Dados do Trabalho
Título
TITULO: RECONSTRUÇAO FRONTAL POS TRAUMA CRANIOFACIAL COM RETALHO FRONTAL MIOCUTANEO VY BIPEDICULADO E RECANALIZAÇAO DE DUCTO FRONTONASAL: RELATO DE CASO
Resumo
Traumatismos frontais podem ter acometimento importante de partes moles e fraturas do seio frontal com obstrução do ducto frontonasal (DFN) e da drenagem frontal. Em alguns casos, apesar do manejo conservador cada vez mais frequente, é necessária abordagem cirúrgica com obliteração e cranialização do seio frontal, para evitar complicações como sinusite, meningite e mucocele. Trazemos um relato de caso em que a obstrução do DFN foi solucionada de maneira distinta e menos invasiva da maioria da literatura, realizando a recanalização do DFN por meio da manutenção por 5 meses de uma sonda comunicando o seio frontal e a cavidade nasal. Um retalho miocutâneo frontal VY baseado nos vasos supratrocleares e supraorbitais foi utilizado para cobertura de defeitos frontais pós traumáticos. São necessários mais estudos para avaliação dessas técnicas de reconstrução, bem como segmento mais prolongado, pois o risco de formação de mucocele pode ocorrer anos após o trauma.
Introdução
Traumatismos na região frontal, decorrentes de acidentes automobilísticos ou agressões, são uma fontes de lesões graves, incluindo fraturas no seio frontal, que podem constituir até 15% das lesões craniofaciais. O tratamento dessas fraturas é complexo e há falta de consenso sobre a abordagem ideal, sendo crucial uma avaliação detalhada por meio de tomografia computadorizada (TC) para determinar a extensão do dano e o comprometimento do ducto frontonasal (DFN). As fraturas podem variar de lesões anteriores simples a deslocamentos significativos da tábua posterior do osso frontal e obstrução e comprometimento da drenagem do DFN.
As opções terapêuticas abrangem desde manejo conservador até procedimentos cirúrgicos como osteossíntese e reconstrução da parede anterior e a obliteração e cranialização do seio frontal.
Os objetivos do tratamento dessas fraturas são a restauração da forma e função e prevenção de complicações precoces e tardias como fístula liquórica, meningite, sinusite e osteomielite frontal, mucocele, mucopiocele e abscesso cerebral.
Além das fraturas, pacientes com trauma frontal podem apresentar lesões de tecidos moles, desde abrasões a lacerações extensas. O tratamento de tais lesões também se torna desafiador, principalmente no contexto da exposição do osso e seio frontal e da perda de tecido na fronte. A reconstrução frontal com enxertos de pele só é possível quando há um leito receptor viável e vascularizado, muitas vezes incompatível com a extensão de certas lesões. Ademais, os resultados estéticos são insatisfatórios.
Diversos retalhos randomizados e axiais foram propostos para tratamento da região frontal, mas podem ter cobertura insuficiente devido ao pedículo curto.
A partir desse cenário, a opção por um retalho local com músculo frontal adjacente à lesão faz com que o retalho miocutâneo frontal VY, baseado nos vasos supratrocleares e/ou supraorbitais possa ser utilizado para cobertura de defeitos frontais.
Este é relato de caso de uma paciente com trauma de face grave, com necessidade de tratamento de fratura do seio frontal com acometimento da drenagem do DFN e de cobertura da exposição óssea local com retalho. A obstrução frontonasal foi solucionada de maneira distinta e menos invasiva das técnicas citadas nas revisões sistemáticas até o momento, através da recanalização do DFN por meio da manutenção por 5 meses de uma sonda comunicando o seio frontal e a cavidade nasal. Para a cobertura do defeito frontal, foi utilizado retalho miocutâneo frontal VY bipediculado, baseado nos vasos supratrocleares e supraorbitais.
Sendo o manejo de tais lesões difícil em todos os seus aspectos, se faz necessário mais estudos de casos e de novas técnicas para melhora do tratamento dos pacientes com lesões frontais complexas.
Objetivo
Relatar o caso de uma paciente vítima de trauma frontal com lacerações em face e fratura do seio frontal com obstrução da drenagem frontonasal, tratada com recanalização do DFN por meio da manutenção de uma sonda comunicando o seio frontal e a cavidade nasal e retalho miocutâneo frontal VY bipediculado nos vasos supratroclear e supraorbital.
Método
Revisão bibliográfica de artigos indexados na base de dados PubMed com os descritores: trauma frontal, retalho frontal, obstrução frontonasal e recanalização do ducto frontonasal. Acompanhamento da paciente durante um ano e análise de prontuário para obtenção dos dados cirúrgicos e ambulatoriais. Um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado, permitindo o uso dos dados médicos e de fotos com intenção científica.
