60º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica

Dados do Trabalho


Título

IMPACTO DA PANDEMIA DE COVID-19 NO TRATAMENTO E CUIDADO POS OPERATORIO DE NEOPLASIAS CUTANEAS: UM ESTUDO RETROSPECTIVO

Resumo

A pandemia de COVID-19 trouxe desafios significativos para a continuidade do cuidado oncológico. Assim como observado em serviços médicos de todo o mundo, no Hospital de Clínicas de Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) os atendimentos hospitalares tornaram-se prioritariamente de urgências e emergências. Este estudo tem como objetivo avaliar o seguimento ambulatorial e o perfil dos pacientes submetidos a cirurgias para retirada de câncer de pele não melanoma pela cirurgia plástica no Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (HC-UNICAMP) no ano anterior à pandemia de COVID-19 (março de 2019 a março de 2020) e durante a pandemia (abril de 2020 a abril de 2022). Trata-se de um estudo observacional retrospectivo. Foram coletados dados do prontuário eletrônico de pacientes que realizaram cirurgias de câncer de pele de março de 2019 a março de 2020 e de abril de 2020 a abril de 2022, grupos pré e durante pandemia, respectivamente. Foram avaliadas características clínicas e os desfechos ambulatoriais destes indivíduos.
A média mensal de cirurgias totais realizadas pela disciplina de cirurgia plástica do HC-UNICAMP diminuiu significativamente de 68 antes da pandemia para 18 durante a pandemia e a média anual caiu de 823 para 220. Já entre as cirurgias oncológicas de pele, a média mensal de cirurgias oncológicas também diminuiu de 6 antes da pandemia para 2 durante a pandemia e a média anual caiu de 72 para 27. Logo, a proporção de cirurgias totais e oncológicas realizadas durante a pandemia foi significativamente menor (p=0.0001 e p= 0.0170, respectivamente). Entretanto, quando analisamos a proporção de cirurgias oncológicas em relação às cirurgias totais, podemos notar um aumento na pandemia em relação ao período anterior (12,4 x 8,7%, respectivamente. Não houve diferença entre a prevalência de tabagistas (p=0.68) etilistas (p=0.27), portadores de hipertensão arterial (p=0,10), diabetes mellitus (p=0.3), hipotireoidismo (0.94) e ansiedade e depressão (p=0.089). A média do tamanho das lesões apresentou um discreto aumento, passando de 2,66 cm² antes da pandemia para 3,01 cm² durante a pandemia, assim como a profundidade média, de 3,5 mm para 3,8 mm. 64% dos pacientes perderam o seguimento ambulatorial pós operatório no grupo antes da pandemia e 53% no grupo durante a pandemia, a maioria antes de 6 meses em ambos os grupos.
Este estudo retrospectivo abrangeu um período significativo, comparando o perfil dos pacientes e os desfechos de seguimento pós-operatório em cirurgias oncológicas de pele realizadas no ano anterior e durante a pandemia de COVID-19. Apesar do grande impacto da pandemia na prestação de serviços de saúde, medidas como priorização das cirurgias e consultas oncológicas não apenas otimizaram o uso dos recursos hospitalares, mas também garantiram que os pacientes recebessem o tratamento necessário em um período desafiador. Os resultados deste estudo ressaltam a necessidade de estratégias eficazes para garantir o seguimento contínuo de pacientes com câncer de pele.

Introdução

A pandemia de COVID-19 trouxe desafios significativos para a continuidade do cuidado oncológico. O seguimento ambulatorial de pacientes com câncer de pele é crucial para monitorar recidivas, gerenciar cuidados pós operatórios e manejo de comorbidades¹'². A interrupção no acompanhamento pode levar a piores prognósticos e aumento da mortalidade em pacientes oncológicos. Assim como observado em serviços médicos de todo o mundo, no Hospital de Clínicas de Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) os atendimentos hospitalares tornaram-se prioritariamente de urgências e emergências. A pandemia exacerbou o desafio de documentar e elaborar estratégias eficazes de acompanhamento e suporte ao paciente para minimizar os impactos nos resultados de cuidados de longo prazo do câncer³.

