60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

RECONSTRUÇAO DE LABIO SUPERIOR COM RETALHO DE AVANÇO HORIZONTAL DE LABIO INFERIOR APOS EXERESE DE TRIQUILEMOMA DESMOPLASICO: RELATO DE CASO

Resumo

Os defeitos de lábio decorrentes da exérese de tumores, apresentam desafios significativos na tomada de decisão do cirurgião plástico para o adequado planejamento da reconstrução, devido à sua complexa anatomia e às importantes funções envolvidas. Ao longo dos anos, várias técnicas de reconstrução foram propostas, variando desde procedimentos mais simples, como o fechamento primário, até técnicas mais complexas, com o uso de retalhos locais para defeitos em plano total. Muitas técnicas propostas apresentam as desvantagens de denervação, microstomia e comprometimento estético, tornando crucial o planejamento ideal de reconstrução do defeito. O intuito deste trabalho é relatar um caso específico do avanço de retalho do lábio inferior para o lábio superior, destacando os resultados associados a esta abordagem. A lesão foi demarcada e optou-se por adicionar 5 mm de margem de segurança para sua exérese, além de um prolongamento superior em formato de fuso. A exérese foi realizada em plano total do lábio. Para a reconstrução, prosseguiu-se com a incisão do vermelhão do lábio superior em seu canto externo próximo à comissura, em região ipsilateral ao defeito, conténdo derme e tecido celular subcutâneo. Para o melhor avanço e coaptação do retalho, foi realizada a exérese de um triângulo de compensação (Burow) de pele e subcutâneo em região lateral à comissura do lábio inferior. O retalho foi avançado ao lábio superior e prosseguiu-se com o fechamento por camadas. O exame anatomopatológico definitivo resultou em um Triquilemoma Desmoplásico com margens cirúrgicas livres. A paciente foi seguida ambulatorialmente semanalmente e, posterirormente, por 1 e 6 meses. Não houveram complicações decorrentes da reconstrução como microstomia ou denervação que gerasse incontinência oral, alteração da mímica facial ou prejuízo estético, com mínimo apagamento da comissura.

Introdução

Os lábios possuem importante papel na fisiologia humana. Esteticamente, contribuem de forma crucial para a harmonia facial, sendo sua forma, volume e simetria um dos principais focos do terço inferior da face. Funcionalmente, os lábios são essenciais para a articulação da fala, ao auxiliar na produção dos sons e palavras, e na alimentação, com papel na retenção e manipulação de alimentos e líquidos. Além disso, os lábios também são ricos em terminações nervosas, exercendo papel na função sensorial do indivíduo.¹

Os limites anatômicos dos lábios são delimitados pela base do nariz superiormente, pelos sulcos nasogenianos lateralmente e pelo sulco labiomentual inferiormente. Classicamente, são constituídos por três camadas: a pele, que inclui o vermelhão em sua região mais pigmentada, o músculo orbicular da boca, que auxilia no papel de movimentação para a fala, mastigação e expressão facial, e a mucosa interna, rica em glândulas salivares menores. Externamente, apresentam reparos anatômicos importantes. O filtro é a área vertical entre o nariz e o lábio superior, marcada por duas cristas que se estendem desde a base do nariz até o arco do cupido, que é a curva central do lábio superior. As comissuras labiais são os pontos onde os lábios superiores e inferiores se encontram lateralmente. ²,³

O câncer de lábio é uma forma de câncer oral que ocorre na junção entre a cavidade oral e a pele. A maioria das lesões surge na borda do vermelhão, e normalmente se manifestam como lesões ulcerativas ou infiltrativas extensas, com taxa de crescimento lento e baixo índice de metástase linfonodal. Os principais fatores de risco para o surgimento das lesões incluem a exposição a radiação solar, tabagismo e infecções virais (Papilomavírus humano, Epstein-Barr, Citomegalovírus e Herpes Simples HSV-1).⁴ Entre os tumores de lábio, cerca de 90% surgem no lábio inferior, 7% no superior e 3% na região de comissura oral. O carcinoma de células escamosas é o tipo histológico mais comum, seguido pelo carcinoma de células basais. ⁵

O triquilemoma é uma neoplasia benigna que se origina do folículo pilossebáceo. Em 1990, Hunt et al descreveram uma variante, o triquilemoma desmoplásico, que é caracterizado por uma zona central de desmoplasia que pode simular um carcinoma invasivo. A aparência deste tumor é frequentemente inespecífica e requer exame histopatológico para diagnóstico. A excisão cirúrgica do tumor normalmente é suficiente como tratamento. ⁶

A reconstrução dos defeitos de lábio após a exérese de tumores apresenta desafios significativos devido à complexidade anatômica e funcional dessa região. Métodos reconstrutivos variam desde técnicas mais simples, como a sutura primária para pequenas lesões, até procedimentos mais complexos, como retalhos locais, regionais ou livres, dependendo da extensão do defeito. Cada abordagem apresenta suas próprias potenciais complicações.

