokitansky–Küster–Hauser (MRKH) é uma rara condição congênita caracterizada por agenesia mulleriana em pacientes com carácteres sexuais secundários normais e cariótipo 46XX. É a segunda principal causa de amenorréia primária e normalmente a pesquisa diagnóstica inicia-se devido a este sinal clínico. 1,2
O diagnóstico baseia-se na correlação dos achados clínicos com a evidência por exame de imagem de ausência de útero e cariótipo 46XX, podendo estar associado ou não a alterações além do aparelho reprodutor, como acometimento ósseo, renal, ovariano, cardíaco e otológico. Apesar de poder haver alteração em outros órgãos, na literatura não há associação entre a mama tuberosa e a síndrome de Mayer–Rokitansky–Küster–Hauser.1,2
A mamoplastia redutora é uma das cinco cirurgias estéticas mais realizadas no Brasil, segundo o censo realizado pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica em 2018. Este procedimento visa restaurar o volume fisiológico da mama, acarretando melhora na qualidade de vida das pacientes.8
As principais complicações da mamoplastia redutora incluem problemas relacionados a cicatrização, sofrimento do CAP, deiscência da ferida, assimetria mamária, hematoma e infecção do sítio cirúrgico.5
O pioderma gangrenoso (PG) é uma dermatose neutrofílica inflamatória rara, com incidência de 3 a 10 casos por milhão de pessoas/ano, com maior prevalência em mulheres entre a segunda e quinta década de vida.3,7
A doença foi descrita pela primeira vez em 1916 por Brocq et al., sendo nomeada por Brusting et al. em 1930. A etiologia é desconhecida, porém acredita-se que há correlação com fatores imunológicos, sendo que em 50% a 70% dos casos pode haver associação com doenças sistêmicas, como doença inflamatória intestinal.4
Clinicamente, o pioderma gangrenoso pode manifestar-se de formas variáveis, sendo mais comum a forma ulcerativa, que inicia como uma pústula dolorosa e evolui rapidamente.4 Pode ser observado em 25% dos casos o fenômeno de “patergia”, quando o surgimento das lesões é secundário a traumas, como injeção, picada de inseto e incisão cirúrgica.3
O diagnóstico de PG é clínico por exclusão, os achados histopatológicos são inespecíficos7 e incluem infiltração neutrofílica, trombose vascular e necrose4. O tratamento baseia-se inicialmente em limpeza da ferida e uso de medicações, sendo a terapia com corticoesteroides sistêmicos em altas doses considerada o método mais efetivo para o tratamento do PG. Intervenções cirúrgicas como desbridamento e enxertia de pele devem ser evitadas no início, pelo risco de agravamento das lesões pela patergia.4

Objetivo

Relatar um caso suspeito de pioderma gangrenoso como complicação de mamoplastia redutora para tratamento de mama tuberosa em paciente com diagnóstico prévio de síndrome de Rokitansky.

Método

Relato de caso clínico específico através de consulta de prontuário, documentação de prontuário médico institucional, arquivo fotográfico pessoal e revisão bibliográfica. Para a revisão foram utilizadas bases de dados Lilacs, PubMed, MedLine, Scielo, com revisão de artigos entre 2010 e 2024.

Resultado

Paciente J.B.S, feminina, 19 anos, com diagnóstico prévio de síndrome de Mayer–Rokitansky–Küster–Hauser, sem antecedentes cirúrgicos, procurou o ambulatório do serviço de cirurgia plástica devido a queixa de assimetria mamária e volume aumentado das mamas, acarretando prejuízo da qualidade de vida e dorsalgia. Ao exame físico, foi evidenciado grande volume mamário, com assimetria importante, mama esquerda mais volumosa que a direita, ptose mamária grau III bilateral, hipoplasia dos quadrantes inferiores, sulco mamário elevado e aréolas alargadas (Figura 1).
Foi submetida a mamoplastia redutora utilizando pedículo superomedial e retalho de Liacyr tipo I de 7cm por 7cm, o procedimento ocorreu sem intercorrências, foi realizada antibioticoprofilaxia intraoperatória com cefazolina e posteriormente prescrito cefadroxila 500mg de 12/12h por 7 dias. Paciente recebeu alta hospitalar no 1° dia de pós-operatório (DPO).
No 9º DPO retornou ao ambulatório de cirurgia plástica com deiscência de aproximadamente 1,5cm em cicatriz vertical da mama direita, sendo orientados cuidados locais. Retornou ao pronto-socorro do serviço no dia seguinte (10° DPO), com aumento significativo do tamanho do defeito, acometendo toda a cicatriz vertical da mama direita, com largura de aproximadamente 2cm, ulcerada, com margem irregular, de coloração avermelhada e fundo necrótico, tendo realizado exames laboratoriais e ultrassonografia mamária, evidenciando proteína C reativa 3,73 mg/dl, 14570 leucócitos/mm³ com 9398 neutrófilos/mm³ (64,5%) além de coleção com volume estimado de 1,2ml em mama direita, sendo iniciada antibioticoterapia com amoxilina + clavulanato e orientado curativo com aquacel.
Devido ao aumento das dimensões da lesão em mama direita evidenciado nas consultas do 13º e 14º DPO (Figura 2) com extensão para lateral da aréola, além de surgimento de lesão com características semelhantes, porém de menores dimensões em terço inferior da cicatriz vertical da mama esquerda, optou-se por internação hospitalar, coleta de amostra de borda da lesão para avaliação anatomopatológica e início de corticoterapia com prednisona 1mg/kg, devido a suspeita de pioderma gangrenoso.
Durante a internação, paciente evoluiu com estabilização das lesões, sem sinais e sintomas sistêmicos, com resultado de culturas negativas. A avaliação histopatológica apresentou “epiderme exibindo paraqueratose e acantose irregular, derme com infiltrado inflamatório linfohistiocitário perivascular superficial e profunda, reação gigantocelular e com infiltrado neutrofílico na derme profunda e hipoderme, ausência de vasculite, pesquisa de agentes infecciosos pelas reações PÁS, Grocot, Ziehl-Neeisen foi negativa, o quadro histológico não afasta a possibilidade de pioderma gangrenoso”.
Recebeu alta hospitalar no 20° DPO, tendo feito 5 dias de corticoterapia.
No 30° DPO foi submetida a desbridamento da ferida e fechamento parcial da vertical da mama direita e fechamento do defeito na mama direita. Com 37 DPO realizou-se fechamento da lateral da areola direita (Figura 3) e no 51° DPO concluiu-se o fechamento do defeito da mama direita (Figura 4). Paciente segue em acompanhamento ambulatorial apresentando evolução favorável.