Objetivo

Este estudo tem como objetivo avaliar o impacto da pandemia de COVID-19 no seguimento ambulatorial e o perfil dos pacientes submetidos a cirurgias para retirada de câncer de pele não melanoma pela cirurgia plástica no Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (HC-UNICAMP) no ano anterior à pandemia (março de 2019 a março de 2020) e durante a pandemia (abril de 2020 a abril de 2022).

Método

Trata-se de um estudo observacional retrospectivo. Foram coletados dados do prontuário eletrônico de pacientes que realizaram cirurgias de câncer de pele nos períodos mencionados, com o intuito de avaliar as características clínicas e os desfechos ambulatoriais dos principais pacientes acometidos pela pandemia de COVID-19 nos serviços de saúde. Na população do estudo incluíram-se dois grupos: Pré-pandemia: pacientes que realizaram cirurgia para câncer de pele de março de 2019 a março de 2020; e grupo Pandemia: pacientes que realizaram cirurgia para câncer de pele de abril de 2020 a abril de 2022. Para cada paciente, foram coletados os seguintes dados: idade, comorbidades (tabagismo, etilismo, hipertensão arterial, diabetes, hipotireoidismo, ansiedade e depressão), resultado histopatológico, tamanho do tumor, margens e sinais de gravidade do tumor e tempo se seguimento ambulatorial após a cirurgia. Os dados foram analisados com o GraphPad Prism versão 7.0 e foi considerado p <0,05 como estatisticamente significativo.