Objetivo

O intuito deste trabalho é relatar um caso de reconstrução de lábio superior utilizando um retalho de avanço de lábio inferior após exérese de lesão neoplásica próxima a comissura em lábio superior, no Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (IAMSPE-HSPE). A técnica utilizada teve o escopo de manter o componente funcional e estético do lábio da paciente em questão.

Método

Relato de caso clínico específico através de consulta de prontuário, documentação de prontuário médico institucional, arquivo fotográfico pessoal e breve revisão bibliográfica acerca do tema (base de dados PubMed).

Resultado

L.P.P., 82 anos, brasileira, natural e procedente de São Paulo, diabética e hipertensa sem demais comorbidades prévias, foi avaliada no ambulatório da equipe de dermatologia em maio de 2023, com queixa de surgimento de lesão no lábio superior direito há cinco meses. Na ocasião, visualizada lesão acometendo vermelhão em canto externo de lábio superior à direita, com características de pápula eritematosa com ceratose central e vasos retilíneos na periferia (FIGURA 1). Como hipótese diagnóstica, foram sugeridas as possibilidades de ceratoacantoma e carcinoma espinocelular. Devido à localização da lesão, a paciente foi encaminhada ao ambulatório da cirurgia plástica para avaliação.

Em junho de 2023, a paciente em questão foi então submetida à exérese da lesão pela equipe da cirurgia plástica. A lesão foi demarcada em suas margens externas e optado pela equipe por fornecer 5mm de margem de segurança para a exérese. Objetivando a melhor coaptação da ferida, foi desenhado um prolongamento em formato de fuso na região superior da lesão em topografia de parte cutânea do lábio superior (FIGURA 2).

No ato operatório, após adequada antissepsia e assepsia, procedeu-se com infiltração da região tumoral com solução de lidocaína 2% com vasoconstritor (1:200.000 de epinefrina) e realizada exérese da lesão em plano total, contendo vermelhão, músculo e mucosa interna. A peça cirúrgica foi demarcada com fio cirúrgico às 12 horas e encaminhada a exame anatomopatológico.

Com o objetivo da manutenção da funcionalidade e da preservação da estética do lábio, foi optado pela reconstrução imediata com retalho de avanço do lábio inferior em região de comissura. A região foi infiltrada com solução citada anteriormente, e prosseguiu-se com a incisão de canto lateral do lábio inferior direito (cerca de 5mm de largura) em plano submucoso em topografia de vermelhão. Além disso, optou-se pela exérese de um triângulo de compensação (Burow) de pele e subcutâneo, mantendo musculatura íntegra, em região infero-lateral da incisão realizada previamente, para transposição do retalho e melhor coaptação no fechamento (FIGURA 3). Por fim, foi realizado o fechamento em camadas dos defeitos intraoperatórios do lábio superior e inferior: mucosa interna com categut 3-0, musculatura com nylon 4-0, vermelhão com vycril 4-0 e pele adjacente com nylon 5-0. O aspecto do pós-operatório imediato pode ser observado na Figura 4.

A paciente foi orientada aos cuidados pós-operatórios, mantendo higiene intrabucal com antisséptico sem álcool e neomicina tópica em ferida operatória. O seguimento foi realizado semanalmente por cerca de 1 mês, seguido por retorno trimestral e semestral. Os pontos externos de fio inabsorvível foram retirados no 14º PO.

O resultado anatomopatológico definitivo apresentou como laudo da lesão o diagnóstico de triquilemoma desmoplásico com margens cirúrgicas livres de neoplasia.

Inicialmente, a paciente apresentou queixa relacionada à dificuldade em colocação de prótese dentária e abertura da cavidade oral. Não apresentou sintomas quanto a dificuldade de alimentação ou contenção oral dos alimentos. Em último retorno ambulatorial, após 6 meses de pós operatório completos, a paciente não apresentou queixas funcionais ou estéticas, demonstrando-se satisfeita com o resultado (FIGURA 5).

Discussão

Ao se planejar uma reconstrução por um defeito em região de lábio, deve-se levar em consideração a manutenção da competência oral, função muscular, sensibilidade labial, abertura adequada da cavidade oral, a relação entre os lábios superior e inferior e a otimização estética, com alinhamento preciso do vermelhão. Para facilitar na sistematização, as lesões podem ser classificadas quanto ao acometimento do lábio cutâneo e/ou vermelhão, bem como classificadas quanto à localização. Defeitos do lábio superior podem ser ainda subdivididos em aqueles que envolvem o filtro, o lábio medial ou o lábio superior lateral. ⁷

O caso relatado neste trabalho tratou-se de paciente com uma lesão de características tumorais invasivas, que acometia região cutânea e vermelhão de lábio superior, em local próximo à comissura.