Resultado
Mulher de 60 anos foi trazida ao hospital de trauma, vítima de agressão à pedradas em crânio e face. Apresentava múltiplas lacerações em couro cabeludo e, principalmente, em terço médio e superior da face esquerda, acometendo a região órbitomaxilar, pálpebras superior e inferior e região frontal, com exposição óssea e deformidade local. O atendimento inicial descartou comprometimento além do craniofacial. Realizou TC, que evidenciou: fratura cominutiva dos ossos da face à esquerda, com envolvimento da parede anterior e posterior do seio frontal, da placa crivosa, do teto e da parede lateral da órbita esquerda, fratura nasoetmoidal e do osso maxilar esquerdo com extensão aos alvéolos dentários, além de lesões intracranianas.
A Neurocirurgia, devido a pequena extensão das lesões intracranianas, optou por tratamento conservador. A Cirurgia Plástica foi acionada para tratamento das lacerações em face. A conduta inicial foi a sutura das lesões. Foi possível a cobertura primária da maioria dos ferimentos, principalmente em pálpebras e região maxilar esquerda, porém, na região frontal, houve perda substancial de tecido, sendo possível, na região sobrejacente à fratura do seio frontal, somente a cobertura com músculo frontal, sem pele e com certa tensão.
Decorrendo 2 semanas após a primeira abordagem, a paciente evoluiu com necrose e deiscência da sutura frontal feita na admissão e consequente exposição do seio frontal fraturado, sendo necessário debridamento dos tecidos desvitalizados. Manteve-se o internamento para cuidados com a ferida e, após cerca de 1 mês, houve melhora do aspecto da lesão.
Foi realizado teste com azul de metileno através da fratura exposta do seio frontal para verificação da patência do DFN, não sendo evidenciado corante na cavidade nasal, confirmando obstrução na drenagem do seio frontal.
Em nova abordagem cirúrgica, foi realizada, através da área exposta, debridamento da mucosa do seio frontal e dos fragmentos ósseos cominutivos. O DFN foi cateterizado da sua porção frontal até o meato médio da parede nasal esquerda, com guia metálico semi-rígido, seguido de passagem de fio de prolene 2.0, que serviu como guia para posicionamento de uma sonda nasogástrica número 4, fixada na columela nasal com dois pontos de nylon 3.0, cuja função foi recanalizar a via de drenagem frontonasal. A perviedade da sonda foi testada com solução com azul de metileno e posteriormente foi confeccionado um retalho miocutâneo frontal de 12x5 cm, em VY, bipediculado nas artérias supraorbital e supratroclear direitas. O retalho foi incisado cranialmente até o plano supraperiostal, descolado até a visualização de ambos pedículos arteriais no rebordo orbitário direito. A incisão caudal do V foi realizada apenas na pele e subcutâneo, para liberar o retalho para avanço, sem que os pedículos fossem comprometidos. Somado ao retalho miocutâneo frontal VY, foi elaborado um retalho fasciocutâneo da região temporal esquerda, incisado baseado nas cicatrizes do trauma, para que ambos, avançados medialmente, cobrissem a lesão de cerca de 3x4 cm com fratura da tábua externa e exposição do seio frontal com gap ósseo de cerca de 1cm2. Foi realizado o fechamento por planos, tomando cuidado para não aprofundar os pontos na região dos pedículos. O procedimento ocorreu sem intercorrências, com a sonda para comunicação frontonasal bem posicionada, os retalhos bem perfundidos e cobertura total do defeito, sem distorção da anatomia facial da paciente.
Em 4 dias teve alta e manteve-se com a sonda em domicílio. Os pontos foram retirados gradualmente em 15 dias e foi mantido o seguimento ambulatorial.
4 meses após a recanalização do DFN e realização do retalho miocutâneo frontal em VY bipediculado, a paciente evoluiu com diminuição da drenagem através da sonda e por isso, um quarto e último procedimento foi realizado para troca da sonda frontonasal. Os retalhos foram incisados em suas cicatrizes, levantados até a visualização da sonda no gap ósseo frontal, um fio de nylon 3.0 foi passado pela sonda prévia e utilizado como guia para alocação da nova sonda nasogástrica número 4, que foi refixada na columela. As cicatrizes prévias foram corrigidas para melhora estética.
A paciente permaneceu com a sonda por 5 meses quando julgou-se que o trajeto frontonasal já estaria recanalizado e a sonda foi retirada. Manteve-se o seguimento da paciente por mais 6 meses, sem ocorrência de sinusite, acúmulo ou drenagem de secreção em região frontal e mucocele.