Discussão

O caso apresentado demonstra uma paciente em pós-operatório de mamoplastia para correção de mama tuberosa apresentando deiscência inicial na cicatriz mamária, com progressão agressiva de lesão ulcerada, sem sinais infecciosos. Houve estabilização da ferida após o início da corticoterapia. Após estabilizada, procedeu-se com procedimentos cirúrgicos de desbridamento e fechamento da ferida, evoluindo de forma satisfatória.
Apesar do pioderma gangrenoso ser uma afecção rara, é de suma importância para o cirurgião plástico o conhecimento dessa entidade para, a partir da suspeita diagnóstica, realizar o seguimento correto da lesão, com as particularidades inerentes à doença, aguardando para realizar intervenção cirúrgica no momento correto.

Conclusão

Há uma escassez na literatura sobre manejo de pioderma gangrenoso, provavelmente pela raridade e subdiagnóstico dessa afecção. O diagnóstico do pioderma gangrenoso é de exclusão, mas uma vez que é suspeitado, os cuidados devem ser instituídos. O presente relato traz uma opção terapêutica relativamente simples, com evolução satisfatória e preservação suficiente de parênquima mamário.

Referências

1. Gutsche RM., Chagas LA., Leal R., Cunha AL., Djahjah MCR. Síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser: relato de caso e revisão da literatura. Radiol Bras. 2011 Mai/Jun;44(3):192–194
2. Herlin M., Bjørn AMB., Rasmussen M., Trolle B., Petersen MB. Prevalence and patient characteristics of Mayer–Rokitansky–Küster–Hauser syndrome: a nationwide registry-based study. Human Reproduction, Vol.31, No.10 pp. 2384–2390, 2016
3. Junior CJG., Gaspar CJ., Pioderma gangrenoso em pós-operatório de mamoplastia redutora: relato de caso. Rev. Bras. Cir. Plást. 2018;33(4):590-594
4. Konopka CL., Padulla GA., Ortiz MP., Beck AK., Bitencourt MR., Dalcin DC. Pioderma Gangrenoso: Um Artigo de Revisão. J Vasc Bras. 2013 Mar; 12(1):25-33
5. Melega, JM., Viterbo F., Mendes F., Cirurgia plástica: os princípios e a atualidade. Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 2011.
6. Neto MPS., Colombo LRC., Silva DP., Guimarães PMS., Almeida COR., Batista AP., Chaem LHT, Cunha MTR. Tratamento de mamas tuberosas com incisões combinadas. Rev Bras Cir Plást. 2012;27(3):421-7
7. Pontes GH., Mendes FS., Filho C., Guerrero LAV. Tratamento exitoso de pioderma gangrenoso após mamoplastia redutora: relato de caso. Rev. Bras. Cir. Plást. 2021;36(3):339-343
8. Siervi MEB., Silva TS., Vieira DML., Campos H. Prevalência de mamoplastia redutora feminina no Brasil de 2015 a 2019. Rev. Bras. Cir. Plást. 2021;36(3):270-275
9. Silva TM., Ohana BMB., Fernandes BPSF., Barra ID., Rezende MAD., Boechat CEJ. Relato de Caso: mama tuberosa. Rev. Bras. Cir. Plást. 2017;32(3):450-453

Palavras Chave

Pioderma gangrenoso; mama tuberosa

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo - São Paulo - Brasil

Autores

ANNA LUIZA NUNES DE FREITAS, ADRIANA MORAGHI, EDUARDO MACHADO MARIANO, VIVIAN CALVIÑO LAGARES SCALCO, RAFAELA MIHO YTO, ATHOS ALVARES DUTRA