Resultado

Foram analisados dados de 1351 cirurgias realizadas entre março de 2019 e abril de 2022 e selecionadas apenas cirurgias relacionadas ao tratamento de lesões de pele suspeitas de neoplasia, totalizando 155 cirurgias em um total de 88 pacientes. O prontuário de todos os pacientes foi analisado para coleta de dados relacionados ao acompanhamento ambulatorial, cirurgias realizadas e comorbidades. Além disso, o resultado da análise histopatológica das 155 cirurgias foi avaliado quanto ao tipo e subtipo histológico, localização da lesão, tamanho, profundidade e sinais de invasão vascular e nervosa.
No ano imediatamente anterior ao início da pandemia (março 2019 a março de 2020), foram realizadas 892 cirurgias pela disciplina de Cirurgia Plástica do HC-UNICAMP. Destas, 98 se tratavam de cirurgia oncológicas de pele realizadas em um total de 56 pacientes, sendo 14 biópsias incisionais para diagnóstico e 84 cirurgias para exérese das lesões suspeitas (Figura 1). O perfil dos pacientes foi predominantemente de idosos, sendo 33 mulheres com média de 69 anos e 23 homens com média de 71 anos de idade. Nove por cento eram tabagistas (n=5), 3,6% ex-tabagistas (n=2), 44% hipertensos (n=25), 14% diabéticos (n=8), 17% portadores de dislipidemia (n=10), 9% portadores de hipotireoidismo (n=5) e 7% tinham ansiedade e/ou depressão (n=4).
Das 84 lesões retiradas no período, 13 eram benignas (ceratose seborreica, fibrose e verruga viral); 11 pré-malignas (ceratose actínica); e 61 malignas, sendo 39 do tipo carcinoma basocelular e 22 carcinoma espinocelular. A distribuição da localização dos tumores está representada do gráfico 2 e a principal localização foi o nariz. O subtipo histológico predominante de carcinoma basocelular foi o nodular (n=25), seguido do superficial (n= 11). O padrão mais encontrado nos carcinomas espinocelulares foi o moderadamente diferenciado. Das 61 lesões malignas, 11 tiveram margem comprometida na primeira abordagem, 10 foram submetidos a retirada completa do tumor em um segundo momento e 1 foi submetido a laserterapia. O tamanho médio das lesões foi de 2,66 cm² de superfície e 3,5 mm de profundidade. Apenas um paciente apresentou invasão neurovascular e foi submetido à ampliação de margem e radioterapia pós operatória. Também foi identificada apenas uma recidiva tumoral no período.
Quanto ao seguimento pós operatório, 64% dos pacientes perderam seguimento ambulatorial durante a pandemia, sendo 58% antes de completar 6 meses de pós operatório. Apenas 25% (n=14) dos pacientes mantiveram acompanhamento até os dias atuais e ficaram em média 23 meses consecutivos sem acompanhamento no período de 2020 a 2023. Todos os pacientes deste período que tiveram margem comprometida por tumor na análise patológica foram submetidos a ampliação de margem com sucesso neste período, porém cerca de 10 paciente aguardavam cirurgia para retirada de novos tumores e não foram atendidos após a indicação cirúrgica.
Durante a pandemia de COVID-19 (abril de 2020 a abril de 2022), foram realizadas 459 cirurgias, sendo 57 cirurgias oncológicas de pele. Em comparação com o período pré-pandemia, manteve-se a proporção de cirurgias oncológicas em relação às cirurgias totais, 12% e 10%, respectivamente. O perfil de pacientes abordados durante a pandemia manteve-se semelhante, 17 mulheres com média 74 anos e 15 homens com média de 69 anos de idade, totalizando 32 pacientes. Na análise de comorbidades: 62,5% (n=20) dos pacientes eram portadores de hipertensão arterial, 21,8% (n=8) diabetes mellitus, 12,5% (n=4) dislipidemia, 9% (n=3) hipotireoidismo e 18% ansiedade e/ou depressão.
O tamanho médio das lesões foi de 3,01 cm² de superfície e 3,8 mm de profundidade e a localização mais comum foi a região malar na face. Oitenta e quatro por cento (n=41) das lesões retiradas eram malignas, sendo 32 carcinomas basocelulares e 11 espinocelulares. Os subtipos histológicos nodular e superficial tiveram a maior prevalência nos carcinomas basocelulares e o padrão bem diferenciado nos espinocelulares. Nenhuma lesão apresentou invasão vascular ou nervosa no período e das 41 lesões malignas, 7 tiveram margem comprometida na primeira abordagem, todas retiradas completamente em um segundo momento.
Dos pacientes submetidos a cirurgia no período de pandemia, 53% perderam seguimento ambulatorial pós operatório, e mais da metade destes antes de completar 6 meses de pós operatório. Doze pacientes mantiveram acompanhamento até os dias atuais, com ausência média de 8 meses durante os anos de pandemia de COVID-19.

Discussão

A média mensal de cirurgias totais e oncológicas realizadas pela disciplina de cirurgia plástica do HC-UNICAMP diminuiu significativamente durante pandemia, cerca de 823/ano para 220/ano. Entretanto, quando analisamos a proporção de cirurgias oncológicas em relação às cirurgias totais, podemos notar um aumento na pandemia em relação ao período anterior (12,4 x 8,7%, respectivamente). Esse dado pode corresponder a uma estratégia local adotada para priorização de cirurgias urgentes e reparadoras durante o período.
Não houve diferença entre a prevalência de tabagistas, etilistas, portadores de hipertensão arterial, diabetes mellitus, hipotireoidismo e ansiedade e depressão (Figura 2).
A média do tamanho das lesões apresentou um discreto aumento, passando de 2,66 cm² antes da pandemia para 3,01 cm² durante a pandemia, assim como a profundidade média, que aumentou de 3,5 mm para 3,8 mm. Esses dados sugerem que as lesões diagnosticadas durante a pandemia tiveram uma tendência a serem maiores e mais profundas, possivelmente devido a atrasos no diagnóstico e no tratamento causados pela interrupção dos serviços de saúde.
Os tipos histológicos predominantes nos dois períodos foram semelhantes, com o carcinoma basocelular sendo o mais comum, seguido pelo carcinoma espinocelular. Durante a pandemia, a taxa de margens comprometidas foi semelhante, com todas as lesões também sendo retiradas completamente em um segundo momento. Esses resultados indicam uma consistência na eficácia das intervenções cirúrgicas, independentemente do período analisado.
Uma das informações mais significativas deste estudo foi o impacto da pandemia de COVID-19 no seguimento ambulatorial desses dois grupos de pacientes. Os indivíduos tratados no ano anterior à pandemia foram tão acometidos quanto aos tratados durante a pandemia no quesito acompanhamento ambulatorial pós operatório. Este aumento na perda de seguimento pode ser atribuído a diversos fatores relacionados à pandemia, como o medo de contrair COVID-19, restrições de mobilidade, readequação dos serviços de saúde e priorização do atendimento a pacientes com COVID-19. Este achado é consistente com outros estudos na literatura que relatam um aumento na perda de seguimento e atrasos no diagnóstico e tratamento de cânceres durante a pandemia².