Discussão
Lesões frontais podem trazer desafios e a proximidade entre o osso frontal, os seios paranasais, o cérebro e a órbita desempenha um papel crucial nas consequências potencialmente graves de uma lesão nesta região. O trauma frontal e a obstrução do fluxo dos seios frontais podem resultar em complicações precoces como fístula liquórica, meningite e sinusite; e tardias como osteomielite frontal, abscesso cerebral, e mucocele, mucopiocele, que podem surgir muitos anos após o ferimento inicial.3,4
O tratamento das fraturas do seio frontal mudou consideravelmente. Ao longo do tempo, vários algoritmos de tratamento foram propostos, porém em 2022, uma metanálise, evidenciou que o manejo conservador é a forma mais comum de tratamento atualmente, em oposição aos manejos mais agressivos com técnicas abertas.5,6
Consenso na maioria dos artigos revisados para esse trabalho, é que o envolvimento do DFN e o comprometimento da drenagem frontal é o aspecto mais importante para definição do tratamento das fraturas do seio frontal, pois há aumento na taxa de complicações com essas lesões, o que apoia a importância da avaliação de seu comprometimento.6,7
A presença de fraturas nasoetmoidais em nossa paciente, aumentou suspeita de lesão do DFN.8 O ducto foi examinado quanto à sua patência com teste de azul de metileno como recomendado por Jing, et al., confirmando a obstrução. Lesões da parede posterior do seio frontal, especialmente quando há obstrução da via de drenagem frontonasal, como em nosso caso, podem necessitar de correção cirúrgica para evitar complicações. 8,9
No cenário do trauma, o DFN geralmente é abordado através de lacerações ou fraturas existentes na tábua anterior do seio frontal, como em nossa paciente.5 Os procedimentos cirúrgicos mais realizados são a cranialização ou a obliteração do seio frontal. A obliteração envolve a remoção completa da mucosa do seio e seu preenchimento com gordura, músculo, osso, ou material aloplástico.6 É possível não preencher o seio frontal após a remoção da mucosa e de irregularidades ósseas e permitir a osteogênese do seio, com o osso formando tecido cicatricial.5,6 Essa foi a conduta optada por nossa equipe, somada a recanalização do DFN por meio da manutenção por 5 meses de uma sonda comunicando o seio frontal e a cavidade nasal, técnica pouco citada nas revisões sistemáticas sobre o tema.
A cranialização envolve a remoção cirúrgica dos DFN, da tábua posterior do seio frontal e de toda a mucosa dentro do seio, resultando na expansão do cérebro para o espaço sinusal.6
O trauma contuso é o mecanismo mais comum das lesões frontais, necessitando de uma força significativa para fraturar a tábua anterior do seio frontal. Dessa maneira, lesões graves concomitantes são comuns, como lacerações importantes em face e fratura outros ossos da face, como relatado em nosso caso.7
O conceito atual é o fechamento primário sempre que possível ou enxertos de pele, expansão de tecidos, retalhos locais e reconstrução microcirúrgica.12,17,18 Enxertos podem ser uma opção viável para pacientes que têm melhor vascularização no leito da ferida, cenário difícil em lesões traumáticas com perda de substâncias e exposição óssea. Os resultados estéticos devido à cicatrização, coloração e textura finais dos enxertos, são esteticamente insatisfatórios.12,15,21 Retalhos locais são preferidos quando podem cobrir adequadamente todo o defeito. Porém, se os retalhos locais forem insuficientes, os retalhos livres microcirúrgicos são considerados o padrão-ouro.12,22,23
Em 2007, Rocha et al. destacaram diversos retalhos axiais e randomizados propostos para tratamento da região frontal: em ilha VY, elípticos, lenticulares, triangulares, mas quando baseados no tecido adiposo subcutâneo, não podem ser suficientemente avançados devido ao pedículo curto. Nesse contexto, a opção por um retalho local que transportasse a própria pele frontal, com sensibilidade preservada e melhorada em espessura pela presença de músculo frontal adjacente à lesão, fez com que o retalho musculocutâneo frontal VY baseado nos vasos supratrocleares e/ou supraorbitais fosse utilizado para cobertura de defeitos frontais pós exérese tumoral e, em nosso relato, para tratamento de lesão frontal pós traumática.24
Conclusão
O trauma frontal com lacerações faciais importantes e fratura do seio frontal com obstrução do DFN e da drenagem frontal tem conduta desafiadora e controversa. O retalho musculocutâneo frontal VY baseado nos vasos supratrocleares e/ou supraorbitais pode ser utilizado para cobertura de defeitos frontais pós traumáticos e a obstrução do DFN pode ser solucionada de maneira distinta e menos invasiva da maioria da literatura, através da recanalização do DFN por meio da manutenção de uma sonda comunicando o seio frontal e a cavidade nasal. São necessários mais estudos para avaliação dessa técnica, atenção ao risco de obstrução da sonda frontonasal, bem como seguimento mais prolongado, pois a mucocele pode ocorrer anos após o trauma.
Referências
10.1097/01.prs.0000270294.76440.d1
10.1055/s-0039-1678660
10.1097/GOX.0000000000004266
10.1055/s-0041-1736325
10.1055/s-0038-1675560
Palavras Chave
Trauma de Face; Retalho Miocutâneo; obstrução frontonasal
Arquivos
Área
Cirurgia Plástica
Categoria
Cirurgia Plástica
Instituições
Complexo Hospitalar do Trabalhador - Paraná - Brasil
Autores
MAITE MATEUS, ISABELLA CORREA DE OLIVEIRA, DANIELA THAIS LORENZI PEREIRA, DAYANE RAQUEL DE PAULA, IZABELE DOS SANTOS ECHAGUE LEITE, RENATO DA SILVA FREITAS