A opção mais adequada para a restauração estética de defeitos de tamanho moderado e espessura total do lábio superior, é o lábio inferior. Devido à semelhança entre os locais doador e receptor, apenas o lábio inferior possui aparência, forma e volume necessários para substituir o retalho superior. Este princípio é comum aos retalhos de Abbe e Estlander, ao retalho de Gilles e Karapandizic, nenhum dos quais adiciona novo tecido, mas simplesmente compartilha a perda entre o lábio superior e o lábio inferior para reconstruir o outro. ⁸

Defeitos que envolvem a comissura requerem um planejamento cuidadoso. Em 1872, Estlander descreveu a técnica original para reconstruir esses defeitos. A reconstrução envolvia a rotação de uma área lateral do lábio não acometido para a região da comissura do defeito afetado. As principais desvantagens deste retalho são a microstomia e o desaparecimento da comissura labial, embora esta possa ser reconstruída em uma segunda operação.⁷,⁹

O avanço do retalho de lábio inferior em seu canto lateral para a região de lábio superior ipsilateral, contendo pele, com vermelhão externo, e subcutâneo, demonstrou mínimas complicações no relato apresentado neste trabalho. A excisão do triângulo de Burow lateral à comissura, permitiu melhor avanço e coaptação do retalho em paciente com flacidez em excesso na região perioral. Desta forma, observou-se reconstrução completa em três camadas, realinhamento de vermelhão e mínimo apagamento de comissura. Não houve queixa de incontinência oral ou insensibilidade relatada pela paciente, demonstrando mínima denervação com a técnica.

Conclusão

A reconstrução de lábio apresenta desafios significativos devido à complexidade anatômica e funcional dessa região. A escolha da técnica deve ser individualizada e apropriada para cada tipo de tumor, tamanho do defeito, localização, elasticidade da pele e condições gerais do paciente.

O caso relatado demonstrou evolução favorável após o uso do retalho de transposição de lábio inferior com associação de exérese de triângulo de compensação para a reconstrução de defeito em lábio superior em região próxima à comissura.

Referências

1. GURTNER, Geoffrey C.; NELIGAN, Peter C. Plastic Surgery: Volume 1: Principles. 3. ed. New York: Elsevier, 2012.

2. LOSEE, Joseph; NELIGAN, Peter; RODRIGUEZ, Eduardo. Cirurgia Plástica - Cirurgia Craniomaxilofacial e Cirurgia de Cabeça e Pescoço - Vol. 3. 3. ed. New York: Elsevier, 2012.

3. KOGUT, J.; SBALCHIERO, J. C.; LEAL, P. R. A. Reconstrução labial. In: MÉLEGA, J. M. (ed.). Cirurgia Plástica: fundamentos e arte. Rio de Janeiro: Medsi, p. 930-948, 2002.

4. MOORE, S.; JOHNSON, N.; PIERCE, A.; WILSON, D. The epidemiology of lip cancer: a review of global incidence and aetiology. Oral Diseases, v. 5, n. 3, p. 185-195, 1999.

5. KERAWALA, C.; ROQUES, T.; JEANNON, J. P.; BISASE, B. Oral cavity and lip cancer: United Kingdom National Multidisciplinary Guidelines. Journal of Laryngology & Otology, v. 130, supl. S2, p. S83-S89, 2016.

6. HUNT, S. J.; KILZER, B.; SANTA CRUZ, D. J. Desmoplastic trichilemmoma: histologic variant resembling invasive carcinoma. Journal of Cutaneous Pathology, v. 17, n. 1, p. 45-52, 1990.

7. SIQUEIRA, E. J.; ALVAREZ, G. S.; LAITANO, F. F.; MARTINS, P. D. E.; OLIVEIRA, M. P. Estratégias em reconstrução do lábio inferior. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, v. 27, n. 4, p. 536-541, 2012.

8. BURGET, G. C.; MENICK, F. J. Aesthetic restoration of one-half the upper lip. Plastic and Reconstructive Surgery, v. 78, n. 5, p. 583-593, 1986.

9. OTERO-RIVAS, M. M.; ALONSO-ALONSO, T.; PÉREZ-BUSTILLO, A.; RODRÍGUEZ-PRIETO, M. Á. Reconstruction of Surgical Defects of the Labial Commissure. Actas Dermosifiliográficas, v. 106, n. 9, p. e49-e54, 2015. (Inglês, Espanhol).

Palavras Chave

Triquilemoma desmoplásico; Reconstrução de lábio; Comissura labial

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

IAMSPE - São Paulo - Brasil

Autores

VIVIAN CALVINO LAGARES SCALCO, ANNA LUIZA NUNES DE FREITAS, RAFAELA MYHO YTO, ATHOS ALVARES DUTRA, EDUARDO MACHADO MARIANO, HELIO KYOTO MAEBAYASHI