Conclusão

Este estudo retrospectivo abrangeu um período significativo, avaliando o perfil dos pacientes e os desfechos de seguimento pós-operatório em cirurgias oncológicas de pele realizadas no ano anterior e durante a pandemia de COVID-19. Apesar do grande impacto da pandemia na prestação de serviços de saúde, as ações adotadas pela disciplina de cirurgia plástica do HC-UNICAMP foram cruciais para assegurar a continuidade do cuidado e o acompanhamento adequado dos pacientes oncológicos. Observou-se que os pacientes submetidos a cirurgia no ano anterior à pandemia foram tão acometidos pelo impacto nos serviços de saúde quanto aos atendidos durante a pandemia. O presente estudo fornece percepções importantes sobre os efeitos da pandemia no tratamento e seguimento de pacientes com câncer de pele, destacando a necessidade de estratégias adaptativas para garantir a continuidade do cuidado em tempos de crise.

Referências

1. AMERICAN CANCER SOCIETY. Cancer of the skin. In: DeVITA, V. T. Jr.; LAWRENCE, T. S.; ROSENBERG, S. A. (eds). Cancer: Principles and Practice of Oncology. 10th ed. Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins, 2015, p. 1314-1336.
2. EUROPEAN CANCER ORGANISATION. Impact of COVID-19 on cancer care in Europe: The 2020 European Cancer Organisation Survey. European Cancer Organisation, 2020. Acesso em: 27 maio 2024.
3. CANADIAN CANCER SOCIETY. Follow-up after treatment for non-melanoma skin cancer. 2024. Acesso em: 27 maio 2024.
4. CHRISTENSEN, S. R.; LEFFELL, D. J. Cancer of the skin. In: DeVITA, V. T. Jr.; LAWRENCE, T. S.; ROSENBERG, S. A. (eds). Cancer: Principles and Practice of Oncology.10th ed. Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins, 2015, p. 1314-1336.
5. NATIONAL CANCER INSTITUTE. Skin Cancer Treatment 2015. Acesso em: 27 maio 2024.
6. NATIONAL COMPREHENSIVE CANCER NETWORK. NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology: Basal Cell Skin Cancer (Version 1.2015). 2015.
7. NATIONAL COMPREHENSIVE CANCER NETWORK. NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology: Squamous Cell Skin Cancer (Version 1.2015).2015.

Palavras Chave

Neoplasias cutâneas; pandemia por COVID-19; perda de seguimento.

Arquivos

Área

Cirurgia Plástica

Categoria

Cirurgia Plástica

Instituições

Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - São Paulo - Brasil

Autores

JULIA CRISTINA FACCHI, MAYARA MARIA DE JESUS ROZANTE, CAIO DE SOUZA LEVY, LIVIA GABRIÉLLE SILVA CARVALHO, DAVI REIS CALDERONI, PAULO KHARMANDAYAN